Editor da Ilustríssima, formado em administração de empresas com mestrado em comunicação pela UFRJ. Foi editor de Opinião da Folha
Vietnã de Netanyahu faz Biden ajustar posição
Presidente perdeu popularidade com apoio incondicional a uma ofensiva sangrenta em Gaza
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Depois de uma entrada em cena valente, quando se apressou em declarar apoio incondicional a Netanyahu e a afastar a ideia de uma pausa humanitária no conflito em Gaza, o presidente norte-americano, Joe Biden, desceu uma oitava em seu garganteio.
A perspectiva da faixa se transformar num Vietnã para Netanyahu desenhou-se rapidamente nas divisões da opinião pública internacional, com a multiplicação de críticas aos riscos de uma reação desproporcional e indiscriminada após o ataque sórdido do Hamas.
Vozes se levantaram não só no mundo islâmico, mas também no Ocidente. O relativo consenso em torno de Israel quebrou-se mesmo entre setores judeus, que sentiram a estupidez terrorista, mas não fecharam com a política fundamentalista e brutal representada por Netanyahu.
Os protestos, com perspectiva humanista e pacífica, logo apareceram nas ruas e nas redes sociais, em vários cantos do mundo, Europa, Estados Unidos ou América Latina. Não em meu nome, libertem os reféns, cessar-fogo são as hashtags divulgadas por judeus preocupados com um desastre em Gaza. Artistas de Hollywood, de diferentes etnias e religiões, também assinaram uma carta pedindo que a Casa Branca defendesse um cessar-fogo.
É difícil ver nessas manifestações simplesmente antissemitismo e apoio a terroristas. Como bem observou Glenn Greenwald em recente coluna, não é "fair" que críticas às políticas de Israel sejam automaticamente transformadas em defesa do Hamas e projeto de eliminação do país.
As movimentações em curso lembram alguma coisa do ambiente que cercou a Guerra do Vietnã, aquela que gerou o slogan "make love, not war", levou John Lennon a escrever "Imagine" e condenou Mohammad Ali à prisão por recusar-se a se alistar para o combate.
Naquela época, quando não havia internet, a TV e parte significativa da imprensa ecoavam o nonsense de uma guerra entre a maior potência militar do planeta e guerrilheiros misturados a civis num pequeno país asiático. Tudo em nome dos valores do mundo livre contra o avanço comunista. Os americanos se dividiram diante dos massacres, da falta de perspectiva de paz e dos corpos ensacados que retornavam à pátria.
Biden, inicialmente disposto a ser mais realista que o rei e mostrar-se mais intrépido do que seus rivais republicanos no apoio à contra-ofensiva israelense, sentiu a água subir nas relações diplomáticas, nas preocupações humanitárias internacionais e também no eleitorado americano e em seu próprio partido. Agiu para abrir a fronteira com o Egito e tentar moderar o ímpeto da resposta israelense.
Pesquisa Gallup que mede mensalmente a aprovação do mandatário americano mostrou queda em outubro. O presidente perdeu pontos entre americanos adultos e no Partido Democrata. Escreveu Megan Brenan, analista do instituto:
"A demonstração imediata e decisiva de Biden de apoio a Israel após os ataques do Hamas em 7 de outubro parece ter desanimado alguns membros do seu próprio partido, resultando na pior avaliação que os democratas fizeram do presidente desde que assumiu o cargo. O índice geral de aprovação de Biden também corresponde ao seu nível pessoal mais baixo".
O movimento da Casa Branca em direção às expectativas humanitárias e à retomada da proposta de solução de dois Estados –que é, aliás, a posição americana oficial– vão ao encontro de análises sobre novas configurações em gestação na política mundial.
Num artigo no The New York Times, o colunista Ross Douthat sugere que a guerra prenuncia alguma reformatação nas relações internacionais em face de questões como a emergência de uma "rua árabe" no mundo ocidental, a radicalização do progressismo, a resiliência de um sionismo cristão e a instabilidade das relações europeias com Israel.
O mais difícil é imaginar que tipo de arranjo surgirá adiante, na hipótese provável de Netanyahu atolar em seu Vietnã e ser expelido no próximo ciclo político.
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