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Jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de "1499: O Brasil Antes de Cabral".

Continuar caça de baleias equivale a abater chimpanzés com requintes de crueldade

Método de captura não garante morte instantânea, e necessidade alimentar ou cultural da prática não passa de farsa

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A tecnologia que tornou viável a caça às baleias em escala industrial começou a ser desenvolvida ainda no século 19 e mudou relativamente muito pouco ao longo das décadas. Não há nada de muito sutil nela, a começar pelo fato de que tudo começa com uma granada.

O explosivo fica na ponta de um arpão —basicamente uma lança— que é disparado por uma espécie de canhão dos navios baleeiros. Ao penetrar no corpo da baleia, enfiando-se nas camadas de couro, gordura e carne, a granada explode. Com isso, farpas do arpão, semelhantes à estrutura de metal de um guarda-chuva, abrem-se dentro do corpo do cetáceo, fixando o objeto lá dentro.

Feito um pescador que usa o molinete para puxar um lambari para perto da sua vara, o operador do canhão vai, então, tracionando a baleia até o navio, onde a carcaça do bicho já será processada.

Digo "carcaça" porque se supõe que o impacto e a explosão, se devidamente mirados para acertar a cabeça, seriam suficientes para matar o animal rapidamente. No entanto, um levantamento feito na Islândia (uma das poucas nações baleeiras ainda na ativa) sugere que mais de 30% das presas caçadas por esse método sobrevive ao primeiro impacto. Diversas baleias têm de ser atingidas por múltiplos arpões, e algumas levam mais de uma hora para morrer.

Cenas como essas, que apareciam com alguma frequência em telejornais e documentários quando eu estava crescendo, voltaram-me à cabeça quando li nesta semana que o Japão decidiu ampliar suas atividades de caça comercial dos animais, abrangendo agora mais uma espécie, a baleia-fin ou baleia-comum (Balaenoptera physalus). A frota japonesa hoje mata centenas de baleias todos os anos.

Baleia-comum (também chamada de baleia-fin) avistada no oceano Pacífico perto de Long Beach, na Califórnia - AFP

No oceano de cinismo em que estamos mergulhados em 2024, dizer "Salvem as baleias!" talvez pareça a coisa mais démodé do Universo, uma relíquia bobinha da Idade da Pedra do ambientalismo. Ainda assim, certas coisas não deixam de ser verdadeiras só porque soam fora de moda. A saber:

  1. Nenhum matadouro do mundo civilizado continuaria aberto com a taxa de insucesso de abate rápido da indústria baleeira. Para as baleias "mal-arpoadas", a situação não passa de uma forma refinada de tortura;
  2. O impacto da carne obtida dessa maneira para a segurança alimentar dos países baleeiros é nula;
  3. O argumento "cultural" —a importância de uma prática milenar para certos grupos indígenas mundo afora, por exemplo— definitivamente deixou de valer como justificativa há muito tempo para a caça industrial praticada por islandeses, noruegueses e japoneses. No caso do Japão, por exemplo, a captura em larga escala é um fenômeno recentíssimo, pós-Segunda Guerra Mundial, no qual as baleias chegaram a ser vistas como fonte barata de proteína para a população;
  4. Tudo o que já se sabia sobre os cetáceos quando a caça generalizada começou a ser abandonada décadas atrás deve ser multiplicado por mil hoje no que diz respeito a coisas como complexidade social, comportamental e até "linguística". Matar baleias para consumo da carne, desse ponto de vista, não difere de querer comer hambúrguer de chimpanzé;
  5. Ainda estamos longe de recuperar a população de baleias pré-caça industrial, incluindo aí o papel delas nos ecossistemas marinhos.

Não é sentimentalismo reconhecer que certos limites não devem ser cruzados; que a capacidade de tirar vidas não humanas não deve ser usada por capricho. E poucos casos são mais claros do que esse.

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