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Humorista, membro do coletivo português Gato Fedorento. É autor de “Boca do Inferno”.

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Basta agitar o dicionário de antônimos para sair um pensamento superficial

A internet oferece um grande número de máximas de plástico, quase todas construídas com os mesmos truques retóricos

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A grande vantagem da sabedoria de plástico é que está ao alcance de todos. É sensatez instantânea: basta agitar o dicionário de antônimos e sai um pensamento superficial que finge que é profundo. Nunca foi tão fácil parecer sábio.

A internet oferece um grande número dessas máximas de plástico, quase todas construídas com os mesmos truques retóricos. "Deixa para trás o que não te leva para a frente." "Por vezes precisamos da escuridão para ver melhor a luz." "Há gente que é tão pobre que só tem dinheiro." "Não escolha a pessoa mais bonita do mundo, escolha a pessoa que faz do seu mundo o mais bonito."

Nunca falha. Ao que parece, há muita procura para pensamentos expressos em forma de paradoxo, de preferência com uma estrutura simétrica em que dois pares de termos se cruzam. Fico sinceramente surpreendido com a quantidade de gente que expõe a sua tese em antítese e pasmo com tanto quiasmo.

Muitos dos aforismos de plástico correm, além disso, um risco perigoso —poderem ser, ainda que inadvertidamente, a torcida de Jack, o Estripador. Quando dizemos "acredite em seus sonhos" a sujeitos indefinidos, arriscamos estar a falar com psicopatas, que têm sonhos bem doentios. A frase completa devia ser "acredite em seus sonhos, a menos que seus sonhos sejam estúpidos".

Sonhos têm ótima reputação, pelo menos até nos lembrarmos de que Bin Laden também tinha um sonho.

Outro problema desta sabedoria é a sua ingenuidade. Muitos filósofos de plástico consideram que, se uma pessoa acreditar muito nos seus sonhos, eles se realizam. Só que, para as pessoas cuja vida decorre fora de um filme de Walt Disney, isso não é verdade.

É mesmo muito raro que quem sonha em ir ao baile veja o sonho concretizado por uma parceria comercial de fadas que transformam abóboras em carruagens e ratinhos alfaiates que produzem vestidos de alta costura numa noite.

Entre os milhões de pobres não falta gente com capacidade de sonhar. E muitos deles têm, inclusivamente, ratinhos como companheiros de quarto. Estão reunidas todas as condições habituais para a realização de sonhos.

Felizmente, os pobres não têm tempo para ler os adágios dos pensadores de plástico, caso contrário sonhariam que eles tivessem uma doença má. Infelizmente, também esse sonho não se realizaria. ​

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