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Jornalista e escritor, autor das biografias de Carmen Miranda, Garrincha e Nelson Rodrigues, é membro da Academia Brasileira de Letras.

Vida e morte das agendas

Começamos por cancelar os mortos. Depois, os telefones fixos. E, por fim, a própria agenda

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Agendas de telefones precisam ser refeitas de anos em anos, de acordo com o número de pessoas que entram e saem de nossa vida. De repente não cabe mais ninguém. Nomes que, um dia, foram anotados porque tinham a ver com algo terrivelmente importante passam para a categoria do “quem era mesmo?”. Tornam-se nomes sem rosto, tragados pela nossa desmemória. Mas o pior é o doloroso processo de suprimir os mortos.

É incrível quantos amigos ou conhecidos têm o hábito de nos deixar a cada dez ou 15 anos. As agendas são um registro macabro dessa fatalidade. Conheço gente que desenha uma caveirinha (com as tíbias cruzadas) ao lado dos nomes das pessoas que morreram. Pode ser prático, mas é cruel e, ao mesmo tempo, cômico —aquela fila de caveirinhas na margem das páginas faz da agenda um gibi de terror. Imagine se essa agenda cai em mãos de um parente dos falecidos.

De algum tempo para cá, outro tipo de supressão ficou obrigatório: o dos telefones fixos. Se a agenda anterior contém o número do telefone fixo e do celular de cada pessoa, e você tenta ligar para um e para outro a fim de certificar-se de que continuam valendo, ficará espantado com quantos fixos, de repente, passaram a dar aquele sinal diferente de ocupado —característico dos telefones que foram desativados, não existem mais. É terrível constatar que até os seus companheiros de geração reduziram-se ao celular.

Para completar, as próprias agendas de papel estão em xeque. Mesmo entre os coroas, quase ninguém mais as usa —os números de telefones são anotados diretamente no celular. Mas o que acontece quando, até por serem coroas, têm o celular roubado ou o esquecem em algum lugar, e já jogaram fora o velho caderno ensebado?

Talvez as agendas do futuro sejam gravadas diretamente no cérebro —no mísero cérebro humano, arcaico, analógico, que ainda é o nosso.

Obra "Telefone lagosta" (1936), de Salvador Dalí (1904-1989) - Reprodução

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