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E você achando que só estava transando

Psicanalista defende, em livro precioso e perturbador, que sexo nunca é apenas sexo

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Um corretor de valores vivia para atingir metas. Quando não conseguia, entrava em um aplicativo de encontros e transava com mulheres sem jamais estabelecer vínculos (ou mesmo contato visual) e, na hora de ter um orgasmo, pensava em seu desempenho profissional, que julgava insatisfatório quando comparado com o de um colega do trabalho.

Para esse homem, talvez sexo fosse apenas sexo. Sem conversa, sem afeto, sem continuidade. Mas se pensarmos no que o motivava a procurar por ele, concluímos com facilidade que seu desejo era atravessado pelo enredo social e por culpas, traumas e angústias.

Livro 'Alguma vez é só sexo?' provoca leitor e considera obsoletos alguns preceitos freudianos - Vadim Guzhva/Adobe Stock

Trazendo como exemplo esse e inúmeros outros pacientes —e mais histórias analisadas em um vasto material de pesquisa—, o psicanalista lacaniano Darian Leader deixa claro, neste livro precioso e perturbador, que sexo nunca é apenas sexo.

O que se perpetua (ou sobra) da primeira infância, durante a qual, para as crianças, é inacreditável (aterrorizante, nojento e violento) imaginar os pais transando, até a "maturidade" sexual do adulto? Ter a fantasia de ser dominado é ser livre sexualmente, é estar subjugado ao patriarcado ou são reminiscências das fantasias eróticas infantis com cuidadores (que, é claro, mandavam em seus rebentos e, a depender da década ou da cultura vigente, ainda lhes davam uns tapinhas)?

Afinal, a mulher que, na hora da transa, gosta de ter as nádegas estapeadas ou os cabelos puxados pode viver seu desejo ou deveria trabalhar muito em terapia para reconfigurar o roteiro misógino que aprendeu, tanto no cinema quanto dentro de casa? Ela apanha porque gosta ou porque acha que merece? Ou, mais provável, por ambos os motivos?

Fiz uma referência ao cinema porque "Alguma Vez É Só Sexo?" cita duas cenas clássicas de filmes de terror: a mulher morta (por uma arma, metáfora do pênis), antes ou durante um ato sexual, e investigadores de espíritos malignos ou crimes entrando e saindo de corredores, portas e becos escuros que, segundo o autor, são analogias para os mistérios e os pecados que rondam uma vagina.

Como bom lacaniano, Leader provoca mais do que responde e considera obsoletos alguns preceitos freudianos. O papo de que, para vivermos em sociedade e inscritos na cultura, amordaçamos nossos animais selvagens libidinosos cairia por terra se pensássemos que, ao contrário do desejo sexual que está por trás de todas as nossas esquisitices e nossos sintomas, são as esquisitices e os sintomas que podem estar por trás do nosso desejo sexual.

Roteiros e narrativas são, para Leader (e para esta que voz escreve e, posso apostar, para você também), imprescindíveis para que a gente resolva, ainda mais nesse frio, tirar nossa roupinha e copular. Para o autor, "os corpos não são como pauzinhos que produzem fogo quando esfregados, já que são necessárias inúmeras condições, preferências e dicas para que cheguemos a ficar excitados".

Darian Leader nos conta de um juiz bem-sucedido que precisava lidar com situações muito desagradáveis durante o trabalho, como o julgamento de crimes horrendos. Ao final do dia, pagava uma prostituta para que ela encenasse os casos que mais lhe haviam causado estranhamento e angústia. Afinal, ao contratar uma garota de programa, um homem está mesmo em busca somente de sexo? E por que algumas pessoas precisam estar bêbadas ou entorpecidas de formas variadas para conseguir transar, "como se as atividades do corpo, os processos corporais e o sentimento de ameaça fossem perturbadores demais para serem suportados sem anestesia"?

Se for indigesto pensar que todo ato sexual almeja e tensiona para além do que você acreditou ser simplesmente tesão, lembre-se de que nem a comida é apenas comida. Quantas vezes não nos entupimos de besteiras (sejam carboidratos ou garotos indigestos) só porque "estamos infelizes, inquietos, agitados, angustiados ou solitários"?

Alguma Vez É Só Sexo?

Avaliação: Ótimo
  • Preço: R$ 99,90 (208 págs.), R$ 44,90 (ebook)
  • Autoria: Darian Leader
  • Editora: Zahar

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