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Advogado, é professor de direito internacional e direitos humanos na FGV Direito SP. Doutor pela Central European University (Budapeste), escreve sobre direitos e discriminação.

Sobre homens nus

Capa da Ilustrada revela que não estamos prontos para respeitar o orgulho LGBTI+

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Com a licença editorial que este jornal me deu ao estampar a nudez do novo secretário de Cultura, Mario Frias, na capa da Ilustrada do último sábado (20), sob o título “O novo homem do presidente”, optei por escrever sobre homens brancos nus. Sobre sua nudez literal e simbólica.

Entrelaçar gênero e sexualidade nos permite entender, numa só toada, por que a foto mais a legenda incomodaram a masculinidade bolsonarista na nudez de sua mediocridade como novo cargo técnico, de um lado, e por que, ao mesmo tempo, foto e legenda juntas se valem de homofobia moralista ao implicitamente ridicularizar o novo homem do presidente. Reconhecer um sem o outro é entender a controvérsia pela metade e, por extensão, é não entender as complexidades subjacentes aos debates sobre experiências LGBTIs num mundo entrelaçado.

Complexidade, aliás, colocada pela ideia de interseccionalidade. A primeira vez em que Kimberlé Crenshaw escreveu a palavra “interseccionalidade”, em 1989, a professora da Universidade Columbia tinha em mente, literalmente, uma intersecção, uma esquina onde duas ruas se encontram. Crenshaw descreve um caso contra a General Motors em 1976, nos EUA, onde mulheres negras foram demitidas primeiro por causa de uma política que privilegiava funcionários antigos, discriminando-as por gênero e raça, ao mesmo tempo.

O ator Mario Frias em ensaio para o site Paparazzo - Divulgação

Reduzir debate à identidade pessoal, ou descrevê-lo como polêmica —como fez a Folha, em seguida— tampouco nos salvarão. Ambas perspectivas nos descrevem incompletos. Dizer “sou gay e não vi homofobia” ou o inverso disso e, assim, encerrar conversa é errado. Perde-se aqui a dimensão de que lugares de fala não são argumentos de autoridade, são argumentos posicionais: revelam a partir de qual ponto e com base em quais experiências se faz um argumento. Tampouco reduzir debate sobre homofobia a uma polêmica ajuda.

Desnudar nossas identidades permite questionar o lugar subalterno que nossa sociedade dá a discursos que desafiam a universalidade da experiência branca, heterossexual e masculina, e como tais identidades são essenciais. Dizer que estas resolverão o problema, no entanto, é reduzir relações de poder estruturais a o que um indivíduo pensa. Lembro aqui do feminismo radical de Ochy Curiel: “Não é necessário dizer que somos negras, pobres, mulheres, trata-se de entendermos por que somos racializadas, empobrecidas e sexualizadas”, escreve.

Intersecções não são somas de identidades, são uma forma de conhecimento, segundo a qual a realidade é complexa em suas relações de poder. É como uma sessão de jazz ao vivo, escreveu Patricia Hill Collins. Permite problematizar, por exemplo, que a mesma Suprema Corte dos EUA que definiu como ilegal discriminar LGBTIs no trabalho também se recusou, no mesmo dia, a rever casos sobre a doutrina de imunidade qualificada que privilegia policiais. É questionar, inclusive, por que jornais não escrevem sobre pessoas LGBTI+ com deficiência.

É questionar, igualmente, que são os corpos não brancos, não masculinos que são constantemente sexualizados pela mídia. Como afirmou a pesquisadora de gênero Marina Ganzarolli: “Que corpos chegam em seus lugares antes de seus intelectos?”.

Ao reclamar do racismo no mundo gay, ator Ícaro Silva disse, no último dia 4, em uma live: “Parem de hipersexualizar os nossos corpos. Parem de achar que a gente é o ‘negão’ que vai satisfazer os seus desejos. Olhem para a nossa afetividade. Porque senão você não consegue ver as pessoas.” Respeitar o mês do orgulho LGBTI+ de fato requer nos enxergar com o respeito que nossa afetividade em toda sua complexidade impõe.

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