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Professor titular da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e autor de "Crônica de uma Tragédia Anunciada"

Democratas de conveniência

Do ponto de vista dos 'economocratas', a democracia sempre foi um acessório

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Há vários anos, ouvimos a bizarra expressão "liberal na economia", geralmente acompanhada pela adversativa "conservador nos costumes". Serve para designar quem se considera liberal, mas "apenas na economia", podendo ser iliberal e autoritário no resto.

Muitos dos que assim se apresentam não fazem a mínima questão das instituições e exigências da democracia liberal, desde que exista no país um ambiente favorável aos negócios e capaz de gerar riqueza e prosperidade. Alguns chegam a admirar ditaduras em que o PIB é alto e a elite é próspera. Se a economia vai bem, uma ditadura, que mal tem?

Essa é a síntese do "pauloguedismo" brasileiro, que aceitou sem escrúpulos servir a um governo que, desde o começo, deixou claro não ter compromisso com bobagens como a democracia e ainda resolveu ser seu fiador. A única condição requerida foi a promessa de "fazer as reformas de que o país precisa" para acelerar o crescimento e facilitar os negócios.

Não pense, contudo, o prezado leitor, que o "socialista na economia" se saia melhor no quesito apreço pela democracia. Afinal, quem acredita que a economia –ou a produção material da vida, nas palavras de Marx e Frederich Engels– seja o motor da história assume que regimes políticos são secundários. Se os "liberais apenas na economia" costumam ser indiferentes à democracia desde que o Estado produza riqueza, os "socialistas na economia" não fazem questão de um regime democrático desde que os meios de produção e a matéria-prima não estejam sob o controle dos capitalistas, da elite ou das potências imperiais.

Ilustração de Ariel Severino para coluna de Wilson Gomes de 6 de agosto de 2024 - Folhapress

Essa é a chave para entender a inclinação de Lula a ignorar os ataques à democracia, quando eles vêm da esquerda, ao mesmo tempo em que se tornou um pregador da necessidade de salvá-la quando os ataques vêm da extrema direita. Assim como a posição do PT, do MST, de muitos movimentos populares e de vários dos seus ideólogos em defesa de ditadores de esquerda, e até das fraudes que usam para se perpetuar no poder.

Nesta semana, pronunciaram-se Lula, João Pedro Stedile, Breno Altman, Gleisi Hoffmann e a Executiva do PT sobre a fábula da vitória eleitoral de Maduro. O primeiro, mantém-se um crente de que tudo parece conforme as regras do jogo quando se trata dos ditadores de esquerda; os outros disseram algo como "esqueçam a democracia, o que importa é o controle do petróleo". Para todos, o que está em disputa nesta eleição e nas passadas desde que Hugo Chávez chegou ao poder é se a principal commodity do país fica com "o povo venezuelano" ou vai para as petroleiras americanas.

Por essa perspectiva, todo o clamor mundo afora acerca das violações de direitos humanos, desrespeito às liberdades e garantias individuais, eleições corrompidas desde a seleção dos candidatos, supressão de direitos políticos de opositores, ausência de opinião pública livre e, por último, fraude eleitoral soa aos ouvidos dos "socialistas na economia" como uma demanda inconcebível, uma vociferação sem cabimento ante o que realmente está em jogo. Só uma imprensa burguesa, uma elite que abana o rabo para o imperialismo americano e uns intelectuais tachados ora de liberais, ora de extremistas de direita, poderiam vir com essas exigências de "democracia burguesa" a esse ponto da história.

Do ponto de vista dos "economocratas", a democracia sempre foi um acessório. É aceitável, se favorece os objetivos desejados; caso contrário, é um luxo dispensável. Frequentemente, é considerada um estorvo que impede de colocar o país no rumo certo, que a economia se encaminhe para onde o liberalismo econômico ou o socialismo apontam.

É nessa convicção que o agro bolsonarista e o MST paradoxalmente se encontram. É nesse culto, não no da democracia, que o PT e o PL, Stedile, o ideólogo do MST, e Filipe Martins, o do rascunho do golpe de Estado, Gleisi Hoffmann e Paulo Guedes dobram os joelhos em contrição. Que se dane que Nicolás Maduro tenha fraudado as eleições e Jair Bolsonaro tenha tentado um golpe justamente para não respeitar o resultado das urnas; quando a democracia atravessa o caminho da economia, ou ela sai da frente ou passam por cima.

Exceto, naturalmente, quando o outro lado está prestes a controlar o jogo, através da força ou de fraude. Nesse caso, os socialistas na economia cobrirão as tatuagens com as juras de amor a Castro, Chávez ou Ortega para alardear que a democracia precisa ser salva de Bolsonaro, enquanto os liberais na economia esconderão a minuta do golpe e conclamarão a nação a pegar em armas para enfrentar o ataque de Maduro contra a democracia.

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