Juiz usa violência do Rio como argumento para tirar guarda de mãe que mora na favela
Há 'para todos o risco diuturno de morrer', escreveu magistrado em sentença
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A Justiça do Rio decidiu retirar dos cuidados da mãe um menino de oito anos sob o argumento de que será melhor para a criança morar longe da violência da cidade. O garoto vive com a mãe, Rosilaine Santiago, e um irmão mais velho na favela de Manguinhos, zona norte do Rio.
Na decisão, o juiz determinou que a guarda do menino deve ser entregue ao pai, morador de Joinville (SC) e aposentado da Marinha. O caso foi revelado pelo jornal O Globo.
"A cidade do Rio tornou-se uma sementeira de crimes, havendo para todos o risco diuturno de morrer. Em Joinville, este risco estará sensivelmente reduzido para a criança", escreveu o juiz.
Na decisão, o magistrado também argumenta que o menino já passou tempo demais com a mãe e que precisa de uma figura paterna por ser do sexo masculino.
Diante da situação, Rosilaine Santiago procurou a comissão de Direitos Humanos da OAB, que manifestará no processo sua preocupação com a decisão da Justiça.
Aline Caldeira, membro da comissão, diz à Folha que a criminalidade no Rio, sozinha, não é um argumento válido para fundamentar a determinação. "Se for pensar sob esse aspecto, qualquer criança [no Rio] estaria com sua convivência familiar ameaçada", afirma.
Segundo ela, não há outros elementos que justifiquem a perda da guarda da mãe. "A Rosilaine é estudante de curso técnico na Fiocruz, tem salário estável, é agente comunitária (...). Tem esse argumento preconceituoso de que uma família chefiada exclusivamente por uma mulher é desestruturada, e não é o caso. [Rosilaine] consegue, no meio das dificuldades que todos os trabalhadores têm, organizar a vida dela e dos filhos", diz.
Rosilaine contou à comissão que entrou com o pedido de regularização da guarda da criança depois que o ex-marido tentou matá-la com uma faca. Após o episódio, disse que conseguiu uma medida protetiva e que ele deixou a casa onde moravam, em Manguinhos.
Quando recebeu o pedido de regularização, o ex-marido pediu que a guarda fosse transferida para ele.
Em nota, o Ministério Público do Rio de Janeiro informou que vai recorrer "diante da absurda e preconceituosa" decisão. "A pobreza não pode ser fator preponderante para definir quem melhor exercerá a guarda de um filho", escreveu o órgão.
Na segunda-feira (22), questionado sobre o assunto em evento no qual apresentou o balanço da segurança no primeiro semestre, o governador Wilson Witzel (PSC) disse que a violência não pode ser o fator principal para retirar a guarda de uma mãe.
"[O juiz] poderá fazer a reconsideração da decisão e ver que o Rio está avançando muito na segurança pública e que esse não deve ser um fator para retirar a guarda de ninguém", afirmou.
O caso ainda será julgado na segunda instância. A reportagem não conseguiu contato com o advogado de Rosilaine.
O advogado do pai, Carlos Frederico Baptista, defende à Folha que o argumento central do juiz não é a violência na comunidade, mas a alienação parental que teria sido provocada pela mãe. "A mãe não promoveu a devida convivência com o pai. Tanto que ela argumenta que a criança tem oito anos e mal conhece o pai", diz.
Segundo o advogado, Rosilaine isolou o filho. "Ela tinha medo de permitir que o pai visitasse, pegasse a criança e não devolvesse, ou uma certa retaliação, ou até um conflito emocional por causa da separação."
Baptista afirma que seu cliente foi ameaçado de morte e que não podia mais visitar a comunidade. "Quem vai querer um 'X9', um militar na comunidade? Ninguém", diz.
Sobre as acusações de que o pai da criança teria agredido e tentado matar Rosilaine, o advogado responde: "Tudo balela".
"Tanto que o próprio juiz na sentença fala que não ficou provado, sequer mediante prova emprestada, que o varão tenha ameaçado a vida da Rosilaine. A Lei Maria da Penha tem vantagens, mas também desvantagens. Gera uma demanda mentirosa para as delegacias, para o poder Judiciário", diz.
Baptista afirma que Rosilaine é vítima de sua própria "insegurança" e "falta de cultura". Ele diz acreditar que também foi "bem ponderada" pelo juiz a questão em torno da localidade onde a família mora.
"Quem que almeja viver eternamente na comunidade de Manguinhos? Uma comunidade com esgoto a céu aberto, violência, tráfico de drogas, baixo índice de escolaridade e desenvolvimento humano. Acho que a busca das pessoas deveria ser ou por aperfeiçoar sua comunidade ou por sair daquela localidade. É isso que ela quer para o filho dela? Ela não buscou uma saída daquela realidade? Uma tentativa de ascensão social?"
Por último, a defesa do pai garante que irá buscar apoio do Tribunal de Justiça para realizar uma transição adequada, com assistência psicológica para a criança.
"A mãe agora deveria promover essa facilitação da transição. Seria bonito para ela, se ela quer o bem do menor", diz. "Querem é mídia, é chororô."
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