Descrição de chapéu violência São Paulo - Estado

Sob Tarcísio, número de pessoas mortas por PMs em SP cresce 138% em um ano

Estado registrou 179 casos no 1º trimestre, contra 75 no mesmo período do ano passado; governo diz que investiga ocorrências e investe em capacitação

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São Paulo

O número de pessoas mortas por policiais militares em serviço no estado de São Paulo mais que dobrou no primeiro trimestre deste ano, segundo dados oficiais da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos). Foram 179 casos nos primeiros três meses de 2024, contra 75 no mesmo período do ano passado —um crescimento de 138%.

É o maior número de mortes em ações da PM no estado desde 2020, quando foram 218 vítimas. Em 2022, tinham sido 74 casos. Os novos números foram divulgados nesta segunda-feira (29) pela SSP (Secretaria da Segurança Pública).

Uma possível explicação para a explosão de óbitos após dois anos de casos em um patamar menor é a Operação Verão, realizada pela PM na Baixada Santista e que foi finalizada no dia 1º de abril com um total de 56 mortes.

Base da Operação Verão da Policia Militar estacionada na praça das Bandeiras, próximo à praia do Gonzaga, em Santos
Base da Operação Verão da Policia Militar estacionada na praça das Bandeiras, próximo à praia do Gonzaga, em Santos - Rubens Cavallari - 15.mar.24/Folhapress

A incursão da PM na região teve início em dezembro, mas foi intensificada em fevereiro, após a morte do soldado Samuel Wesley Cosmo.

A escalada de mortes no litoral paulista resultou em uma série de críticas à atuação da polícia, entre as quais está uma queixa ao Conselho de Direitos Humanos da ONU (Organização das Nações Unidas) apresentada no mês passado pela Conectas Direitos Humanos e a Comissão Arns.

Ao ser questionado sobre o tema, na ocasião, o governador afirmou que não está "nem aí" para as denúncias de abusos cometidos durante a Operação Verão.

"Sinceramente, nós temos muita tranquilidade com o que está sendo feito. E aí o pessoal pode ir na ONU, pode ir na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem aí", disse Tarcísio.

Os números divulgados pela SSP são considerados preocupantes pelo ouvidor da Polícia Militar, Cláudio Aparecido da Silva.

"O dado é alarmante, visto o histórico do estado de São Paulo, que vinha numa forte tendência de queda desse tipo de homicídio. É o momento de as autoridades e a própria sociedade refletirem se é mesmo essa polícia que a gente deseja", diz Silva.

Na contramão de São Paulo está o Rio de Janeiro. O estado, que tem histórico de ações letais em favelas, conseguiu reduzir a quantidade de pessoas mortas no primeiro trimestre deste ano em relação ao mesmo período anterior. De acordo com dados do ISP (Instituto de Segurança Pública), registradas 152 mortes em 2024 ante 324 em 2023, uma redução de 53%.

Cientista político e pesquisador do grupo Mediatel (Mediações Telemáticas) da PUC-SP, Eduardo Viveiros de Freitas critica o que chama de falta de comando na polícia paulista.

"O governo estadual e o 'chão do quartel' confundem apoio com liberação da truculência. Não é apenas dar apoio material, logística e reajuste salarial. É preciso ter uma política de segurança que garanta esses aspectos importantes, mas que deixe claro para a população que há comando, controle e uma política pública", afirma ele.

Em outra frente de contestação à atuação da polícia na Baixada Santista, o Gaesp (Grupo de Atuação Especial da Segurança Pública e Controle Externo da Atividade Policial), do Ministério Público de São Paulo, abriu uma notícia fato para investigar denúncias de que os mortos na operação estão sendo levados como vivos para hospitais.

"Tem uma explosão de letalidade da polícia na Baixada Santista, que não tem precedentes, porém, nós estamos falando de um crescimento que acontece em outras regiões do estado também e que de algum modo reflete essa política que está sendo implementada pelo [secretário de Segurança Pública] Guilherme Derrite, pelo Tarcísio, de um combate violento ao crime, que se desdobra tanto no aumento da letalidade policial quanto vulnerabilização desses policiais e, consequentemente, na vitimização policial", analisa a diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno.

Segundo Bueno, números do Ministério Público indicam que batalhões que usam câmeras tiveram um crescimento inferior daqueles que ainda não possuem o equipamento. "Mesmo com todos os problemas que a gente tem tido, é muito comum que elas estejam descarregadas. Ainda sim a gente está falando que elas parecem seguir sendo um instrumento importante de controle do uso da força. É ficar atento, já que em 1º de junho vence um dos contratos de câmeras corporais", acrescenta.

Diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, também aponta que as falas de Tarcísio e Derrite refletem na violência da tropa.

"A boa gestão do uso da força deixou de ser prioridade. Entrou uma lógica de operação contra o crime organizado que usa tropas especiais das polícias, que legitima mortes em ocorrência como sendo um efeito colateral e que enfraquece o programa de câmeras num discurso de vaivém", diz.

A Operação Verão é a segunda ação mais letal da história da polícia de São Paulo, atrás apenas do massacre do Carandiru, quando 111 homens foram mortos durante a invasão da Casa de Detenção, em 2 de outubro de 1992.

Em nota anterior, o governo Tarcísio afirmou que desde dezembro, 1.025 infratores foram presos, sendo quase a metade (438) procurada pela Justiça, além de 47 menores de 18 anos apreendidos. "Ao todo, 56 criminosos entraram em confronto com as forças policiais e morreram", diz a nota da secretaria.

Nesta terça, a pasta diz que as mortes decorrentes de intervenção policial são consequência da reação de criminosos contra a ação policial. "É importante ressaltar que a decisão pelo confronto parte sempre do suspeito, colocando em risco tanto a vida dos policiais quanto a da população em geral", diz.

A secretaria afirma que todas as ocorrências são rigorosamente investigadas pelas polícias Civil e Militar, com o acompanhamento do Ministério Público e do Poder Judiciário. As Corregedorias também estão à disposição para apurar qualquer denúncia contra seus agentes.

A SSP diz ainda que mantém investimento contínuo na capacitação dos policiais, na aquisição de equipamentos de menor potencial ofensivo e na implementação de políticas públicas visando à redução da letalidade policial.

"Os programas de formação para o efetivo são constantemente atualizados, e comissões especializadas são designadas para analisar e aprimorar os procedimentos, bem como revisar os treinamentos e a estrutura das investigações", afirma a SSP.

A secretaria afirma que as forças de segurança do Estado são instituições legalistas que operam "estritamente dentro de seu dever constitucional, seguindo protocolos operacionais rigorosos".

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