Pais da área da saúde contam como foi ter de se afastar dos filhos por causa da Covid
Profissionais relatam ter sentido medo da contaminação e frustração pelo distanciamento
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A Folha traz as histórias de três pais que alteraram a rotina da convivência com seus filhos por conta do coronavírus.
O medo da Covid-19 acometer os filhos ameaçou a paz do enfermeiro Luiz Mariano da Silva Junior, 40, que é pai de Noely, 17, e Marianna, 8, e “pãe” de Pedro Henrique, 3. Ele precisou de tempo e paciência para explicar a eles a necessidade de se distanciarem e os cuidados para evitar a infecção pelo coronavírus.
“Soube da existência do Pedro quando ele tinha 11 meses. Eu e a mãe dele convivemos por um período e na separação, em setembro do ano passado, o Pedro ficou comigo”, conta.
A grande preocupação do enfermeiro, que trabalha com pacientes em UTI, foi o risco de contaminação e de levar a infecção para dentro de casa.
“Nunca na minha vida vi tanta gente morrendo. É desafiador. Hoje, eu me sinto um pouco mais seguro porque estamos vacinados e conhecemos mais sobre a doença. Mesmo assim, tomo uma série de cuidados. Uso um sapato para chegar no serviço, outro para trabalhar e outro para entrar em casa”, afirma.
Durante pelo menos três meses, Junior se isolou das filhas. Abraços e beijos continuaram pela tela do celular, nas chamadas de vídeo, uma tentativa de amenizar os efeitos da distância.
Antes da pandemia, os encontros com as meninas aconteciam no mínimo três vezes na semana, mas nunca houve limites.
“Essa separação foi muito dolorosa, um cenário inimaginável para mim. Tinha medo de estar assintomático e contaminá-las. Houve muita conversa com elas.”
Com Pedro, a dificuldade aumentou. Difícil explicar a uma criança pequena por que ela não pode abraçar e beijar o pai.
“Havia momentos em que ele chorava, pedia que eu não fosse trabalhar e que eu deixasse de ser enfermeiro. Explicava que as pessoas precisavam de mim. Eu o eduquei em relação ao distanciamento físico, mas é difícil tirar uma criança de cima de você”, conta.
Para Junior, no caso de profissionais de saúde, a relação entre pais e filhos ficou sensibilizada. “Acho que ainda não sabemos mensurar as sequelas emocionais que a Covid irá nos deixar.”
“O Dia dos Pais vem com a dádiva de poder estar com os meus filhos. Sempre tive o 'eu te amo' muito na minha boca para eles. Com a fragilidade exposta do momento em que vivemos, essa necessidade de unir, ver e mostrar o 'eu te amo' ficou muito mais evidente. Nesse dia dos pais eu só quero abraçar os três [filhos] e dizer que os amo incondicionalmente”.
A doença o obrigou a se mudar para um hotel, onde morou por 14 dias. “Sabe o que eu penso diariamente? Foram 14 dias que não recupero mais. Eu perdi meu chão. A gente nunca acha que vai acontecer conosco. Por mais de um ano e três meses eu entrei em hospital Covid e nada aconteceu. A minha filha tem 40 dias e eu me infecto!”
Oikawa teve acometimento pulmonar, dores musculares e articulares e cansaço. O que lhe causou muita aflição foi o afastamento da família e não saber como seria o dia de amanhã. “Estava com uma filha pequena, com sistema imune em formação e a esposa puérpera.”
Para Oikawa, a Covid-19 mexe com três coisas que são o suporte de um ser humano: a cabeça, o fôlego e principalmente a família. “Ela te deixa longe daquilo que há de mais importante na vida”, afirma.
Mesmo passado o pior momento, o medo permanece. “Para eu voltar para a casa, fiz os testes para ver a transmissibilidade e não levar nenhum tipo de risco. É uma doença que machuca, porque você fica com medo de cheirar, beijar e trocar a sua filha”, diz o médico.
“Eu me cansava ao segurar minha filha e nunca contei à minha esposa —ela saberá ao ler a reportagem. Não queria deixar de segurá-la”, conta.
Neste domingo (8), Oikawa terá dois motivos para comemorar: será seu primeiro Dia dos Pais e a volta para casa. “Não preciso de mais nada. Quero acordar e estar com a minha família do começo ao fim do dia.”
“Valorizem mais suas famílias. Na hora que as pessoas adoecem, são as famílias que estão aqui dentro [do hospital]. Uma coisa que a Covid-19 veio para nos ensinar é que a família é o alicerce de tudo e sempre será. Muitos têm isso no discurso, mas poucos executam”, ressalta Oikawa.
Primeiro, o medo de uma doença nova e depois os desafios e as dificuldades que a Covid-19 trouxe no dia a dia. “Trabalho com duas UTIs no Hospital Albert Sabin, uma cardiológica com 9 leitos e uma geral com 18."
Com o crescente volume de internações, em certo momento foi necessário fechar a UTI geral para que todos os leitos fossem exclusivos para pacientes em tratamento contra a Covid-19. “Nesse dia caiu a ficha, quando todos os pacientes graves tinham o mesmo diagnóstico”, afirma.
"No começo da pandemia, minha esposa, a nefrologista Milena Sales, foi meu porto seguro. Certo dia, ela me deu coragem ao dizer 'a gente veio aqui para isso, estudou para isso e nossas filhas se orgulham de nós por isso. Vamos fazer o nosso melhor. Deus sempre vai nos proteger. Salvamos muita gente, sofremos com as famílias, e estamos aqui hoje muito mais fortes e treinados para as próximas batalhas'”, afirma.
A maior mudança para Sales foi no contato com a família. O médico se afastou dos pais. “A falta que isso faz nesses momentos de tensão é imensurável. Por outro lado, aumentei meu contato com minha esposa e filhas e passei a dar mais valor ao tempo, que a gente só percebe que perdeu no dia seguinte”, diz Sales, que é pai de Helena, 7, e Júlia, 2.
“Minha filha menor praticamente viveu na pandemia. Toda a parte de interação dela com a gente eu perdi”, lamenta.
Os abraços que Sales ganhava das filhas quando chegava em casa do trabalho tiverem que ser controlados. Por conta disso e do isolamento social, as crianças mudaram o comportamento. Entraram numa fase de estresse e ficaram mais irritadas e brigonas entre as duas, segundo o médico.
“Quando chego em casa digo para não encostar no papai porque tem um bichinho voando no hospital que cola no papai. Enquanto o papai não passar o sabão, o bichinho não vai embora. Se não for lúdico com elas, não vão entender.”
“Eu e minha esposa somos médicos. Como explicar para a menor que a mãe não pode dar de mamar a ela quando chega em casa?”
Para esquecer um pouco a situação ainda caótica, Sales treina jiu-jítsu e faz passeios a cavalo em Passa Quatro (MG).
O Dia dos Pais não será como o esperado. “Queria almoçar com o meu pai, mas acho que não vai dar. Vejo meu pai esporadicamente, mas a cinco ou seis metros de distância.”
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