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Descrição de chapéu Obituário John Dennis Howard (1938 - 2024)

Mortes: Rebelde inveterado, foi um dos precursores do grafite em São Paulo

John Howard coloriu muros com seus desenhos e fez da arte uma ferramenta de militância e educação

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São Paulo

O artista urbano John Howard tinha uma frase preferida que dizia de forma recorrente: "sou contra o sistema". A postura rebelde e inconformista de um dos precursores do grafite em São Paulo norteou boa parte de suas atitudes, desde recusar qualquer tipo de contrato por sua obra até discutir com juízes da Vara da Infância quando pedia autorização para levar os quatro filhos menores de idade para assistir a filmes fora de suas faixas etárias, como "Jesus Christ Superstar".

Nascido em Detroit, nos Estados Unidos, veio para o Brasil no começo da década de 1960. Antes, deixou a cidade natal, onde se formou em engenharia mecânica no Instituto General Motors, para agradar ao pai, e foi para San Francisco, na Califórnia, estudar artes.

Sem dinheiro, morou em seu carro por um ano, quando decidiu visitar os amigos paulistas com quem dividiu quarto na época de faculdade. O plano era apenas passar pelo Brasil, já que seu destino era a França.

John Howard foi um dos precursores do grafite paulistano - John Howard Grafitti no Facebook

De carona em carona, Howard partiu da costa oeste dos EUA em direção ao Canal do Panamá. Ao chegar lá, continuou a viagem até Manaus, de onde partiu para São Paulo.

Da capital paulista foi para Araçatuba, no interior paulista, que se tornou sua casa após conseguir emprego como professor de inglês, e conhecer a araçatubense Marinez, com quem teve quatro filhos

Cerca de um ano depois, ele foi avisado de que deveria voltar aos Estados Unidos para ser recrutado para a Guerra do Vietnã. Voltou e manteve o namoro a distância. "Ele pediu minha mão para os meus pais por meio de uma carta", lembra a ex-mulher.

Ele acabou não sendo convocado, e a companheira foi então encontrá-lo nos Estados Unidos. Tempos depois o casal voltou ao Brasil, onde ele iniciou os experimentos que pavimentaram seu caminho rumo a se tornar um dos precursores do grafite paulistano. "Ele achou latas de tinta na garagem e foi com as crianças pintar a rua onde morava, em Santo Amaro", conta a filha Denise.

A pintura nos muros se repetiu quando a família se mudou para São Bernardo do Campo (ABC) e ele fez o mesmo em um terreno baldio vizinho. Mas a alcunha de grafiteiro só foi assumida um tempo depois, quando o termo se popularizou. Em 1984, conheceu Rui Amaral na Vila Madalena, na zona oeste paulistana, e, juntos, se tornaram referências da arte urbana paulista.

Eles compartilhavam a mesma visão crítica sobre a forma como a paisagem urbana era tomada por propaganda política em tempos de eleição. Naquela época, era permitido pintar nomes e números de candidatos nos muros.

"Meu pai achava aquilo errado. Ele andava de ônibus e via as pessoas olhando aquelas propagandas políticas", diz a filha Denise.

O ímpeto ideológico o transformou em um artista frenético, que finalizava os traços dos seus desenhos de cabeças em minutos —as figuras que remetiam ao corpo humano, mas em múltiplas cores e estilo psicodélico, se tornaram a marca de seu trabalho. "Ele gostava muita da expressão 'cabeça feita', para ele tinha muitos outros significados", diz Denise.

Outro desenho simbólico de Howard era uma cobra comendo o próprio rabo com os dizeres "Deus se come-se". "Ele era questionado sobre o significado daquela frase e sempre devolvia a pergunta do que aquilo representava para a pessoa que estava perguntando", conta o filho Michael.

Seu espírito inconformista o levou a deixar de seus empregos de forma recorrente, a maioria em montadoras de carros em Detroit e como professor de inglês e literatura americana.

Esse traço de personalidade teria irritado Pietro Maria Bardi, fundador do Masp (Museu de Arte de São Paulo), quando o convidou para participar de uma exposição. Junto à obra, Howard lançou um manifesto contra o banco patrocinador do museu. "Por um lado era talentoso e por outro ele próprio aniquilava sua carreira artística", diz Denise. "Tinha um senso de justiça muito forte dentro dele."

A partir da valorização da arte de rua, suas criações se tornaram requisitadas em exposições e galerias, apesar de sempre ter exposto apenas nas ruas. Foi convidado para participar da Bienal de São Paulo e eventos no Masp, além de ter ido à Dinamarca para uma residência artística por indicação de Os Gêmeos, ícones do grafite nacional.

Howard morreu aos 85 anos no último dia 13, em São Paulo, após sofrer complicações da doença de Alzheimer, diagnosticada há cerca de quatro anos. Deixa a ex-mulher Marinez Bracale, os filhos Michael, Susan, Denise e Thomas, e os netos Leon, Stella e Helena, além dos irmãos Terry e Carole e muitos filhos e irmãos do grafite.

coluna.obituario@grupofolha.com.br

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