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Daniel Guanaes

Evangélico pode ouvir Caetano? Por que não?

O que cabe ao cristão é discernir para si entre o que é bom e o que não é

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Daniel Guanaes

PhD em teologia pela Universidade de Aberdeen, é pastor presbiteriano, psicólogo e líder do movimento Pastores pela Vida (Visão Mundial)

Em muitos ambientes do campo evangélico, o universo musical é reduzido a duas esferas. De um lado, há um repertório religioso. Do outro, ficam as demais categorias musicais. O primeiro é encorajado e tratado como "músicas de Deus". O segundo é desestimulado e rotulado como "músicas do mundo", por ser algo passageiro, que —segundo essa lógica— perece junto com a matéria. Não concordo com isso e vou explicar o porquê.

De acordo com esse critério, Caetano Veloso é considerado um compositor de músicas "do mundo". Mas sua inclusão do louvor "Deus cuida de mim" em sua turnê gerou críticas e curiosidade no meio religioso, especialmente após ele afirmar, no show de estreia, que o crescimento evangélico tem grande importância para ele.

Para muitos adeptos da fé evangélica, as "músicas de Deus" são elementos próprios do culto religioso. Um amigo ecoou essa visão quando disse: "Achei estranho um louvor no show. É música de igreja. Parecia não se encaixar no repertório". Mas também houve evangélicos que aprovaram a escolha do artista. "Achei lindo. Não esperava que fosse acontecer. Me emocionei", contou uma frequentadora da igreja onde sou pastor e que esteve presente no show.

Caetano Veloso durante ensaio que ilustra o single 'La Mer', lançado este ano - Divulgação

Sou evangélico desde a infância, mas na minha casa não havia distinção entre "música de Deus" e "música do mundo". A discografia de Caetano Veloso está presente na minha vida desde que eu me entendo por gente. Por isso, gosto desse aceno que o artista fez ao público evangélico. Ele possibilita uma reflexão sobre a rigidez das demarcações que esse segmento religioso propõe na relação com a cultura.

Existem músicas que não vêm do contexto religioso, cujas mensagens se alinham com o que é ensinado nos cultos. Se elas devem ser cantadas nas igrejas, deixo o assunto para outra conversa. Meu questionamento aqui é de outra ordem: por que um evangélico deveria apenas cantar e ouvir louvores no seu dia a dia?

Em recente artigo publicado nesta Folha, o pastor Valdinei Ferreira escreveu que "secularidade absoluta ou crença cega são posições raramente encontradas no dia a dia das pessoas". Caetano, por exemplo, não é religioso, mas seu repertório e suas falas estão imbuídos de um senso de sagrado. Em uma entrevista com o pastor Kleber Lucas, autor de "Deus Cuida de Mim", Caetano afirmou que acredita que foi Deus quem promoveu o encontro entre Kleber e ele. "Eu cheguei a ser antirreligioso na juventude, mas agora, a única resposta que me ocorreu foi Deus."

Gosto de mencionar uma passagem bíblica quando, em conversas com pessoas da igreja, alguém acha impróprio um cristão escutar música popular. Em sua carta, o apóstolo Tiago (Tg 1.17) ensina que "toda boa dádiva e todo dom perfeito vem do alto". Logo, por que não desfrutar do dom de um artista como Caetano?

Se há duas esferas nesse universo cultural, o diálogo entre elas já acontece. Por exemplo, uso trechos de músicas de Caetano em meus sermões. Já citei "é que Narciso acha feio o que não é espelho" como um alerta contra o excesso de amor próprio que impede alguém de enxergar beleza fora de si, que é uma ideia cristã.

Isso não acontece apenas com as composições de Caetano Veloso. Independentemente do gênero musical, a poesia de artistas que não fazem parte do movimento evangélico pode enriquecer a percepção de um religioso sobre a vida. Seja MPB, rap, funk, samba ou qualquer outro gênero, o que cabe ao cristão é discernir para si entre o que é bom e o que não é.

Citando novamente a Bíblia, prefiro usar um conselho do apóstolo Paulo como critério em minha relação com a cultura. Em uma de suas cartas no Novo Testamento (1 Ts 5:21-24), ele escreve aos cristãos: ouçam, julguem e retenham o que é bom.

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