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'Dedo na Ferida' peca ao caracterizar bancos como únicos culpados

Documentário que critica aumento da desigualdade pós-crise de 2008 simplifica e decepciona por maniqueísmo

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Documentário "Dedo na Ferida", de Silvio Tendler - Maycon Almeida/Divulgação

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São Paulo

O documentário "Dedo na Ferida" apresenta uma crítica ao aumento da desigualdade e às políticas de ajuste econômico adotadas nas principais democracias ocidentais após a crise internacional de 2008.

Com aproximadamente 90 minutos, a obra inclui entrevistas com 19 pessoas, entremeadas por comentários do narrador, imagens da periferia do Rio de Janeiro e alguns números para apoiar sua principal tese: o sistema financeiro é o grande vilão da crise recente na Europa, Estados Unidos e América Latina.

A lista de entrevistados inclui desde um ex-ministro da Fazenda da Grécia até um trabalhador do Rio de Janeiro, passando por vários intelectuais brasileiros e estrangeiros. O tom geral das falas é de denúncia da "financeirização do capital" a partir de 1980, com aumento do poder do sistema bancário e perda de autonomia de governos nacionais sobre suas políticas econômicas.

Do ponto de vista político, o documentário acerta ao identificar a liberalização financeira das últimas décadas como um dos principais determinantes do maior poder de barganha do ricos no conflito distributivo do Ocidente, mas peca por manipulações grosseiras ao caracterizar os bancos como fonte de todos os males do capitalismo.

Um dos entrevistados chega a dizer que "bancos são lugar de ladrões". Outro repete um erro grosseiro, mas popular em parte da esquerda brasileira, somando juros e amortizações para afirmar que a maior parte de nosso orçamento público se destina ao pagamento de "banqueiros".

Todo economista sabe que amortização é simplesmente devolução do valor inicialmente emprestado e, portanto, o valor relevante do ponto de vista orçamentário é o montante de juros pagos sobre o principal. Juntar juros e amortizações para demonizar o sistema financeiro revela desconhecimento ou oportunismo, o que não contribui para a solução de nossos problemas.

Apesar de concordar e simpatizar com alguns dos pontos levantados no documentário, confesso que a narrativa geral me decepcionou por seu maniqueísmo e simplificação.

Sim, o capitalismo tende a produzir desigualdade e crises sem regulação adequada e isso está na raiz da crise financeira internacional de 2008.

Porém, cada país tem suas particularidades e simplesmente culpar os bancos por todos os problemas do mundo revela a dificuldade de parte da esquerda brasileira em colocar o dedo em outra ferida nacional: há necessidade de ajuste fiscal no Brasil e isso implica rediscutir os privilégios adquiridos de parcela da sociedade, incluindo a classe média.

Uma das melhores partes do documentário é a entrevista com o trabalhador carioca, retratando as dificuldades e preocupações da maior parte da população brasileira, que deseja melhores serviços do Estado. A redução da taxa de juros pode ajudar o governo nesta tarefa, mas isso é geralmente resultado de outras ações públicas e privadas, não uma decisão unilateral do Banco Central.

O documentário quase não aborda a questão tributária, mas a construção de uma alternativa de "governo para todos" passa inevitavelmente por maior progressividade dos impostos no Brasil, além de mais eficiência nos serviços públicos.

O longa termina pregando resistência à limitação da democracia pelo mercado financeiro, o que é uma questão real e necessária. Porém não basta resistir. Também é preciso propor alternativas, o que no caso do Brasil requer que a esquerda saia de sua zona de conforto e reavalie, também, os gastos não financeiros do Estado.

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