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Poesia de Ricardo Domeneck mostra corpo atravessado de desejos

Autor brasileiro radicado na Alemanha é o principal nome a revisitar tradições da poética amorosa

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O poeta Ricardo Domeneck, na Flip de 2018 - Walter Craveiro/Divulgação

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Guilherme Gontijo Flores
São Paulo

Durante um longo período, a poesia amorosa se apagou na poesia brasileira, parecia sentimental demais, realmente piegas demais para um projeto intelectual na tradição de João Cabral de Melo Neto e dos concretos, porque, para abordar o amor, era preciso retomar as impurezas e porosidades do corpo, botar o poeta como corpo entre corpos, frágil e passional no jogo, assumindo naufragar, como todos um dia naufragam nos afetos.

Ricardo Domeneck é, a meu ver, o maior nome no país a revisitar as tradições —assim, plurais— da poesia amorosa, com um projeto poético que vem se desenvolvendo desde sua estreia com o livro "Carta aos Anfíbios" (2005, ed. Bem-Te-Vi), mas que ganhou movimento mais claro a partir de "Cigarros na Cama" (2011, ed. Modo de Usar & Co.) e de "Ciclo do Amante Substituível" (2012, Ed. 7Letras).

Nessas obras, Domeneck vem produzindo uma poesia visceralmente ligada às tradições amorosas, ocidentais ou não, começando com a retomada da poesia mística e erótica de Hilda Hilst (por muito tempo apagada diante dos projetos racionais antes mencionados), mas passando também pela musa homoerótica da poesia grega e romana, pela obra moderna de Kaváfis, O’Hara e Pasolini, pela tradição árabe de Abu Nuwas, pela poética da pornografia, indicada pelos atores Xander Corvus e Bruce Venture, etc. A lista poderia ser maior, mas esta é bom começo de conversa.

Entendo que tal processo de depuração e confluência desenvolvido em sua obra nos últimos oito anos tem agora um momento especial, com o lançamento simultâneo de "Odes a Maximin" e de "Doze cartas" (2018) pelas Edições Garupa. Além do trabalho editorial cuidadoso da Garupa, que contribui para pôr o corpo do poeta em jogo (tanto pelo efeito de carta datilografada quanto pela inclusão de desenhos erótico-delirantes de David Schiesser nas "Odes"), Ricardo aqui recusa qualquer morte do autor cindido de sua linguagem, mas se lança inteiro aos poemas dessa obra dupla. 

Já a abertura das "Odes" anuncia o fim de um ciclo (“Ora/ cansei-me d’O Moço,/ há o tempo de bajula/ e o tempo de escorraçar/ os fantasmas/ dos natais passados/ […] e dessarte inicio/ esta celebração/ do bendito/ menino filantropo/ que passo a chamar/ de Maximin.”) num pastiche de linguagem elevada e artificial. É o fim da celebração amorosa do "Moço", que ocupava os livros anteriores, para agora celebrar Maximin, novo menino amado e terrível, com pseudônimo tirado do jovem adorado pelo poeta Stefan George.

No entanto, se o nome é já indicação de uma tradição da poesia amorosa, o substrato poético é pura vida, reoganização autobiográfica em forma de reflexão erótica, entre o prazer do som das palavras (“Amo-te como a um mamute/ quando me tateias no tatame”) e a comparação ultraespecífica e estranha (“Maximin, somos assim/ como essas línguas/ algo arcaicas/ que conservam em si a declinação, demonstrando-nos/ como são afetadas as coisas/ por aquilo que as segue/ ou precede, transformando-se/ feito camaleões e arredores”). Em outras palavras, Domeneck canta o desejo que vive, assim ambíguo, como o desejo que ele poeta vive, e como desejo que vive além do poeta.

Contrariando o que certa crítica desavisada espalha por aí, a poesia de Ricardo Domeneck está longe de sisuda ou hermética; pelo contrário, é feita da mais fina autoironia e mostra um corpo atravessado de desejos. Um desejo específico, porque de homem brasileiro a homem alemão, mas também um desejo que se transcende quando retoma as formas do amor de muitos outros, cruza corpos de tempos e espaços diversos, mantendo um vigor raro de poesia e pensamento. Aqui, a retomada das tradições é a pulsação viva do presente, corte de um corpo desejante.
 

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