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Documentário mostra desigualdade da crise climática na prática

'Arrasando Liberty Square' aposta em abordagem mais profunda e nuançada e foge da conciliação vazia entre vítimas e algozes

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Maria Caú

Arrasando Liberty Square

Avaliação: Ótimo
  • Quando: Mostra Ecolfante: sex. (2), às 18h15; e ter. (6), às 21h, no Reserva Cultural
  • Produção: EUA, 2023
  • Direção: Katja Esson

Por muito tempo, os documentários-denúncia dedicados a explorar os múltiplos impactos do colapso ambiental teimavam em tratar da questão a partir do ponto de vista da classe média, abordando o assunto como um problema que afeta a todos igualmente ou superestimando a força das ações individuais para a reversão do trágico panorama.

O grande trunfo de "Arrasando Liberty Square", longa-metragem de Katja Esson, é justamente apostar numa abordagem mais profunda e nuançada do tema. Parte do Especial Emergência Climática da Mostra Ecofalante, dedicada a obras de temática socioambiental, o documentário segue o dia a dia dos moradores de um dos conjuntos habitacionais mais antigos dos Estados Unidos.

Imagem do filme 'Arrasando Liberty Square' - Divulgação

Fundado em Miami em 1937 para remover famílias negras do centro comercial da cidade, àquela época em franca expansão, o complexo de apartamentos Liberty Square foi historicamente negligenciado pelo poder público. Atraídas por promessas de melhores moradias e acossadas pela segregação, as famílias negras que fundaram a comunidade ali chegaram ao serem empurradas para longe da orla e realocadas numa área então despovoada.

Seus descendentes, cerca de setecentas famílias, ainda viviam ali quando, em 2017, a prefeitura selou um acordo com uma empresa privada para um controverso processo de "reconstrução". É este empreendimento que a documentarista alemã radicada nos Estados Unidos registra ao longo de alguns anos.

A ironia da situação logo fica clara aos olhos do espectador. Antes um dos territórios mais desprezados da cidade, localizado no coração de Liberty City, bairro majoritariamente negro, o complexo habitacional está estrategicamente posicionado numa das áreas mais elevadas de Miami, um dos poucos trechos que deve resistir às inundações provocadas pelas mudanças climáticas, que prometem varrer do mapa os terrenos à beira-mar da metrópole, famosa por suas praias.

Através de uma pluralidade de depoimentos com líderes locais, antigos moradores, ambientalistas, autoridades municipais e funcionários da empresa responsável pelo projeto, o filme desvela a um só tempo a vulnerabilidade das comunidades mais pobres no contexto da crise climática e os efeitos devastadores da ação das grandes corporações.

De um lado, temos as promessas da construtora, que jura que as demolições darão lugar a novas e modernas unidades e que a proposta de um sistema misto, que acomodaria lado a lado apartamentos subsidiados e imóveis comerciais, trará desenvolvimento econômico para a região. De outro, surgem as reminiscências dos moradores, apoiadas por imagens de arquivo que ilustram a construção do complexo e seus anos de ouro nas décadas de 1950 e 1960, incluindo um famoso hotel, frequentado grandes personalidades da cultura negra, onde Martin Luther King teria escrito parte de seu mais famoso discurso.

É no contraste entre esses dois polos que se edifica a narrativa. À medida que as promessas da construtora vão se revelando vãs e mesmo o coordenador do projeto, um jovem negro criado na comunidade, se vê em conflito, o filme ganha em tensão, sempre pontuado por planos de enormes escavadeiras em movimento constante.

Neste cenário, a capacidade de articulação política de alguns dos habitantes contra os efeitos devastadores da gentrificação ganha destaque, delineando personagens instigantes, como a diretora do colégio local, que desconfia das intenções da reconstrução enquanto permanece determinada a afastar os jovens da violência da comunidade. Esses ótimos personagens, que expõem a manutenção da segregação nos Estados Unidos contemporâneo, elevam o filme para além de seu evidente engessamento formal, lugar-comum nas narrativas com propósitos educativos e de denúncia.

Delineando a insidiosa violência do processo de remoção, o longa acerta ao mostrar que o colapso climático não atinge a todos igualmente, esquivando-se a sustentar uma conciliação vazia entre o ambientalismo e a manutenção dos interesses das grandes corporações, os verdadeiros algozes do colapso climático.

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