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Volta do Oasis é farsa? Definitivamente. Vale a pena? Talvez

Banda é item incontornável da vida de quem andou sobre a Terra nos anos 1990, mas não só

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São Paulo

Tudo o que se lê na chamada deste texto é farsesco. Para começar, seu enunciado principal é uma adaptação livre, eufemismo para cópia descarada, do título dado para um artigo escrito pelo lendário jornalista britânico Alexis Petridis, do The Guardian, acerca da volta do Oasis para uma turnê de reunião em 2025.

Eu roubei do colega a brincadeira com o nome do primeiro e mais brilhante álbum da banda britânica, "Definitely Maybe" (definitivamente talvez), lançado há oh-meu-Deus 30 anos. Não funciona tanto em português, mas "Nevermind" (tanto faz) —sim, repeti a gracinha com o disco do Nirvana que "todo mundo" ouvia antes da emergência do britpop.

Com Noel na guitarra, Liam canta em um dos derradeiros shows do Oasis, em São Paulo em 2009 - Folhapress

Se obviamente sua audiência não era global, por que qualificar as malcriações dos irmãos Gallagher de inescapáveis? Porque sem exagero e arrogância juvenil é impossível contar para a geração (Z? já me perdi) o que foi viver no planeta Terra de 1994 a 1998, mais ou menos.

Tudo isso, farsa e teatralidade, é Oasis. Para quem tivemos o privilégio de frequentar e morar no Reino Unido por um tempo naqueles anos, o som da banda não trazia a urgência do grunge de Seattle, e sim uma certa familiaridade: pegue uma base de Beatles, adicione um bocado de Sex Pistols, tempere com o glam do Slade e toques diversos.

Quando explodiu no festival de Glastonbury em 1994, o Oasis era mais uma "melhor banda de todos os tempos" daquela safra do semanário NME —sim, revistas de música traziam consigo cassetes e, depois, CDs para provar o que escreviam.

Dois anos depois, 250 mil pessoas ouviram o grito de Noel Gallagher na abertura de um fim de semana com dois shows em Knebworth, perto de Londres: "Vocês sabem que estão fazendo história", disse o insuportável cérebro da banda, enquanto dedilhava a abertura de "Columbia".

Um em cada 24 britânicos fez a fatídica ligação para a "hotline" que vendia os ingressos numa excruciante espera. No ano anterior, o segundo e igualmente genial álbum do Oasis, (What's the Story) Morning Glory?, vendeu como pão quente à razão de dois CDs por minuto nos templos da rede de lojas HMV.

O britpop, assim como o grunge mastigado e cuspido pela MTV, era um produto comercial de seu tempo, mas não só. Como dissecou em 2003 John Harris no seu livro "A Última Festa", a emergência de Oasis, Blur, Suede e outros foi casada com a criação de uma marca, Cool Britannia, a tentativa de ressuscitar a Swinging London dos anos 1960.

Era um projeto político abraçado pela volta dos trabalhistas ao poder em 1997. Foi a tempestade perfeita, e evidentemente uma farsa —seja no fracasso artístico do terceiro disco do Oasis, daquele mesmo ano, ou no transmutação do premiê Tony Blair de messias da esquerda light para poodle de George W. Bush.

Tudo o que está descrito aqui pode soar como passadismo: álbum, discos, loja de CD, linha telefônica. São reminiscências de um mundo que deixou de existir. Mas isso seria simplificador demais.

Fãs de rock são seres ancorados em alguns pontos da historia, então não me entenda mal quando digo que não há nada parecido ao britpop para quem respirou aquele ar. Se essa síndrome de era dourada é uma bobagem, a atomização da vida cultural em um streaming interminável por óbvio não facilita a vida do eventual leitor neste 2024 para definir onde ele se situa nessa timeline.

Pesa também a perenidade do Oasis. Duvida? Vá a um desses karaokês bacanas de São Paulo, como o Donchan, e veja em quanto tempo alguém irá pedir "Wonderwall". Ah, mas tocou em novela nos 1990, alguém vai dizer, para a questão óbvia: e você lá assistiu?

Além disso, o grupo tem peculiaridades que ajudam a trazê-lo vivo a 2024. A banda mobiliza sua base de fãs como um time de futebol —e não é preciso ir muito longe para identificar na sua origem a raiz que levou a coisas menos nobres, como o brexit. As tretas de Liam e Noel não estariam deslocadas do mundo das redes sociais.

Fechando o círculo, voltemos à deliciosa farsa da volta do Oasis. Ela o é, definitivamente, não menos porque parece motivada pelo espeto de R$ 145 milhões que Noel levou no processo de seu segundo divórcio, em 2023.

Toda reunião de banda é oportunismo anacrônico. Valerá a pena para alguém além dos contadores dos irmãos Gallagher? Musicalmente, o Oasis produziu pérolas aqui e ali ao longo até a implosão, e sua formação final era mais afiada do que a original. Mas o brilho dos dois primeiros álbuns já havia acabado.

Como o retorno só promete o caça-níquel, e não algo novo, estamos no terreno seguro de um mercado que entrega quase todo ano octogenários para consumo autofágico.

Se não promoverem um espetáculo decadente, Liam e Noel no palco têm tudo para fazer feliz uma legião de celacantos órfãos de uma banda que prometia vida eterna com cigarros e álcool. Com sorte, algum jovem poderá sentir o gostinho. Talvez.

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