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Dilema do Fed se agrava depois de turbulência na Europa e nos emergentes

Banco da Índia pede para Banco Central dos Estados Unidos relaxar planos de ajuste

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Joe Rennison Robin Wigglesworth
Financial Times

O Federal Reserve está acostumado a enfrentar correntezas cruzadas, mas os investidores acautelam que encontrar o equilíbrio entre a força da economia dos Estados Unidos e a crescente turbulência nos mercados emergentes —e agora na Europa— vai exigir um timoneiro especialmente ágil, este ano.

Ainda que a Argentina e a Turquia venham sendo o foco das atenções, por razões idiossincráticas próprias dos dois países, Urjit Patel, o presidente do banco central indiano, argumentou que os mercados emergentes estão sofrendo um "desarranjo" mais amplo causado pelo efeito dos esforços do Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, para reduzir seu balanço combinado à forte captação que o Tesouro americano vem realizando.

"Dada a rápida alta no déficit dos Estados Unidos, o Fed precisará responder desacelerando os planos para reduzir seu balanço", escreveu Patel em artigo publicado segunda-feira (4) pelo Financial Times. "Se não o fizer, os títulos do Tesouro americano absorverão porção tão grande da liquidez em dólar que uma crise nos mercados de títulos denominados em dólar se tornará inevitável".

Jerome Powell, presidente atual do Fed, em foto de março de 2018 - AP

Ao mesmo tempo, a crise política italiana pode ter se atenuado com a formação de um novo governo, mas os partidos opostos à elite, populistas e céticos quanto à União Europeia que agora controlam o país não são nada queridos dos investidores. Preocupações de longo prazo sobre a manutenção da moeda unificada europeia continuam a existir, o que causou forte queda no rendimento dos títulos do Tesouro americano no começo da semana passada.

Por outro lado, analistas apontam que a economia dos Estados Unidos continua a se expandir de modo robusto, como demonstram os números sobre o desemprego e os dados sobre a indústria divulgados na sexta-feira. Essa dose dupla de indicadores fortes levou os operadores a elevar de novo o rendimento dos títulos do Tesouro americano, no final da semana —o que torna mais provável que o Fed mantenha seu percurso de aperto monetário este ano.

"Acho que isso firma a mão do Fed. Creio que teremos três altas nos juros este ano, e a possibilidade de uma quarta voltou a surgir", disse Jim Paulsen, estrategista chefe de investimentos do Leuthold Group. "A mensagem do mercado é que o Fed deve continuar com o aperto. E acho que o Fed vê a mesma mensagem".

O efeito das forças conflitantes é bem ilustrado pelas oscilações no mercado de fundos do Fed. A probabilidade de que aconteçam mais três aumentos nos juros este ano —além do primeiro, anunciado em março— subiu a um pico de 40% em 22 de maio, com base nas cotações de contratos futuros de fundos do Fed; caiu a apenas 13% em 29 de maio; e voltou a subir para 30% na segunda-feira.

A probabilidade implícita de que o Fed só aumente os juros mais uma vez este ano, depois da alta de março, subiu de 13% em 22 de maio para quase 40% no pico da agitação sobre a Itália, e depois voltou a cair para menos de 20%.

O mercado de títulos do Tesouro americano também está na gangorra, com o rendimento do título de 10 anos subindo de 2,76% em 29 de maio para 2,92% na segunda-feira.

O Fed mesmo indicou que planeja aumentar as taxas de juros mais duas vezes este ano. E muitos investidores e analistas calculam que o banco central americano não será desviado de seu curso pelos problemas na Europa e nos mercados emergentes —algo que Lael Brainard, presidente de uma das unidades regionais do Fed, deu a entender em um discurso na semana passada.

"Um ambiente com o dólar ascendente, alta nos preços da energia e a possibilidade de alta nos juros eleva o risco de reversões de fluxos de capital em alguns mercados emergentes que viram captação elevada no exterior. Ainda que o desgaste tenha ficado restrito a alguns poucos países vulneráveis, até agora, o risco de uma retração mais ampla precisa ser contemplado", ela disse.

No entanto, "altas graduais continuadas" nas taxas de juros continuavam a ser "apropriadas", disse Brainard, dado o estímulo econômico que US$ 1,5 trilhão em cortes de impostos e uma elevação em US$ 300 bilhões dos gastos federais americanos devem gerar.

De fato, diante das perspectivas robustas quanto à economia dos Estados Unidos, alguns analistas acautelam sobre um risco de superaquecimento. A média das expectativas inflacionárias dos investidores para um prazo de 10 anos (conhecida como "breakeven rate") está em 2,07% e continua superior à meta inflacionária de 2% do Fed, a despeito de declínios recentes, e a inflação deve continuar a se acelerar nos próximos três meses.

"O Federal Reserve precisa se concentrar no crescimento estável de sua economia", disse David Kelly, da JPMorgan Asset Management. "Não pode se preocupar demais com o que está acontecendo em outros mercados".

Mesmo investidores que continuam céticos quanto à aceleração da inflação duvidam que as autoridades monetárias americanas mudem de rumo. "O Fed monitora essas situações, mas o histórico de crescimento dos Estados Unidos é muito bom", disse Dan Ivascyn, vice-presidente mundial de investimento da administradora de fundos Pimco.

Mesmo assim, era mais fácil para os mercados ignorar as tensões políticas quanto os bancos centrais tinham posturas acomodatícias, e problemas podem surgir ou se agravar à medida que o Fed reduz suas medidas de estímulo monetário, de acordo com Aaron Kohli, estrategista do grupo de investimento BMO Capital Markets. "O Fed está gerando pressão —não só nos Estados Unidos mas em todo o mundo— ao realizar seu aperto", ele disse.

É isso que preocupa Patel, do banco central indiano. Ele argumentou que o ritmo atual de redução do balanço do Fed deveria ser reduzido para evitar que as consequências "inevitáveis" se reflitam na economia americana.

"Agir assim ajudaria a amortecer o impacto sobre os mercados emergentes e limitaria os efeitos sobre o crescimento mundial, transmitidos por meio de cadeias de suprimento que abarcam tanto países desenvolvidos quanto economias emergentes. De outra forma, aumentará a possibilidade de uma 'parada súbita' na recuperação econômica mundial", ele escreveu.

"E isso poderia prejudicar também a economia dos Estados Unidos. As circunstâncias mudaram. A política do Fed também deveria mudar", escreveu Patel.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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