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Descrição de chapéu Startups & Fintechs

Desaceleradoras de startups oferecem detox em ilhas paradisíacas

Empresas defendem que empreendedores diminuam ritmo para reencontrar propósito

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São Paulo

Westfjords é o destino dos turistas que querem explorar uma Islândia remota. Para chegar à região de paisagens cinzas e horizonte recortado por montanhas, é preciso sair da capital Reykjavik e dirigir por pelo menos seis horas. Em certos períodos do ano, a viagem de carro, mais popular do que a de avião, pode ficar complicada por causa da neve.

"O caminho em si é uma jornada", diz a empreendedora Birta Bjargardóttir. "Mas você dirige por uma paisagem absolutamente deslumbrante. As cachoeiras, o mar e os rios, muitos pássaros", deleita-se. Desde 2017, empreendedores do mundo inteiro fazem o percurso para chegar à região, onde participam de um programa de desaceleração de startups oferecido anualmente pelo centro de inovação Blue Bank, localizado na cidade de Thingeyri, a quase 400 km da capital.

Em um cenário tão competitivo para startups, a velocidade importa: treinam-se pitches, "discursos de elevador" de 3 a 5 minutos que devem encantar o investidor. É preciso ter a ideia disruptiva, querer virar de cabeça para baixo o setor em que atua. Na contramão, nascem no mundo organizações que oferecem desaceleração aos empreendedores.

Programa de desaceleração de startups da companhia islandesa Blue Bank, em Westfjords - Divulgação

O programa da organização sem fins lucrativos Blue Bank quase foi uma aceleradora. "Este é um lugar tão lindo, tranquilo —muito tranquilo", diz entre risos Bjargardóttir, gerente da organização, "que resolvemos fazer algo um pouco diferente."

As semelhanças com uma aceleradora são muitas. Na semana em que estão na Islândia, os participantes selecionados —foram 10 em 2021— conhecem outros empreendedores, recebem mentorias e acessam redes de contatos. A ideia não é desacelerar o negócio, que pode continuar crescendo no mesmo ritmo, mas os fundadores das empresas.

"Ao final de uma aceleração, você terá o seu plano de negócios, o seu site lançado ou o que for. Em uma desaceleradora, tudo isso pode acontecer, mas é mais sobre se dar espaço físico, mental e intelectual. Apenas permitir que as coisas aconteçam, sem pressão", afirma Bjargardóttir. No pacote, mentoria e acomodação são gratuitas.

Outra ilha, a de Menorca, também é cenário de desaceleração de empreendedores de todo o mundo. Cercado de águas cristalinas do Mar Mediterrâneo, o território espanhol é a casa de Marcos Martin Larrañaga, fundador e presidente-executivo da Decelera.

"Acreditamos que somente ir rápido sempre, como um frango sem cabeça, aumenta muito a probabilidade de a companhia morrer", diz Larrañaga. "Desacelerar não é retroceder. É preciso seguir crescendo como negócio, mas crescer também no nível humano."

Programa de desaceleração de 2021 da empresa espanhola Decelera, na Ilha de Menorca - Divulgação

O empreendedor, que já tocou empresas ligadas a sustentabilidade e energia renovável, foi viver na ilha para construir a sua família e percebeu como a sua cabeça se aquietava ao chegar ali. "Minha mente fica mais clara, estratégica e criativa. E isso é uma parte muito importante do negócio", afirma.

Ali, as 20 equipes selecionadas das centenas que se inscrevem passam por três fases em dez dias: breath, focus e growth (respiração, foco e crescimento). "Todos vêm com muitas ideias, muito rápidos, acelerados, e, então, dizemos a eles: 'primeiro é preciso frear'", diz Larrañaga. A paisagem ajuda. "Quando chegam a Menorca, metade do trabalho está feito", afirma.

Na etapa de foco, é preciso tentar resolver os grandes problemas de suas empresas por meio de aulas e conversas com empreendedores mais experientes. E para crescer, na última fase, os participantes têm contato com investidores.

Ao longo do processo, o programa tem atividades lúdicas: os empreendedores saem para caminhadas, recolhem plástico nas praias e fazem competição de paellas, típico prato espanhol.

Assim como no programa da Blue Bank, muitas startups saem dali com outros propósitos e transformam completamente a plataforma ou o modelo de negócio, segundo Larrañaga.

Ambos os programas entendem que a iniciativa é importante para tentar preservar a saúde mental dos fundadores. "O ecossistema de startups não é tóxico, mas crescer por crescer é", diz Larrañaga.

Desde 2019 o Brasil também tem uma desaceleradora: a OBoard, do empreendedor Ricardo Voltan. Ele não considera os modelos de curta duração desacelerações. "Uma coisa é te dar imersão em uma ilha e te soltar no mercado. Outra é te acompanhar por um período mais longo", diz ele.

Sem lançar mão de ilhas paradisíacas, a empresa de Voltan oferece um acompanhamento do cliente por um ano. A ideia é que os empreendedores saiam mais preparados para falar com investidores, contratar e tomar decisões —inclusive a de recusar investimentos para os quais não estão preparados.

"A aceleradora corta o cabo de freio e desce a ladeira. A gente mostra o freio, diz que às vezes vai precisar colocar o pé", define ele. Isso não faz a curva de crescimento da empresa reduzir. "Eu falo que a gente troca o pneu do carro em uma velocidade segura."

Sinais de que a aceleração está muito rápida

  1. Aumento de colaboradores sem aumento de faturamento

  2. Captação incompatível com o momento do negócio

  3. Precificação sem critérios objetivos

A primeira fase do acompanhamento é chamado por ele de "teste de sanidade", com um pitch diferente, de 60 minutos, e uma análise da empresa por 40 horas. Daí sai um relatório da startup e do gestor.

O que pouco muda em relação às desaceleradoras europeias é o foco no empreendedor. "Quem investe em startup investe no empreendedor, e não no negócio. O negócio é consequência. Até que ela se transforme em um Nubank, uma grande operação, você está investindo em ser humano."

Para Voltan, o serviço é especialmente importante hoje, momento em que o Brasil vê investimentos em inovação sem precedentes. "O mercado está em uma liquidez desproporcional. Temos muito dinheiro internacional e startups pouco preparadas para esses aportes de capital. Do jeito que vem, esse dinheiro vai embora em um instante", afirma.

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