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Deputados da Argentina aprovam Lei Ônibus, em vitória para Javier Milei

Embora desidratado, pacote de reformas abre caminho para privatizações e aumenta poderes do ultraliberal; texto ainda deve passar pelo Senado, onde margem do governo é reduzida

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Buenos Aires

Após mais de 20 horas consecutivas de discursos na Câmara dos Deputados da Argentina, o presidente Javier Milei conseguiu uma importante vitória ao ver aprovada nesta terça-feira (30) a sua Lei Ônibus, o pacote liberal que se tornou uma de suas prioridades.

Em meio a mais de uma centena de extenuantes discursos, foram 142 os legisladores que aprovaram as linhas gerais do projeto de lei de mais de 230 artigos. Outros 106 votaram contra, e oito se abstiveram ou se ausentaram do plenário de discussão em Buenos Aires.

Policiais nos arredores do Congresso da Argentina, em Buenos Aires, enquanto deputados debatiam Lei Ônibus - 29.abr.24
Policiais nos arredores do Congresso da Argentina, em Buenos Aires, enquanto deputados debatiam Lei Ônibus - 29.abr.24 - Agustin Marcarian - 29.abr.24/Reuters

Após o triunfo do conteúdo, foi a vez de votar cada capítulo da lei que recebe seu nome em referência ao termo "ómnibus", em latim, devido à amplitude de temas. Estão neste escopo uma lista de privatizações, a concentração de alguns poderes nas mãos de Milei e uma pequena e polêmica reforma trabalhista. O governo ganhou esses debates.

O projeto, a menina dos olhos da Casa Rosada, já havia sido colocado para votação em fevereiro, quando também foi chancelado por uma maioria de deputados. Porém, logo na sequência, fracassou ao ter seus artigos desidratados pelos legisladores, e o governo o tirou de discussão para evitar que todas as suas prioridades naufragassem.

Na mesma sessão, os deputados também aprovaram (desta vez com uma margem reduzida, de 132 votos a favor) um pacote fiscal que era debatido concomitantemente com a Lei Ônibus e que, na prática, reduz a isenção do imposto de renda no país.

Em comunicado, Milei celebrou a vitória e voltou a dizer que a medida faz o país avançar contra a "casta política", termo que invariavelmente repete. "A predominância dos que protegem o status quo acabou em 10 de dezembro [data de sua posse]."

O projeto debatido nesta última semana de abril é uma versão enxuta, mas que ainda mantém os pilares do que defende este governo. Nove empresas, por exemplo, agora estão na fila da privatização. Entre elas, a Aerolíneas Argentinas e a Enarsa (companhia petrolífera).

Na proposta repaginada e apresentada pelo governo há poucas semanas também estava previsto na lista de privatizáveis o Banco da Nação, retirado do projeto nos últimos dias de negociação.

A Lei Ônibus também concede ao Executivo a capacidade de governar sem o Congresso em quatro áreas por um ano. A saber: administrativa, econômica, financeira e energética. Anteriormente eram 11 os setores que estariam concentrados nas mãos de Milei.

O mecanismo não é incomum, está previsto na Constituição e já foi usado mesmo por opositores e antecessores do atual governo, como pelo ex-presidente peronista Alberto Fernández. Ainda assim, a oposição no Congresso alegou durante toda esta segunda que se tratava de uma "abusiva delegação de tarefas" ao presidente.

Outro item validado pelos legisladores foi uma mudança no regime de aposentadorias com a chamada queda da moratória previdenciária, que permitia que um grupo de trabalhadores composto especialmente por mulheres e informais e que não tivesse completado os 30 anos de contribuição necessários ainda assim pudesse se aposentar.

Também foi incluído um capítulo sobre reforma trabalhista muito mais modesto do que as ambições iniciais do governo nessa área, que foram barradas pela Justiça argentina e eram objeto de protesto sindical.

O trecho prevê ampliação do período de experiência para seis meses, elimina multas por erros em registros trabalhistas e permite a criação de um fundo de demissão trabalhista que substitua indenizações.

O tema promete engrossar os protestos previstos para o feriado desta quarta-feira (1º) no país, quando se celebra o Dia do Trabalho.

Mas a vitória nesta Casa do Congresso precisa ser comemorada com cautela pelo governo, que agora enfrenta seu maior desafio: o Senado. Antes de levar a votação à Câmara, a Casa Rosada já anunciava que tinha os votos suficientes. Entre os senadores argentinos o cenário é bem distinto.

Na Casa de 72 membros o Liberdade Avança, coalizão de Milei, tem sete senadores. Com apoio do Proposta Republicana, do ex-presidente Mauricio Macri, que vota em peso com o governo, chega a 13. E, entre as demais forças da chamada "oposição dialoguista", com quem o governo negocia, projeta-se que haja no mínimo outros 11 votos. Mas são necessários ao menos 37 votos para aprovar o pacotão.

Os governistas querem que o Senado comece a debater o texto na próxima segunda-feira (6). Para este mesmo dia, a Confederação de Trabalhadores de Transporte argentina anunciou uma paralisação no transporte aéreo, terrestre e marítimo como resposta à aprovação do pacote fiscal, que com a redução do IR deve abarcar trabalhadores do setor.

Figura central nessa nova maratona de negociações deve ser a vice-presidente Victoria Villarruel, que devido ao cargo também preside o Senado. Ela é uma das figuras mais radicais dessa gestão.

O passado recente não joga a favor do governo no Senado. Foi essa Casa que, em março, rechaçou o megadecreto liberal de Milei, o DNU (Decreto de Necessidade e Urgência), que promove a desregulação da economia argentina. Na ocasião, foram 42 votos contra a medida.

Ainda assim, o decreto se mantém em vigor. Ele só cairia caso também a Câmara de Deputados desse o seu sinal vermelho, e ainda não há previsão de votação pelos deputados, que nesta terça-feira concederam a vitória parcial a Milei com a Lei Ônibus.

O presidente trabalha com um prazo bem específico para ver aprovado de vez seu pacotão legislativo: dia 25 de maio. Ele convocou para essa data o "Pacto de Maio" —um documento de dez prioridades que pretende assinar com os governadores. Outra tarefa, claro, nada fácil, já que enfrenta oposição dos governadores alinhados ao kirchnerismo.


Principais pontos para os quais deputados deram luz verde:

  • Possibilidade de privatização de nove empresas, entre elas a Aerolíneas Argentina;
  • Concentração de decisões sobre áreas administrativa, econômica, financeira e energética nas mãos do Executivo por um ano;
  • Fim da moratória previdenciária que permitia aposentadoria a uma parcela que não havia cumprido 30 anos de contribuições;
  • Reforma trabalhista para aumentar período de experiência para seis meses e para criar um fundo de demissões;
  • Redução da faixa do IR que pode levar cerca de 800 mil argentinos a terem de passar a declarar.

Colaborou Daniela Arcanjo, de São Paulo

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