A crise de uma das maiores stablecoins do planeta se agravou, despertando preocupações das autoridades regulatórias sobre os ativos que lastreiam o mercado mundial de criptomoedas.

A TerraUSD, que busca acompanhar consistentemente o dólar americano a uma cotação de US$ 1, despencou para a marca dos US$ 0,30 nesta quarta-feira (11), em um dos exemplos mais visíveis até agora de uma stablecoin que perde sua âncora. As tentativas de estabilização conduzidas pela Luna Foundation Guard —que exerce papel semelhante ao de um banco central, para a moeda digital— fracassaram.

O valor da TerraUSD também é atrelado a outro token, a criptomoeda Luna, que está em queda. O ativo despencou mais de 94% nesta quarta, atingindo a mínima de US$ 0,85 antes de se recuperar para US$ 1,20.

O episódio alimentou as preocupações das autoridades regulatórias financeiras quanto aos riscos crescentes do setor de "stablecoins", que movimenta US$ 180 bilhões, para os mercados tradicionais, à medida que aumenta a integração entre as criptomoedas e os sistemas convencionais de pagamentos e bancos.

"Uma stablecoin conhecida como TerraUSD passou por uma corrida e sofreu queda de valor", disse a secretária do Tesouro dos Estados Unidos, Janet Yellen, na terça-feira. "Acredito que isso simplesmente ilustre que se trata de um produto de rápido crescimento e que existem riscos que crescem igualmente rápido".

As stablecoins têm por objetivo oferecer um porto seguro aos investidores em criptomoedas, permitindo que eles mantenham reservas de dinheiro digital e se movimentem rapidamente entre as diversas criptomoedas. Em geral, elas afirmam ser lastreadas por uma cesta de ativos denominados em dólares.

A TerraUSD, que no começo da semana estava entre as cinco "stablecoins" mais negociadas do mercado, é diferente. Ela é uma stablecoin dita algorítmica, que busca acompanhar o dólar americano ao elevar ou reduzir a quantidade da moeda em circulação quando seu valor e o do dólar divergem, em parte por meio de seu elo com a Luna.

Qualquer que seja a estrutura que exista por trás das stablecoins, as autoridades regulatórias estão preocupadas com o papel delas já há algum tempo. O Fed (Federal Reserve), banco central dos Estados Unidos, o BCE (Banco Central Europeu) e o Banco da Inglaterra divulgaram alertas sobre os ricos das stablecoins, e particularmente sobre seus vínculos com o sistema financeiro tradicional.

Em seu relatório regular sobre estabilidade financeira, divulgado esta semana, o Fed apontou que apenas três delas –Tether, USD Coin e Binance USD– respondem por cerca de 80% do mercado total. O banco central alertou que até mesmo "stablecoins" lastreadas por reservas "podem perder valor ou se tornar ilíquidas durante momentos de desgaste", acrescentando que "essas vulnerabilidades podem ser exacerbadas por uma falta de transparência com relação ao grau de risco e à liquidez dos ativos que lastreiam as stablecoins".

Ilan Solot, sócio do grupo de criptomoedas Tagus Capital, disse que "a reação instintiva é retratar o fiasco [da TerraUSD] como má notícia, do ponto de vista regulatório –e pode bem ser que isso seja verdade". No entanto, ele disse que pode ser que a situação sirva para iluminar as diferenças entre as "stablecoins" logarítmicas e as que são lastreadas por uma cesta de divisas.

A situação da TerraUSD, que surgiu durante uma semana de intensa volatilidade nos mercados de criptomoedas, agrava as preocupações mais amplas sobre o setor de stablecoins, que em geral não é regulamentado. A Tether, a moeda líder do mercado, oferece detalhes limitados de suas posições específicas em ativos financeiros tradicionais, que lastreiam sua paridade com o dólar. Em outubro de 2021, a Commodity Futures Trading Commission, que fiscaliza os mercados financeiros futuros dos Estados Unidos, multou a Tether em US$ 41 milhões depois que a empresa supostamente fez "declarações falsas ou enganosas e omitiu fatos relevantes" sobre suas reservas.

Em uma nota de pesquisa divulgada na quarta-feira, o banco UBS afirmou que o episódio da TerraUSD "também deve intensificar a atenção das autoridades regulatórias quanto à USDC e Tether, que, embora ainda não sejam sistemicamente importantes para o sistema de pagamento e compensação mais amplo, funcionam como peças centrais do setor de transações com criptomoedas".

Em uma série de mensagens no Twitter quarta-feira, Do Kwon, fundador e presidente-executivo da TerrraUSD, disse aos membros da "comunidade Terra" que "compreendo que as últimas 72 horas foram extremamente difíceis para todos vocês –saibam que estou determinado a trabalhar com cada um de vocês para resolver essa crise, e para construirmos nosso caminho para fora dela. Juntos".

Financial Times, tradução de Paulo Migliacci