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Metalúrgicos aprovam paralisação na Mercedes após anúncio de 3.600 demissões no ABC

Empresa vai reestruturar fábrica em São Bernardo do Campo e deve terceirizar diversos setores

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São Bernardo do Campo (SP)

Os metalúrgicos da Mercedes-Benz aprovaram, nesta quinta-feira (8), paralisação na fábrica de São Bernardo do Campo (ABC) após anúncio de demissão de 3.600 funcionários.

O trabalho será retomado apenas na segunda-feira (12). A decisão de parar as atividades por três dias foi aprovada por unanimidade em assembleia que reuniu 6.000 trabalhadores na porta da fábrica, realizada pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC.

A montadora anunciou os cortes na terça (6), o que pegou os trabalhadores de surpresa. Serão desligados 2.200 funcionários diretos e 1.400 terceirizados para reestruturação da unidade. Diversos setores serão terceirizados. Contratos temporários que vencerão em dezembro não serão mais renovados.

A Mercedes-Benz fará demissão em massa de 3.600 funcionários em São Bernardo do Campo - Rubens Cavallari/Folhapress

Inaugurada em 1956, a unidade tem hoje 10,4 mil funcionários e é a maior planta da empresa fora da Alemanha. Segundo a montadora, as demissões fazem parte de um processo de reestruturação para concentrar esforços no que é demandado pelo mercado atualmente.

Em nota, a Mercedes-Benz informa que iniciou as negociações com o sindicato nesta quinta para "discutir as medidas do seu plano de transformação das operações de Caminhões e Ônibus no Brasil".

A montadora reafirmou que pretende buscar empresas fornecedoras na região, que poderão absorver a mão de obra.

Na porta da fábrica, pouco antes da assembleia, o clima era de apreensão e medo. Thiago Pereira, 37 anos, funcionário da Mercedes há 15 anos, diz que a fábrica parece um "velório" desde o anúncio dos cortes. "Estamos todos pensando que seremos demitidos", diz ele, que trabalha na área de eixo.

Renato Gaban da Silva, 42, do mesmo setor, está há 27 anos na montadora e diz temer pela perda não só da renda, mas dos benefícios. "Se eu for mandado embora, não sei o que fazer, tenho um filho autista."

Taís Barbosa Batista, 37, é uma das temporárias cujo contrato vai até dezembro. Há três meses na empresa, a notícia de demissão deixou-a abalada. "Consegui realizar o sonho de trabalhar aqui e, com o salário que ganho, iria realizar os sonhos dos meus filhos, diz ela, que é mãe de três jovens de 12, 16 e 18 anos.

Marizete de Souza, 45, que também é temporária, teme não conseguir emprego por causa de sua idade. "Eu tenho experiência. A maioria do meu tempo de trabalho é em metalúrgica. Mas parece que a experiência não conta, o que conta é a idade", afirma.

Evandro Portela, 38, terceirizado de empresa que fornece alimentos para o restaurante da unidade lamenta. "Não serei afetado diretamente, mas a gente fica muito chateado pelos companheiros", diz.

José Pedro de Melo, 60, proprietário de uma banca em frente à fábrica há 28 anos, diz que já viu muitos cortes na região. "Eu comecei aqui quando a empresa tinha 25 mil funcionários. Hoje, não tem nem metade. Não perco muito, porque sempre tem movimento, mas o bairro está acabando", afirma.

José Pedro de Melo é tem uma banca em frente à fábrica há 28 anos e já viu muitas demissões - Rubens Cavallari/Folhapress

O bairro é Pauliceia, cortado pela rodovia Anchieta, polo onde está a Mercedes e que abrigou a antiga fábrica da Ford, fechada em 2019.

Basta atravessar a passarela para ver os resultados da crise persistente que acabou com a vocação automotiva da região.

A rua Pacaembu, famosa por suas banquinhas de camelôs, é um exemplo. "Chegamos a ter mais de 20 bancas aqui, agora não são nem cinco", diz Sandro Ferreira, comerciante de 49 anos, há 28 anos no local.

Alex Jerônimo dos Santos, 44, vende itens no local há 29 anos e vê como mais uma crise com a qual terá de lidar. "Vou cortar gasto para poder sobreviver. Cortar tudo: luz, internet."

Estudo feito pelo Dieese em 2019 aponta que, a cada demissão no ABC, cinco trabalhadores são impactados dentro da cadeia automotiva, com cortes em diversas prestadoras de serviços. Com isso, o efeito dos desligamentos na Mercedes atingiriam 18 mil profissionais.

A ideia da montadora é direcionar as atividades na fabricação de caminhões e chassis de ônibus e investir no desenvolvimento de novas tecnologias.

A empresa deixará de produzir alguns componentes e vai terceirizar áreas como logística, manutenção, fabricação e montagem de eixos dianteiro e transmissão média, ferramentaria e laboratórios.

Em nota, a montadora afirma que todas as discussões que impactam os funcionários serão debatidas com o sindicato nas negociações. "Mantendo o nosso comportamento histórico, a Mercedes-Benz fará todos os esforços possíveis para que se atinja uma solução negociada", diz o texto.

Cortes pegaram sindicato de surpresa

O anúncio de demissão em massa na fábrica de São Bernardo pegou o sindicato dos metalúrgicos de surpresa na tarde de terça. Em comunicado nas redes sociais, o atual presidente da entidade, Moisés Selerges, disse que três representantes da montadora chegaram na sede à tarde para informar das mudanças.

À Folha, Selerges afirmou que o processo de negociação com a empresa envolverá também um debate com os trabalhadores. Segundo ele, a paralisação foi proposta porque não havia condições de os funcionários trabalharem em meio a incertezas.

"Não tem clima para trabalhar, o que pode ocasionar um acidente", disse.

FECHAMENTO DE MONTADORAS

Nos últimos anos, com a crise econômica, fechamentos de montadoras têm atingido o Brasil. O ABC deixou de ser polo de empresas produtoras de veículos, e o número de metalúrgicos caiu drasticamente.

Em 2019, a Ford anunciou o encerramento de suas atividades na unidade de São Bernardo do Campo. Um ano depois, foi a vez dos funcionários de Taubaté (140 km de SP) receberem a notícia do fim das atividades e, em 2021, a montadora anunciou o encerramento de sua produção no Brasil.

Neste ano, em maio, a Caoa Chery decidiu limitar suas atividades em Jacareí (80 km de SP) e fechar a fábrica de forma temporária para fazer alterações. Cerca de 600 funcionários forma demitidos. A unidade será remodelada.

Mercedes do ABC foi inaugurada há 65 anos

A unidade da Mercedes em São Bernardo foi inaugurada em 28 de setembro de 1956 como ponto de partida da atuação da empresa no Brasil. No local, são fabricados os caminhões das famílias Accelo, Atego, Axor, o Novo Actros e o mais novo lançamento, o Arocs.

Em março de 2018, a unidade ganhou uma nova linha de montagem final de caminhões com conceitos da Indústria 4.0, que reúne as tecnologias mais avançadas de conectividade, internet das coisas, armazenamento na nuvem, Big Data & Analytics para a produção desde leves a modelos pesados de caminhões.

Na planta do ABC paulista, a Mercedes tem também um centro de desenvolvimento tecnológico. Com 30 anos de atividades, é o maior do Brasil e o maior da Daimler fora da Alemanha para veículos comerciais.

A montadora tem ainda unidades em Campinas (93 km de SP), Juiz de Fora (MG) e Iracemápolis (167 km de SP), onde mantém um campo de provas e um centro de testes.

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