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Erros de estratégia levaram Mercedes a acumular prejuízos no Brasil

Os problemas, que também afetaram a Argentina, ficaram evidentes com reestruturação global

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Eduardo Sodré

Jornalista especializado no setor automotivo

A crise interna que fez a Mercedes-Benz anunciar a demissão de 3.600 funcionários em São Bernardo do Campo (Grande São Paulo) não vem de agora. A montadora acumula prejuízos há pelo menos 20 anos, resultantes de estratégias que não deram certo no Brasil.

Os seguidos erros não foram tolerados pela gestão atual da montadora na Alemanha, que promove uma reestruturação global.

O problema que hoje atinge a divisão de veículos pesados –que é um dos segmentos mais promissores do país– se agigantou quando a marca resolveu produzir automóveis de passeio no mercado nacional.

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Funcionários trabalham em montagem de motor na linha de produção de caminhões 4.0 na fábrica da Mercedes, em São Bernardo do Campo (ABC paulista) - Eduardo Kanpp-08.jan.21/Folhapress

A primeira tentativa teve início em abril de 1999, mês de inauguração da fábrica de Juiz de Fora (MG). Havia capacidade para montar 70 mil unidades do compacto Classe A por ano, mas as vendas não decolaram. A linha de montagem foi paralisada em 2005, com a produção de somente 63 mil carros ao longo de seis anos.

O investimento –estimado à época em US$ 820 milhões (R$ 4,28 bilhões)– jamais foi recuperado. O "Mercedinho" foi lançado em meio à crise cambial.

Além da retração na economia, o carro não foi bem aceito pelo público. Era diminuto e, em janeiro de 2001, custava a partir de R$ 33,5 mil. Na mesma época, o sedã médio Honda Civic era vendido por R$ 30,2 mil em sua versão mais simples. Os valores se baseiam na tabela Fipe.

A unidade mineira também teve a montagem do sedã Classe C, mas esses veículos foram feitos exclusivamente para o mercado norte-americano. Houve também o cupê CLC, produzido para o Brasil por um curto espaço de tempo.

Após essas soluções temporárias, a planta de Juiz de Fora passou a montar caminhões. Hoje, contudo, apenas cabines semiprontas saem de lá.

A experiência negativa do passado não foi suficiente para fazer a marca desistir dos carros de passeio nacionais. Com o programa Inovar-Auto (2012-2017), que concedia incentivos fiscais a empresas que investissem no avanço tecnológico e na produção local de veículos, os alemães iniciaram uma nova empreitada.

Em fevereiro de 2015, a montadora iniciou a construção de uma fábrica na cidade de Iracemápolis (interior de São Paulo). A macrorregião, que também abriga plantas da Toyota e da Honda, assumiu o protagonismo que já foi do ABC.

A produção dos modelos Classe C e GLA teve início em março de 2016, em meio a mais uma crise econômica. Foram investidos R$ 600 milhões.

Quando chegou o momento de decidir sobre a montagem das novas gerações desses automóveis no país, a matriz optou por fechar a fábrica paulista. As últimas unidades foram feitas no fim de 2020. Hoje a unidade pertence à chinesa Great Wall Motors.

Os problemas não se concentraram nas linhas de montagem do Brasil. Em outubro de 2012, a Mercedes anunciou um investimento de US$ 170 milhões (R$ 887,7 milhões) na Argentina. O objetivo era a montagem da van Vito na planta de La Matanza, região metropolitana de Buenos Aires. As primeiras unidades foram produzidas em 2015.

O modelo chegou ao mercado brasileiro, mas a produção foi encerrada em fevereiro de 2019. O valor aplicado não foi recuperado e, mais uma vez, a crise econômica e as vendas baixas foram as razões divulgadas pela marca para justificar a paralisação.

Houve um outro prejuízo recente, esse de nível global: a Mercedes desistiu de produzir a picape média Classe X na Argentina após o modelo se mostrar deficitário em mercados europeus.

O utilitário dividia a linha de montagem espanhola com a Nissan Frontier, que segue como um dos veículos mais vendidos da categoria mundo afora.

A fabricação europeia da picape Mercedes teve início em junho de 2017, mas a interrupção foi anunciada em maio de 2020. A marca investiu na modernização da fábrica argentina da Nissan, mas nenhuma Classe X saiu de lá.

São esses problemas que levaram a montadora alemã a operar no vermelho no Brasil, com situação aparentemente mais difícil do que a de concorrentes que também produzem localmente. Há rivais tanto no segmento de veículos pesados, como Scania e Volkswagen Caminhões e Ônibus, como entre as marcas de carros de luxo, a exemplo de Audi e BMW.

Mas enquanto vai mal no país, o grupo registra crescimento global. No último trimestre de 2021, o lucro divulgado foi de 12,7 bilhões de euros (R$ 65,73 bilhões). A rentabilidade é o lado positivo do processo de reestruturação.

Desde fevereiro deste ano, a empresa passou a se chamar Mercedes-Benz Group AG (antes era Daimler Group AG). A unidade de caminhões foi rebatizada como Daimler Truck –uma empresa independente, com ações na bolsa de Frankfurt.

Ou seja, os prejuízos gerados pelo setor de carros de passeio não serão mais compartilhados com o segmento de veículos pesados. Esse movimento ajuda a entender o que ocorre agora.

As demissões em São Bernardo do Campo fazem parte desse processo de reestruturação, que deve resultar ainda na produção de veículos eletrificados. Parte dos componentes virá de fornecedores terceirizados.

Já a retomada da produção nacional de carros de passeio tornou-se inviável. Houve reposicionamento dos produtos, que estão mais caros e equipados. Hoje o Brasil recebe automóveis Mercedes importados da Alemanha, do México e da África do Sul.

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