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Arcabouço fiscal parece pouco factível, avaliam economistas

Apesar de serem um avanço em relação ao teto de gastos, metas são consideradas difíceis de cumprir

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São Paulo

O novo arcabouço fiscal apresentado pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está longe de ser uma unanimidade entre economistas.

Um ponto, no entanto, aproxima os especialistas: a avaliação de que o governo conta com um aumento de arrecadação expressivo para equilibrar as contas no prazo almejado.

Os detalhes sobre a nova regra fiscal —amplamente aguardados por economistas e pelo mercado financeiro— foram anunciados pelos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) nesta quinta-feira (30).

Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante coletiva de imprensa na sede da pasta para anunciar a reoneração dos combustíveis. - 28.fev.2023-Pedro Ladeira/Folhapress

A proposta principal pressupõe um crescimento das despesas federais limitado a 70% do avanço das receitas primárias líquidas observadas nos 12 meses até junho do ano anterior. Ou seja, se a arrecadação subir 2%, o governo poderá aumentar seus gastos em até 1,4%.

Nelson Marconi, professor da FGV-Eaesp e coordenador do Centro de Estudos do Novo Desenvolvimentismo na Fundação Getúlio Vargas, diz que a proposta dá uma sinalização importante para o mercado.

"Agora, se ela é crível e se realmente vai ser apoiada pela sociedade vai depender muito das outras medidas que o governo anunciar", afirma.

Em texto publicado na Folha em dezembro de 2022, Marconi e outros especialistas defenderam um novo regime fiscal no Brasil, dizendo que o teto de gastos em vigor era uma obra de ficção.

Segundo o economista, o desenho proposto pelo governo é melhor e mais flexível, mas alguns pontos ainda precisam ser esclarecidos. O principal é como aumentar a arrecadação.

"Se pensarmos num cenário de inflação a 4%, para que a despesa cresça na mesma magnitude, a receita precisaria subir 5,7% acima da inflação. Então o que o governo está apostando no fundo é que vai [conseguir] aumentar a receita", diz.

Ele lembra que Lula e seus ministros têm prometido uma atenção maior em questões sociais. Por isso, embora as despesas com saúde e educação estejam fora do limite de gastos, há maior expectativa de desembolso para políticas públicas.

O problema, ele diz, é que a única forma de entregar as promessas, considerando o modelo apresentado, é cortando investimentos ou aumentando o caixa. Como é improvável que o governo adote o primeiro caminho, resta saber qual estratégia será usada para captar mais recursos.

Nesta quinta, Haddad disse que vai apresentar um pacote de medidas para elevar a arrecadação federal entre R$ 100 bilhões e R$ 150 bilhões por ano. A ideia é rever benefícios tributários e passar a cobrar impostos de setores que hoje não pagam, como o de apostas eletrônicas.

A regra fiscal foi pensada para que as despesas tenham um aumento real (acima da inflação), mas em ritmo mais moderado do que o avanço das receitas —combinação considerada crucial para obter uma redução gradual do déficit e estabilizar a dívida pública.

A previsão do governo é que o déficit, projetado em 1% do PIB (Produto Interno Bruto) neste ano, seja zerado já em 2024, conforme mostrou a Folha. Em 2025, a estimativa indica superávit (arrecadação maior do que gastos) equivalente a 0,5% do PIB. No ano seguinte, 2026, o saldo positivo seria de 1% do PIB.

Segundo Marconi, essas metas também só são factíveis se a arrecadação for consideravelmente crescente.

"Combinando o que o governo pretende fazer com o objetivo de superávit, a única forma de alcançar isso é através de crescimento de receita. A não ser que vá cortar recursos para saúde, educação, segurança e fiscalização. Aí chega no superávit", diz.

Na avaliação de Felipe Salto, economista-chefe da corretora Warren Renascença e ex-secretário da Fazenda do Estado de São Paulo, a trajetória para redução do déficit apresentada é muito ambiciosa. "Isso dependeria de um volume de receita que hoje não existe", afirma.

O cenário que ele simula não bate com as projeções do governo. Com o controle de gastos proposto, a expectativa é chegar a um déficit menor do que está sendo projetado atualmente.

Nesse sentido, Salto diz que a regra é positiva, pois ainda que não seja suficiente para atingir as metas, ela produzirá resultados melhores, o que ajuda a estabilizar a dívida antes do previsto.

Segundo ele, o novo marco fiscal traz ganhos em relação às regras que o Brasil teve anteriormente.

O economista elogia, por exemplo, a forma como os gastos serão controlados. De acordo com a proposta, mesmo que haja uma arrecadação extraordinária, as despesas só poderão avançar até um teto de 2,5% ao ano.

"Para mim, já estava claro que o modelo fiscal deste governo seria baseado mais em medidas pelo lado da receita. O lado positivo é que [a regra] não deixa de contemplar a limitação do gasto", afirma.

Outro ponto considerado relevante é a "penalização" caso o governo descumpra a meta de resultado primário. Nesse cenário, a variação do crescimento das despesas cairá de 70% para 50% da alta de receitas no ano seguinte.

A lógica de voltar às metas de primário com vistas a estabilização da dívida é uma lógica que a meu ver faz sentido, mediante esse sistema que nós temos de uma Constituição que não preconiza um Estado pequeno. É um Estado grande, com gastos grandes. Então o peso do lado da receita, necessariamente, tem que ser um pouco maior.

Felipe Salto

economista-chefe da corretora Warren Renascença

Na visão de Salto, os 70% definidos pelo governo estão num patamar bem calibrado.

Já Marconi discorda. Para ele, o limite é bastante restritivo, e deve ser elevado no Congresso para algo em torno de 80% ou 90%.

"Acho que o governo está colocando um percentual para negociação, porque [70%] é baixo, dado o que ele está se propondo a fazer", afirma.

Segundo Marconi, o ideal seria tirar os investimentos da regra. "A política fiscal tem que ser anticíclica. Vincular o crescimento da despesa ao aumento de receita é justamente pró-cíclico", diz. "Tudo bem que há um piso [para investimentos], mas é fraco", acrescenta.

Para o economista Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper e colunista da Folha, a avaliação inicial é de que o marco fiscal não deve conseguir cumprir o que propõe.

"As primeiras simulações indicam que com as regras de correção de despesa propostas não se chega ao superávit primário que o governo sinalizou como desejável, e que já são baixos. Boa parte da apresentação foi para dizer que se os juros baixarem o problema estará resolvido", diz Mendes, que é um dos pais do teto de gastos.

Para o professor da UnB (Universidade de Brasília) José Luis Oreiro, não ficou claro quais são as projeções que o governo está fazendo de crescimento dos gastos previdenciários.

"Como o governo já se comprometeu a dar aumento real do salário mínimo, o crescimento dos gastos previdenciários vai ficar em torno de 3%. Não vejo como o governo vai manter ou recuperar o investimento em infraestrutura e repor as perdas salariais dos servidores. No fim, mantêm-se a lógica do teto de gastos, de esmagar os demais componentes do Orçamento, só que em câmera lenta."

Ele também considera que para as metas de resultado primário serem alcançadas, será preciso de um crescimento da economia de ao menos 2,3% ao ano. "Não é nada muito alto, mas é bem mais que a média de 2017 a 2022."

O consultor econômico Raul Velloso reforça a necessidade de dar atenção aos gastos previdenciários antes de qualquer outra medida do novo arcabouço.

"Não pode ser uma outra regra simples, como era o teto, sem mexer nas entranhas do gasto. A União não fez quase nada com o regime previdenciário de servidores dela, os estados e os municípios vão precisar fazer muita coisa também. Sem zerar o déficit, vai ser uma nova perda de tempo."

Já Flávio Ataliba, pesquisador do FGV Ibre e futuro coordenador do Centro de Estudos para o Desenvolvimento do Nordeste, vê como um avanço a substituição do teto de gastos pelas novas regras propostas pelo governo Lula.

Mas ele também pondera que, embora o presidente Lula acertadamente demonstre preocupação com o lado social, o governo parece ter um excesso de otimismo.

"Como o horizonte é 2024, 25 e 26 a receita do ano anterior estará influenciando o ano seguinte. Então, pode haver um excesso de otimismo nesse processo sem uma fundamentação. Ou então, o governo está contando com receitas extraordinárias."


ENTENDA A MUDANÇA NAS REGRAS FISCAIS

O que é o novo arcabouço fiscal?

É o conjunto de regras de controle para as contas públicas. A proposta do governo busca substituir o atual teto de gastos, criado no governo de Michel Temer (MDB).

Por que o governo está substituindo o teto?

O governo avalia que o teto de gastos limitou a capacidade do Estado de promover políticas públicas. Apesar disso, reconhece que não é possível ficar sem uma regra de controle para as despesas.

O que é necessário para o teto ser substituído?

Uma emenda constitucional promulgada no fim de 2022 estabelece que o governo deve apresentar, até 31 de agosto, uma nova proposta de regra fiscal por meio de um projeto de lei complementar. Uma vez aprovada a proposta pelo Congresso, ela substituirá o teto de gastos –que será automaticamente revogado.

Como é hoje

Teto de gastos: regra inserida na Constituição e que está em vigor desde 2017. Ela impede que as despesas federais cresçam mais do que a inflação na passagem de um ano para o outro.

Meta de resultado primário: prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal, é estipulada em valor numérico a cada ano na Lei de Diretrizes Orçamentárias. O resultado é obtido a partir da diferença entre receitas e despesas no ano. Hoje, é uma meta única e precisa ser cumprida pelo Executivo.

Como é a proposta do governo

Trava para gastos: em vez do teto de gastos, a despesa poderá crescer o equivalente a 70% da alta nas receitas (por exemplo, se a arrecadação subir 2%, a despesa poderá subir até 1,4%). Haverá, porém, limites mínimos e máximos para essa variação nos gastos. O percentual mínimo evita que uma queda brusca ou temporária na arrecadação obrigue o governo a comprimir despesas. Já o limite máximo afasta o risco de o Executivo expandir gastos de forma exagerada quando há um pico nas receitas.

Meta de resultado primário: em vez da meta única de resultado das contas públicas a ser perseguido pelo governo, haverá um intervalo projetado para o exercício e o Executivo precisará encerrar o exercício dentro dessa banda.

Entenda o fiscalês

Confira alguns dos principais termos usados nas discussões sobre contas públicas no Brasil.

ARCABOUÇO OU REGIME FISCAL

Nome dado ao conjunto de princípios e regras formais que buscam a estabilidade das contas públicas. O teto de gastos é um exemplo de arcabouço fiscal, que buscou limitar as despesas primárias ao mesmo valor do ano anterior corrigido pela inflação.

BANCO CENTRAL

Instituição financeira governamental responsável por garantir a estabilidade da moeda do país e regular o sistema financeiro. Entre suas atribuições está emitir papel moeda, colocar em prática a política monetária —através do controle das taxas de juros— e fiscalizar instituições financeiras.

COPOM

O Copom (Comitê de Política Monetária) é um órgão do Banco Central que se reúne periodicamente para definir diretrizes da política monetária e a taxa Selic (juro básico da economia).

DÉFICIT

Em contabilidade, é quando as despesas superam as receitas, o oposto de saldo. No caso do déficit público, quando os gastos de um governo são maiores que a arrecadação.

DÉFICIT NOMINAL

Inclui os gastos com juros e a correção monetária (adequação do valor perante a inflação).

DÍVIDA PÚBLICA

Dívida contraída sempre que o governo gasta mais do que arrecada, ou seja, quando os impostos e demais receitas não conseguem cobrir os gastos. Com o objetivo de atender às necessidades dos serviços públicos, o governo recorre a financiadores, como pessoas físicas, empresas e bancos.

DÍVIDA BRUTA

Abrange o total dos débitos do governo federal e entes regionais (governos estaduais e municipais) a empresas financeiras e não financeiras, públicas e privadas, incluindo no exterior.

DÍVIDA LÍQUIDA

É a dívida bruta descontados os créditos a receber de todos os entes (governos federal, estaduais, municipais, BC e estatais) e as reservas (espécie de poupança, em dólares) do país.

LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTÁRIAS (LDO)

Lei que define as metas e prioridades da administração pública federal para o ano seguinte. Com duração de um ano, a LDO fixa limites para os orçamentos dos Poderes e orienta a elaboração da LOA (Lei Orçamentária Anual).

LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL (LOA)

É a lei orçamentária propriamente dita, com estimativa de receita e fixação da despesa pública. Na prática, aponta como o governo vai arrecadar e como vai gastar os recursos públicos. Tem duração de um ano.

META DE INFLAÇÃO

É valor mínimo ou máximo que a inflação pode chegar num determinado período. No sistema adotado no Brasil, é fixada uma meta de inflação para o ano, com uma banda de tolerância que prevê um valor superior (teto) e um inferior (piso) em relação ao valor fixado (centro da meta).

META FISCAL

Define o resultado que o governo deve alcançar no ano considerando receitas menos despesas.

ORÇAMENTO PÚBLICO

Instrumento de iniciativa do Poder Executivo para estimar receitas e fixar despesas. Compreende três leis: o plano plurianual (PPA), as diretrizes orçamentárias (LDO) e o orçamento anual (LOA). É elaborado em um exercício, aprovado pelo Legislativo, e vigora no exercício seguinte.

PIB

O Produto Interno Bruto é a soma do valor de todos os bens e serviços produzidos em um país ou uma região, durante um determinado período.

PLANO PLURIANUAL (PPA)

Lei que estabelece diretrizes, objetivos e metas para as despesas da administração pública para os quatro anos seguintes. Desempenha papel central de organização da ação do Estado.

REGRA DE OURO

Prevista na Constituição, exige que o endividamento não supere o montante das despesas com investimentos. O objetivo é evitar contração de dívida pública para pagar gastos correntes, como salários de servidores e aposentadorias.

RESULTADO PRIMÁRIO

Indicador de saúde financeira do Estado, consiste na diferença entre receitas com arrecadação de impostos e taxas, por exemplo, e gastos para manter a máquina pública e a prestação de serviços à sociedade, sem incluir despesas financeiras com pagamento de juros da dívida pública. Quando a receita supera a despesa, o resultado é chamado de superávit primário, quando a despesa é maior que a receita, ocorre déficit primário.

SELIC

A Selic (Sistema Especial de Liquidação e Custódia) é o sistema do Banco Central que registra negócios com títulos públicos federais e de depósitos interfinanceiros. A taxa de juros praticada neste sistema serve como juro básico da economia brasileira.

TETO DE GASTOS

Regime fiscal que fixa limites para as despesas primárias dos órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, do Ministério Público da União, do Conselho Nacional do Ministério Público e da Defensoria Pública da União.

Perguntas e respostas sobre as contas públicas

Por que o superávit é importante?

A diferença positiva entre receita e despesa é considerada um bom indicativo sobre a saúde econômica de um país. Com mais arrecadação que gasto, o governo garante recursos para pagar os juros da dívida pública.

Se o endividamento está em queda, os investidores exigem taxas menores para emprestar dinheiro.

Em cenário de déficit ocorre o oposto. Credores cobram mais caro para financiar a dívida do governo, o que pode gerar um efeito bola de neve do endividamento público.

Por que os investidores se importam tanto com a agenda fiscal?

Se um governo não apresenta um plano fiscal para conter a dívida pública, a tendência é que os credores cobrem mais caro para emprestar dinheiro.

Com juros mais caros, financiamentos ficam menos atrativos, o crédito para o setor privado encarece, o que pode se tornar um empecilho para o crescimento econômico.

Sem perspectiva de crescimento, investidores ficam menos motivados a colocar dinheiro em empresas e projetos no país.

O que a agenda fiscal tem a ver com a perspectiva de um país?

Como dito anteriormente, se um país é visto como irresponsável fiscalmente, os juros tendem a aumentar. A moeda também tende a se desvalorizar, o que aumenta o risco de inflação extra. Este cenário prejudica o crescimento econômico e, consequentemente, a oferta de trabalho.

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