Descrição de chapéu Governo Lula

Brasil 'viveu muito tempo de blefe' e novo arcabouço será cumprido, diz secretário do Tesouro

Rogério Ceron afirma que regra fiscal dá flexibilidade, mas mantém responsabilidade

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Brasília

O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, defendeu o novo arcabouço fiscal proposto pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e disse que o desenho evitará a repetição do processo de desgaste sofrido pelo teto de gastos —que foi mudado diversas vezes pela gestão anterior e pelo Congresso Nacional.

"O país viveu muito tempo de blefe, em que você promete aquilo que não vai ser cumprido e cria regras que parecem que vão resolver alguma coisa de uma forma absurda, [mas é] completamente inexequível. E depois o país não atende, você faz PECs [proposta de emenda à Constituição] em cima de PECs para poder alterar isso", disse Ceron em entrevista nesta quinta-feira (30).

Segundo ele, o novo arcabouço concilia o ideal de responsabilidade fiscal com alguma flexibilidade, para que cada governo possa fazer suas escolhas políticas, como quais despesas serão priorizadas ou reduzidas.

O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, em seu gabinete no Ministério da Fazenda - Gabriela Biló - 04.jan.2023/Folhapress

Isso significa que a nova regra terá um gatilho de ajuste ligado ao cumprimento da meta de resultado primário, como antecipou a Folha, mas não haverá uma lista específica de medidas que o governo de plantão deverá adotar para assegurar a contenção das despesas.

"É melhor fazer um arcabouço que pode lidar com diferentes escolhas", argumentou Ceron, negando que esse desenho torne a regra menos rígida.

Como antecipou a Folha, o governo propõe uma regra fiscal em que o crescimento das despesas federais seja limitado a 70% do avanço da receita primária líquida observado nos últimos 12 meses até o mês de junho —dado disponível no momento da elaboração do Orçamento, apresentado em agosto de cada ano.

Esse limite de gastos será combinado a uma meta de resultado primário com bandas de flutuação, para dar alguma margem de manobra ao governo caso haja frustração ou impulso atípico nas receitas.

Se mesmo com esse intervalo a meta for descumprida, o crescimento da despesa no ano seguinte ficará limitado a 50% da alta da receita. O percentual de 70% só será retomado quando o governo conseguir recolocar as contas do país dentro das metas de primário.

Para Ceron, a queda de 70% para 50% já é suficiente para induzir o governo a efetuar o processo de contenção nas despesas, necessário para manter uma trajetória fiscal saudável.

A indicação de quais medidas seriam adotadas para recuperar receitas ou conter gastos viria depois, eventualmente elencada na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), mas sem um comando no próprio arcabouço para realização de ações específicas.

No teto de gastos, por exemplo, há gatilhos que determinam o congelamento de concursos e aumentos de despesa acima da inflação.

A ausência de uma lista específica de medidas a serem adotadas em caso de descumprimento foi lida por integrantes do mercado ouvidos sob reserva como um sinal de certa frouxidão na regra —interpretação que o governo rejeita.

"É melhor ter flexibilidade para permitir a escolha política de quais despesas ele vai cortar ou não vai crescer tanto do que fazer essa lista", disse Ceron.

"[A regra] Ser mais crível ou não não tem a ver com a lista [de medidas] que você fez, mas sim com o arcabouço que permita fazer o ajuste", afirmou o secretário.

Para ele, estipular medidas a serem adotadas em caso de descumprimento das regras "não significa absolutamente nada em termos de ser mais rígido ou não".

Além disso, o desenho evitaria, na avaliação do governo, que uma futura gestão, insatisfeita com os instrumentos elencados no projeto, tente mudar a lei no Congresso —repetindo a série de dribles ao teto de gastos.

"Ele [o gestor] não poderá fazer escolha política de não ter responsabilidade fiscal", disse Ceron. "Precisamos deixar claro que tem que tomar as medidas, mas a escolha de priorização é política", afirmou.


ENTENDA A MUDANÇA NAS REGRAS FISCAIS

O que é o novo arcabouço fiscal?

É o conjunto de regras de controle para as contas públicas. A proposta do governo busca substituir o atual teto de gastos, criado no governo de Michel Temer (MDB).

Por que o governo está substituindo o teto?

O governo avalia que o teto de gastos limitou a capacidade do Estado de promover políticas públicas. Apesar disso, reconhece que não é possível ficar sem uma regra de controle para as despesas.

O que é necessário para o teto ser substituído?

Uma emenda constitucional promulgada no fim de 2022 estabelece que o governo deve apresentar, até 31 de agosto, uma nova proposta de regra fiscal por meio de um projeto de lei complementar. Uma vez aprovada a proposta pelo Congresso, ela substituirá o teto de gastos –que será automaticamente revogado.

Como é hoje

Teto de gastos: regra inserida na Constituição e que está em vigor desde 2017. Ela impede que as despesas federais cresçam mais do que a inflação na passagem de um ano para o outro.

Meta de resultado primário: prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal, é estipulada em valor numérico a cada ano na Lei de Diretrizes Orçamentárias. O resultado é obtido a partir da diferença entre receitas e despesas no ano. Hoje, é uma meta única e precisa ser cumprida pelo Executivo.

Como é a proposta do governo

Trava para gastos: em vez do teto de gastos, a despesa poderá crescer o equivalente a 70% da alta nas receitas (por exemplo, se a arrecadação subir 2%, a despesa poderá subir até 1,4%). Haverá, porém, limites mínimos e máximos para essa variação nos gastos. O percentual mínimo evita que uma queda brusca ou temporária na arrecadação obrigue o governo a comprimir despesas. Já o limite máximo afasta o risco de o Executivo expandir gastos de forma exagerada quando há um pico nas receitas.

Meta de resultado primário: em vez da meta única de resultado das contas públicas a ser perseguido pelo governo, haverá um intervalo projetado para o exercício e o Executivo precisará encerrar o exercício dentro dessa banda.


Entenda o fiscalês

Confira alguns dos principais termos usados nas discussões sobre contas públicas no Brasil.

ARCABOUÇO OU REGIME FISCAL

Nome dado ao conjunto de princípios e regras formais que buscam a estabilidade das contas públicas. O teto de gastos é um exemplo de arcabouço fiscal, que buscou limitar as despesas primárias ao mesmo valor do ano anterior corrigido pela inflação.

BANCO CENTRAL

Instituição financeira governamental responsável por garantir a estabilidade da moeda do país e regular o sistema financeiro. Entre suas atribuições está emitir papel moeda, colocar em prática a política monetária —através do controle das taxas de juros— e fiscalizar instituições financeiras.

COPOM

O Copom (Comitê de Política Monetária) é um órgão do Banco Central que se reúne periodicamente para definir diretrizes da política monetária e a taxa Selic (juro básico da economia).

DÉFICIT

Em contabilidade, é quando as despesas superam as receitas, o oposto de saldo. No caso do déficit público, quando os gastos de um governo são maiores que a arrecadação.

DÉFICIT NOMINAL

Inclui os gastos com juros e a correção monetária (adequação do valor perante a inflação).

DÍVIDA PÚBLICA

Dívida contraída sempre que o governo gasta mais do que arrecada, ou seja, quando os impostos e demais receitas não conseguem cobrir os gastos. Com o objetivo de atender às necessidades dos serviços públicos, o governo recorre a financiadores, como pessoas físicas, empresas e bancos.

DÍVIDA BRUTA

Abrange o total dos débitos do governo federal e entes regionais (governos estaduais e municipais) a empresas financeiras e não financeiras, públicas e privadas, incluindo no exterior.

DÍVIDA LÍQUIDA

É a dívida bruta descontados os créditos a receber de todos os entes (governos federal, estaduais, municipais, BC e estatais) e as reservas (espécie de poupança, em dólares) do país.

LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTÁRIAS (LDO)

Lei que define as metas e prioridades da administração pública federal para o ano seguinte. Com duração de um ano, a LDO fixa limites para os orçamentos dos Poderes e orienta a elaboração da LOA (Lei Orçamentária Anual).

LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL (LOA)

É a lei orçamentária propriamente dita, com estimativa de receita e fixação da despesa pública. Na prática, aponta como o governo vai arrecadar e como vai gastar os recursos públicos. Tem duração de um ano.

META DE INFLAÇÃO

É valor mínimo ou máximo que a inflação pode chegar num determinado período. No sistema adotado no Brasil, é fixada uma meta de inflação para o ano, com uma banda de tolerância que prevê um valor superior (teto) e um inferior (piso) em relação ao valor fixado (centro da meta).

META FISCAL

Define o resultado que o governo deve alcançar no ano considerando receitas menos despesas.

ORÇAMENTO PÚBLICO

Instrumento de iniciativa do Poder Executivo para estimar receitas e fixar despesas. Compreende três leis: o plano plurianual (PPA), as diretrizes orçamentárias (LDO) e o orçamento anual (LOA). É elaborado em um exercício, aprovado pelo Legislativo, e vigora no exercício seguinte.

PIB

O Produto Interno Bruto é a soma do valor de todos os bens e serviços produzidos em um país ou uma região, durante um determinado período.

PLANO PLURIANUAL (PPA)

Lei que estabelece diretrizes, objetivos e metas para as despesas da administração pública para os quatro anos seguintes. Desempenha papel central de organização da ação do Estado.

REGRA DE OURO

Prevista na Constituição, exige que o endividamento não supere o montante das despesas com investimentos. O objetivo é evitar contração de dívida pública para pagar gastos correntes, como salários de servidores e aposentadorias.

RESULTADO PRIMÁRIO

Indicador de saúde financeira do Estado, consiste na diferença entre receitas com arrecadação de impostos e taxas, por exemplo, e gastos para manter a máquina pública e a prestação de serviços à sociedade, sem incluir despesas financeiras com pagamento de juros da dívida pública. Quando a receita supera a despesa, o resultado é chamado de superávit primário, quando a despesa é maior que a receita, ocorre déficit primário.

SELIC

A Selic (Sistema Especial de Liquidação e Custódia) é o sistema do Banco Central que registra negócios com títulos públicos federais e de depósitos interfinanceiros. A taxa de juros praticada neste sistema serve como juro básico da economia brasileira.

TETO DE GASTOS

Regime fiscal que fixa limites para as despesas primárias dos órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, do Ministério Público da União, do Conselho Nacional do Ministério Público e da Defensoria Pública da União.

Perguntas e respostas sobre as contas públicas

Por que o superávit é importante?

A diferença positiva entre receita e despesa é considerada um bom indicativo sobre a saúde econômica de um país. Com mais arrecadação que gasto, o governo garante recursos para pagar os juros da dívida pública.

Se o endividamento está em queda, os investidores exigem taxas menores para emprestar dinheiro.

Em cenário de déficit ocorre o oposto. Credores cobram mais caro para financiar a dívida do governo, o que pode gerar um efeito bola de neve do endividamento público.

Por que os investidores se importam tanto com a agenda fiscal?

Se um governo não apresenta um plano fiscal para conter a dívida pública, a tendência é que os credores cobrem mais caro para emprestar dinheiro.

Com juros mais caros, financiamentos ficam menos atrativos, o crédito para o setor privado encarece, o que pode se tornar um empecilho para o crescimento econômico.

Sem perspectiva de crescimento, investidores ficam menos motivados a colocar dinheiro em empresas e projetos no país.

O que a agenda fiscal tem a ver com a perspectiva de um país?

Como dito anteriormente, se um país é visto como irresponsável fiscalmente, os juros tendem a aumentar. A moeda também tende a se desvalorizar, o que aumenta o risco de inflação extra. Este cenário prejudica o crescimento econômico e, consequentemente, a oferta de trabalho.

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