Descrição de chapéu Governo Lula

Entenda os principais pontos do arcabouço fiscal proposto pelo governo Lula

Veja também um glossário dos termos usados sobre esse assunto

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São Paulo

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva apresentou nesta quinta (30) sua proposta para equilibrar as contas públicas e evitar que dívida pública cresça de forma prejudicial ao país. Chamada de regra fiscal, ou arcabouço fiscal, a proposta foi detalhada pelos ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) nesta quinta-feira (30).

O desenho também prevê um patamar mínimo para investimentos, para que esses gastos não sejam comprimidos ao longo do tempo. A proposta será agora submetida ao Congresso. Entenda por que esse assunto é tão importante para a economia do país.

Haddad, de terno azul marinho e gravata azul clara, em pé, olha para Lula, de terno azul marinho e gravata vermelha
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o presidente do Brasil, Luiz Inacio Lula da Silva, em evento em Brasília - Adriano Machado - 12.dez.2023

Sem tempo para saber todos os detalhes? Resumimos a proposta em cinco pontos simples neste texto. Mas, se quiser conhecer o arcabouço mais a fundo, explicamos abaixo para você.

O que é o novo arcabouço fiscal?

É o conjunto de regras de controle para as contas públicas. A proposta do governo busca substituir o atual teto de gastos, criado no governo de Michel Temer (MDB).

Por que o governo está substituindo o teto?

O governo avalia que o teto de gastos limitou a capacidade do Estado de promover políticas públicas. Apesar disso, reconhece que não é possível ficar sem uma regra de controle para as despesas.

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O que entra no lugar do teto de gastos?

Hoje, a regra inserida na Constituição e que está em vigor desde 2017 impede que as despesas federais cresçam mais do que a inflação na passagem de um ano para o outro.

Em vez do teto de gastos, a despesa poderá crescer o equivalente a 70% da alta nas receitas (por exemplo, se a arrecadação subir 2%, a despesa poderá subir até 1,4%). Haverá, porém, limites mínimos e máximos para essa variação nos gastos. O percentual mínimo evita que uma queda brusca ou temporária na arrecadação obrigue o governo a comprimir despesas. Já o limite máximo afasta o risco de o Executivo expandir gastos de forma exagerada quando há um pico nas receitas.

Na prática, o governo pretende trabalhar com uma nova trava para as despesas, que teriam crescimento real (acima da inflação), mas em ritmo menor do que a arrecadação. Essa combinação é considerada crucial para melhorar a situação das contas públicas nos próximos anos e estabilizar a trajetória da dívida pública.

O percentual de vinculação entre despesas e receitas será fixo, embora a cada ano sua aplicação sobre as novas estimativas leve a números diferentes de espaço no Orçamento.

No cenário de alta da arrecadação seja 2% em termos reais, por exemplo, a elevação na despesa poderia ser de até 1,4%.

Mas, se o país entrar em crise, a regra não vai impedir medidas para reavivar a economia?

Por isso, o governo incluiu algumas travas para impedir que a despesa acompanhe o ritmo das receitas quando estas tiverem alta expressiva, ou ainda que seja preciso cortar gastos porque a arrecadação caiu de forma significativa.

Isso porque, pela forma como foi desenhada, a proposta tem caráter pró-cíclico, ou seja, permite aumento de gastos quando há ampliação da receita e do crescimento, ao mesmo tempo em que impõe moderação em fases de baixa. Evitar isso era um dos princípios defendidos por economistas do próprio PT.

Na nova regra, o objetivo é que o crescimento da despesa siga a receita, mas até um percentual limite. De forma análoga, se as receitas despencarem, a alta de gastos respeitará um piso a ser indicado na proposta de nova regra fiscal —que também será um número percentual, segundo integrante da equipe econômica.

A nova regra prejudica os gastos com saúde e educação?

O percentual não será aplicado de forma linear a todas as despesas. Com o fim do teto de gastos, serão retomados os mínimos constitucionais de saúde e educação como eram até 2016: 15% da RCL (receita corrente líquida) para a saúde e 18% da receita líquida de impostos no caso da educação.

Na prática, o avanço dessas despesas acompanhará mais de perto a arrecadação, enquanto outros gastos precisarão ter crescimento mais moderado para respeitar o limite como um todo.

O limite será abrangente, mas algumas despesas ficarão de fora, entre elas os repasses do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) e a ajuda financeira para estados e municípios bancarem o piso da enfermagem. São gastos aprovados por emenda constitucional.

Não há risco de reduzir ainda mais os investimentos?

A proposta prevê um piso de investimentos próximo a R$ 75 bilhões, a ser corrigido pela inflação a cada ano. Esses gastos deverão seguir um limite mínimo, obtido a partir do patamar de investimentos programado para 2023 —entre R$ 70 bilhões e R$ 75 bilhões, já considerando o programa habitacional Minha Casa, Minha Vida.

É esse valor que servirá de referência mínima e será corrigido pela inflação anualmente. Na apresentação da nova regra, o governo indicou que os investimentos podem sair de 2,2% do PIB em 2022 para 4,2% do PIB em 2030, graças à regra do piso de gastos para essa área.

É possível aumentar a arrecadação?

Haddad afirmou que vai apresentar um pacote de medidas para elevar a arrecadação federal entre R$ 100 bilhões e R$ 150 bilhões por ano.

Isso, segundo o ministro, vai viabilizar o alcance dos resultados das contas públicas anunciados pela equipe econômica.

Ele afirmou que a ideia é rever benefícios tributários e passar a cobrar impostos de setores e empresas que, por falta de regras, hoje não pagam, como as apostas eletrônicas.

Quanto devem crescer os gastos, se a regra for aprovada?

A nova regra fiscal prevê um crescimento real (descontada a inflação) das despesas entre 0,6% e 2,5% ao ano. Esses são o piso e o limite máximo de avanço dos gastos.

Na prática, o governo pretende trabalhar com uma nova trava para as despesas, que teriam crescimento real (acima da inflação), mas em ritmo menor do que a arrecadação. Essa combinação é considerada crucial para melhorar a situação das contas públicas nos próximos anos e estabilizar a trajetória da dívida pública.

Como fica a meta de resultado primário?

Prevista na Lei de Responsabilidade Fiscal, a meta hoje é estipulada em valor numérico a cada ano na Lei de Diretrizes Orçamentárias. O resultado é obtido a partir da diferença entre receitas e despesas no ano. Hoje, é uma meta única e precisa ser cumprida pelo Executivo.

Pela nova proposta, em vez da meta única de resultado das contas públicas a ser perseguido pelo governo, haverá um intervalo projetado para o exercício e o Executivo precisará encerrar o exercício dentro dessa banda.

Caso o resultado das contas venha melhor do que a banda superior da meta anual, o excedente poderá ser usado para financiar os investimentos. Por outro lado, se o governo não conseguir atingir sequer o piso da meta de primário, o crescimento das despesas ficará limitado a 50% da alta das receitas no ano seguinte.

Como vai ficar o déficit nos cálculos do governo?

O governo estimou entregar um déficit de 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2023. O dado indica que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, almeja um ajuste mais ambicioso do que vinha sendo sinalizado até então, que era um rombo de até 1% do PIB.

Apesar disso, a pasta ainda não detalhou como o resultado prometido será alcançado, dado que o relatório bimestral do Orçamento, divulgado na semana passada, estimativa o déficit em R$ 107,6 bilhões para este ano.

A nova meta de 0,5% do PIB teria um intervalo de 0,25 ponto percentual para mais ou menos. Isso significa que o resultado efetivo poderia ficar entre déficit de 0,25% e 0,75% do PIB.

A mesma lógica, com bandas para flutuação do resultado, valerá para os próximos anos.

Em 2024, a meta é o déficit zero, mas o intervalo permite oscilar de resultado negativo de 0,25% a um positivo de 0,25% do PIB. Em 2025, o intervalo vai de 0,25% a 0,75% do PIB, tendo como centro a meta de 0,5%.

Em 2026, a expectativa é chegar a um superávit de 1% do PIB, oscilando entre 0,75% e 1,25%.

E qual será o impacto na dívida?

O governo também apresentou estimativas de como pode se comportar a dívida pública, caso a equipe econômica consiga entregar os esforços fiscais prometidos a cada ano. Em todos os casos, há a sinalização de que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) entregará uma dívida bruta maior do que encontrou no fim de 2022, quando estava em 72,87% do PIB.

O ministério traçou dois cenários. Um deles prevê o alcance do centro da meta de primário em todos os quatro anos de governo Lula.

Nesse contexto, a DBGG (dívida bruta do governo geral) terminaria este ano em 75,11% do PIB, subindo até 76,54% em 2026.

Em outro cenário, em que os resultados primários efetivos se situam na banda inferior da meta entre 2024 e 2026, a dívida sobe de maneira mais significativa. Neste ano, a DBGG ficaria nos mesmos 75,11% (pois o governo considerou o déficit de 0,5% do PIB), mas subiria a 76,43% em 2024 e 77,34% em 2026.

Por que o superávit é importante?

A diferença positiva entre receita e despesa é considerada um bom indicativo sobre a saúde econômica de um país. Com mais arrecadação que gasto, o governo garante recursos para pagar os juros da dívida pública.

Se o endividamento está em queda, os investidores exigem taxas menores para emprestar dinheiro.

Em cenário de déficit ocorre o oposto. Credores cobram mais caro para financiar a dívida do governo, o que pode gerar um efeito bola de neve do endividamento público.

Por que os investidores se importam tanto com a agenda fiscal?

Se um governo não apresenta um plano fiscal para conter a dívida pública, a tendência é que os credores cobrem mais caro para emprestar dinheiro.

Com juros mais caros, financiamentos ficam menos atrativos, o crédito para o setor privado encarece, o que pode se tornar um empecilho para o crescimento econômico.

Sem perspectiva de crescimento, investidores ficam menos motivados a colocar dinheiro em empresas e projetos no país.

O que a agenda fiscal tem a ver com a perspectiva de um país?

Se um país é visto como irresponsável fiscalmente, os juros tendem a aumentar. A moeda também tende a se desvalorizar, o que aumenta o risco de inflação extra. Este cenário prejudica o crescimento econômico e, consequentemente, a oferta de trabalho.

Como é o percurso da nova regra fiscal até ser aprovada?

Haddad disse nesta quinta (30) que o texto ainda não está pronto, mas irá ao Congresso na próxima semana. Por se tratar de um projeto de lei complementar encaminhado pelo Poder Executivo, começará a tramitar na Câmara dos Deputados. A Casa terá a palavra final sobre o conteúdo, caso o Senado promova alterações durante a apreciação.

O plenário pode aprovar um requerimento para que o projeto de lei complementar passe a tramitar em regime de urgência. Geralmente, isso depende de acordo de líderes. O presidente da República também pode solicitar urgência para votação de projeto de sua iniciativa. Nesse caso, a proposta tem que ser votada em 45 dias, ou passará a bloquear a pauta da Câmara dos Deputados ou do Senado (a depender de onde estiver no momento).

Projeto em regime de urgência pode ser votado rapidamente no plenário, sem necessidade de passar pelas comissões. Os relatores da proposta nas comissões dão seu parecer durante a sessão no plenário. O texto é lido na tribuna, e há possibilidade de votação imediata.

Projetos de lei complementar exigem maioria absoluta de votos favoráveis, isto é, mais da metade dos integrantes de cada Casa. Isso significa reunir ao menos 257 votos na Câmara e 41 votos no Senado.

Um projeto de lei complementar enviado pelo Executivo é apreciado primeiro pela Câmara dos Deputados. Em seguida, o texto segue para o Senado. Caso não haja mudanças, o texto vai à sanção presidencial.

No entanto, se os senadores fizerem modificações no texto, o projeto retorna para a Câmara, que terá palavra final —os deputados podem acatar as mudanças dos senadores ou restituir o texto originalmente aprovado na Câmara. Após nova votação, o texto é remetido à sanção do presidente da República.

O chefe do Executivo tem 15 dias úteis para sancionar o projeto integral ou com vetos parciais em alguns dispositivos, ou ainda vetá-lo totalmente. Todos os vetos passam pela validação do Congresso, que pode derrubá-los mediante maioria absoluta de deputados (257) e senadores (41).


Entenda o fiscalês

Confira alguns dos principais termos usados nas discussões sobre contas públicas no Brasil.

ARCABOUÇO OU REGIME FISCAL

Nome dado ao conjunto de princípios e regras formais que buscam a estabilidade das contas públicas. O teto de gastos é um exemplo de arcabouço fiscal, que buscou limitar as despesas primárias ao mesmo valor do ano anterior corrigido pela inflação.

BANCO CENTRAL

Instituição financeira governamental responsável por garantir a estabilidade da moeda do país e regular o sistema financeiro. Entre suas atribuições está emitir papel moeda, colocar em prática a política monetária —através do controle das taxas de juros— e fiscalizar instituições financeiras.

COPOM

O Copom (Comitê de Política Monetária) é um órgão do Banco Central que se reúne periodicamente para definir diretrizes da política monetária e a taxa Selic (juro básico da economia).

DÉFICIT

Em contabilidade, é quando as despesas superam as receitas, o oposto de saldo. No caso do déficit público, quando os gastos de um governo são maiores que a arrecadação.

DÉFICIT NOMINAL

Inclui os gastos com juros e a correção monetária (adequação do valor perante a inflação).

DÍVIDA PÚBLICA

Dívida contraída sempre que o governo gasta mais do que arrecada, ou seja, quando os impostos e demais receitas não conseguem cobrir os gastos. Com o objetivo de atender às necessidades dos serviços públicos, o governo recorre a financiadores, como pessoas físicas, empresas e bancos.

DÍVIDA BRUTA

Abrange o total dos débitos do governo federal e entes regionais (governos estaduais e municipais) a empresas financeiras e não financeiras, públicas e privadas, incluindo no exterior.

DÍVIDA LÍQUIDA

É a dívida bruta descontados os créditos a receber de todos os entes (governos federal, estaduais, municipais, BC e estatais) e as reservas (espécie de poupança, em dólares) do país.

LEI DE DIRETRIZES ORÇAMENTÁRIAS (LDO)

Lei que define as metas e prioridades da administração pública federal para o ano seguinte. Com duração de um ano, a LDO fixa limites para os orçamentos dos Poderes e orienta a elaboração da LOA (Lei Orçamentária Anual).

LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL (LOA)

É a lei orçamentária propriamente dita, com estimativa de receita e fixação da despesa pública. Na prática, aponta como o governo vai arrecadar e como vai gastar os recursos públicos. Tem duração de um ano.

META DE INFLAÇÃO

É valor mínimo ou máximo que a inflação pode chegar num determinado período. No sistema adotado no Brasil, é fixada uma meta de inflação para o ano, com uma banda de tolerância que prevê um valor superior (teto) e um inferior (piso) em relação ao valor fixado (centro da meta).

META FISCAL

Define o resultado que o governo deve alcançar no ano considerando receitas menos despesas.

ORÇAMENTO PÚBLICO

Instrumento de iniciativa do Poder Executivo para estimar receitas e fixar despesas. Compreende três leis: o plano plurianual (PPA), as diretrizes orçamentárias (LDO) e o orçamento anual (LOA). É elaborado em um exercício, aprovado pelo Legislativo, e vigora no exercício seguinte.

PIB

O Produto Interno Bruto é a soma do valor de todos os bens e serviços produzidos em um país ou uma região, durante um determinado período.

PLANO PLURIANUAL (PPA)

Lei que estabelece diretrizes, objetivos e metas para as despesas da administração pública para os quatro anos seguintes. Desempenha papel central de organização da ação do Estado.

REGRA DE OURO

Prevista na Constituição, exige que o endividamento não supere o montante das despesas com investimentos. O objetivo é evitar contração de dívida pública para pagar gastos correntes, como salários de servidores e aposentadorias.

RESULTADO PRIMÁRIO

Indicador de saúde financeira do Estado, consiste na diferença entre receitas com arrecadação de impostos e taxas, por exemplo, e gastos para manter a máquina pública e a prestação de serviços à sociedade, sem incluir despesas financeiras com pagamento de juros da dívida pública. Quando a receita supera a despesa, o resultado é chamado de superávit primário, quando a despesa é maior que a receita, ocorre déficit primário.

SELIC

A Selic (Sistema Especial de Liquidação e Custódia) é o sistema do Banco Central que registra negócios com títulos públicos federais e de depósitos interfinanceiros. A taxa de juros praticada neste sistema serve como juro básico da economia brasileira.

TETO DE GASTOS

Regime fiscal que fixa limites para as despesas primárias dos órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, do Ministério Público da União, do Conselho Nacional do Ministério Público e da Defensoria Pública da União.

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