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Como falas de Lula têm contribuído com a alta no dólar

Nos últimos 60 dias, Lula fez ao menos 14 comentários públicos sobre política fiscal e monetária, como críticas ao corte de gastos e à autonomia do BC, em 10 diferentes dias

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São Paulo

Nesta semana, o dólar atingiu a marca de R$ 5,66, impulsionado principalmente por declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contra o Banco Central e em meio a um cenário de incertezas sobre os gastos do governo. O cenário externo, com juros altos e eleições próximas nos Estados Unidos, também pressionam o câmbio, e a divisa já acumula alta de mais de 16% em relação ao real neste ano.

O movimento continuou nesta terça (2): o dólar teve nova alta e chegou a bater R$ 5,70 na máxima do dia, numa sessão marcada novamente por críticas de Lula ao BC. No fim, fechou cotado a R$ 5,665.

Pela manhã, o presidente afirmou que o Banco Central é uma instituição de estado e não pode estar a serviço do sistema financeiro. Ele também voltou a dizer que o presidente da autoridade monetária, Roberto Campos Neto, tem viés ideológico.

"A gente precisa manter o Banco Central funcionando de forma correta, com autonomia, para que seu presidente não fique vulnerável às pressões políticas. Se você é democrata, permite que isso aconteça. Quando é autoritário você resolve fazer com que o mercado se apodere da instituição", disse.

Dólar recua ante real com incertezas sobre ajuste fiscal e cenário externo - REUTERS

Nos últimos 60 dias, nos meses de junho e julho, Lula fez ao menos 14 comentários públicos sobre política fiscal e monetária, em 10 dias. Criticou a autonomia do Banco Central, atacou o presidente da autarquia e colocou em dúvida a intenção do governo de cortar gastos, entre outros assuntos que afetam o humor do mercado.

Com a nova alta, a moeda americana caminha para renovar seu maior patamar desde janeiro de 2022, algo que vem acontecendo sucessivamente nas últimas sessões.

Na segunda (1°), o dólar subiu 1,11%, com impulso principalmente do exterior, mas também afetado por uma entrevista onde Lula afirmou que quem quer o Banco Central autônomo é o mercado, acrescentando que o próximo presidente da autarquia olhará o Brasil da forma que o país realmente é, e não do jeito que o mercado financeiro fala.

Depois de dizer que o país não precisa de juros altos neste momento, Lula disse que não dá para o presidente do BC —a quem se referiu como "cidadão"— ser mais importante que o presidente da República.

Na semana passada, na quarta-feira (26), o dólar estava em R$ 5,518, atingindo esse valor após Lula afirmar, em entrevista ao UOL, que era preciso saber se realmente era necessário um corte de despesas ou um aumento de receitas.

"O problema não é que tem que cortar. Problema é saber se precisa efetivamente cortar ou se precisa aumentar a arrecadação", disse Lula

O mercado não reagiu bem. No dia, havia outros pontos do cenário internacional influenciando o câmbio, mas o salto foi atribuído por analistas às declarações do presidente.

Na mesma entrevista ao UOL, o presidente afirmou que a inflação está controlada, mas reforçou que manterá a política de valorização do salário mínimo, que conta com parte do PIB (Produto Interno Bruto) dos últimos dois anos, além da inflação do ano anterior.

Além disso, disse que não pretende desvincular o piso das aposentadorias e pensões do INSS, o que aumentou a percepção do risco fiscal. Segundo o presidente, não irá haver resolução das questões econômicas "apertando o mínimo do mínimo".

"A palavra salário mínimo é o mínimo que uma pessoa precisa para sobreviver. Ora, se eu acho que eu vou resolver o problema da economia brasileira apertando o mínimo do mínimo eu tô desgraçado."

Ele afirmou que a desvinculação ou a mudança na valorização do salário mínimo não será feita em seu governo. "Eu garanto que o salário mínimo não será mexido enquanto eu for presidente da República."

Veja outros casos no gráfico abaixo.

Na quinta (27), durante reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável, o chamado Conselhão, que envolve representantes de trabalhadores e de diversas empresas do setor produtivo, Lula chamou de "cretinos" os que afirmaram que o dólar subiu na véspera por causa de suas declarações.

"Vejam o que aconteceu ontem. Quando eu terminei a entrevista [ao UOL], a manchete de alguns comentaristas era que o dólar subiu pela entrevista do Lula. E os cretinos não perceberam que o dólar tinha subido 15 minutos antes de eu dar entrevista. Quinze minutos antes!", afirmou.

"Ou seja, nesse mundo perverso das pessoas colocarem para fora aquilo que querem sem medir a responsabilidade do que vai acontecer, é muito ruim", disse no Palácio do Itamaraty.

"Tem especulação com derivativo para valorizar o dólar e desvalorizar o real, e o Banco Central tem que investigar isso. Se o presidente da República que for eleito não puder falar, quem vai poder falar? O cara que perdeu? O presidente do Banco Central?", afirmou Lula na sexta (28).

Já no fim da manhã, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, disse que ajustes fiscais muito focados em ganho de receita são menos eficientes e podem ter como resultado menor investimento, menor crescimento econômico e inflação mais alta.

O presidente do BC disse, ainda, que a desconfiança sobre as contas públicas impacta os juros de longo prazo e as expectativas de inflação.

À tarde, durante evento em Juiz de Fora (MG), o petista disse que não fará ajuste fiscal que atinja o "povo trabalhador e pobre" do país.

"Ah, dizem que é importante se fazer ajuste fiscal, que o salário mínimo está alto. Que alto? Mínimo é mínimo", disse Lula, que foi aplaudido pelos presentes.

Em novembro de 2022, o presidente também havia atacado o corte de gastos. "Por que toda hora as pessoas dizem que é preciso cortar gasto, que é preciso fazer superávit, que é preciso ter teto de gastos? Por que a gente não estabelece um novo paradigma?"

No mesmo mês daquele ano, no entanto, chegou a dizer que sabe que tem de cortar gasto, sabemos que temos de ter responsabilidade fiscal. Não podemos gastar mais do que a gente ganha", e que irá respeitar a lei de responsabilidade fiscal.

O presidente Lula participa do lançamento da pedra fundamental de campus da Unifesp na zona leste de São Paulo, neste sábado (29)

O presidente se queixa com frequência da taxa de juros, e diz acreditar que a situação irá se estabilizar quando indicar o novo presidente do Banco Central. Analistas, no entanto, apontam que o cenário internacional não tende a mudar até a eleição norte-americana, pressionando a moeda internacional a altas.

No caso do aumento da última sexta, no entanto, a moeda norte-americana se valorizou ante ao real mais ligada uma disputa entre agentes de mercado pela formação da Ptax do que propriamente a Lula. A Ptax é uma taxa de câmbio calculada pelo BC que serve como referência para a liquidação de contratos futuros.

No fim de cada mês, agentes financeiros costumam tentar direcioná-la a níveis mais convenientes às suas posições, sejam elas compradas (no sentido de alta das cotações) ou vendidas em dólar (no sentido de baixa).

A disputa pela Ptax impulsionou as cotações do dólar no Brasil, ainda que no exterior a moeda americana tenha apresentado baixa. A maior parte das moedas emergentes, como o rand sul-africano e o peso chileno, registrou valorização. O real, no entanto, amargou o pior desempenho.

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