Ruas tranquilas e imóveis de até R$ 7,8 mi: como é o bairro em que ex-CEO da Americanas vive em Madri

Na zona oeste de Legazpi, em que apartamento de 100 m² custa R$ 3 mi, Miguel Gutierrez passa incógnito e só é reconhecido na padaria

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Ana Beatriz Farias
Madri

Um condomínio dividido em cinco blocos. De fachada bege, portão cinza e arquitetura despretensiosa, não chama especialmente a atenção de quem passa pela zona oeste de Legazpi, bairro madrilenho localizado no sul da cidade.

A estética discreta do conjunto de prédios —cuja frente ocupa um quarteirão inteiro— dá pistas do estilo de vida adotado por Miguel Gutiérrez, ex-CEO da Americanas. Com dupla cidadania, brasileira e espanhola, há mais de um ano ele deixou o Brasil, onde é acusado de fraude bilionária, para se radicar em Madri.

Na cidade, Miguel foi detido, depôs e voltou à liberdade em dois dias –entre sexta-feira e sábado da semana passada. Antes disso, levava uma vida de aparente tranquilidade na região.

Costumava ir, de três a quatro vezes por semana, a uma padaria do bairro, a poucos metros de casa. É cliente habitual, diz uma funcionária —que preferiu não ser identificada— ao ver a fotografia do brasileiro. Segundo ela o executivo, é "muito simpático e educado", reservado e de poucas palavras.

Geralmente, leva produtos variados e "para viagem".

Quando prefere comer na padaria, Miguel pede um croissant ‘a la plancha’ (na chapa) e um café puro, 1 um copinho de água, conta outra funcionária.

Costuma ficar no estabelecimento só durante o período do atendimento e o mais comum é que esteja sozinho, sem horário fixo para aparecer.

Miguel Gutierrez, ex-CEO da Americanas, vestindo um moletom cinza com capuz e um boné preto, está caminhando em frente a um prédio. Ele segura um celular na mão direita e usa uma camiseta branca por baixo do moletom
Miguel Gutierrez, ex-CEO da Americanas, deixa imóvel no bairro de Legazpi, em Madri - Reprodução/TV Globo

Uma terceira pessoa que trabalha ali afirma conhecê-lo; Ao ver a foto do executivo, diz imediatamente seu nome.

Na padaria, ele deixa a imagem de um bom cliente. Pouco mais. Nem isso, porém, ficou marcado em outros estabelecimentos visitados pela Folha em dois diferentes dias, na região em que o ex-CEO mora.

Numa farmácia das redondezas, a farmacêutica garante nunca ter visto o homem de 62 anos que aparece na foto, uma negativa que se repete no restaurante especializado em cozinha basca: "Nem ideia", responde Carlos Pérez, proprietário da casa aberta há 11 anos no atual endereço, com um público executivo de 30 a 70 anos.

A presença do brasileiro também não é reconhecida por Ángeles Barrero, proprietária de um restaurante especializado em mariscos e pescados, que vive na região há 23 anos e a descreve como pacata.

O cenário é oportuno para quem deseja escapar do frenesi do centro, estando a 20 minutos de transporte público do coração da cidade. Também convém a quem quer viver discretamente e ser só um vizinho a mais.

A calmaria de Legazpi, segundo Ángeles, só muda quando a rainha Letizia visita a Associação Espanhola Contra o Câncer, que fica na região, coisa que a monarca faz periodicamente.

As visitas atraem a imprensa e um vistoso reforço policial, algo que nem de longe aconteceu com a movimentação recente envolvendo Miguel Gutierrez, após o mandado de prisão contra ele expedido no Brasil e sua inclusão em lista de alerta da Interpol.

A expressão é de surpresa quando trabalhadores e moradores do bairro escutam falar sobre uma operação internacional que moveu as forças policiais do Brasil e da Espanha, envolvendo um vizinho.

Na sexta-feira (28) da detenção de Miguel, a rotina do bairro não mudou, ao menos entre as 12h30 e as 23h, quando está aberto o restaurante que fica exatamente em frente à casa do ex-CEO.

Uma mulher que frequenta o bairro e estaciona seu carro justamente em frente ao prédio de Gutierrez diz que, no dia 28, saiu das 11h40 e não percebeu nada.

Foi um dia comum para a vizinhança que se divide entre os novos edifícios do bairro e as casas que teimam em resistir desde a época em que Legazpi estava longe de ser considerado território central em Madri.

Em uma dessas casas, construída em 1940, mora Eduardo (ele prefere não dar o sobrenome), que chegou à região num momento em que muitas famílias buscavam essa zona para morar, dando novo aspecto a uma área antes industrial.

"Acredito que a transição aconteceu entre 1990 e 2010", conta. Para ilustrar, mostra uma foto aérea, que seria de 1945 e que ele encontrou na internet. A transformação também se nota em vestígios espalhados até hoje pelo bairro.

Casas de dois andares que parecem acumular décadas de história dividem o espaço com edifícios construídos há pouco. É fácil encontrar terrenos vazios e prédios em plena construção. O ruído de obras se escuta de diversos pontos diferentes da zona.

Com as construções mais modernas e condomínios com ofertas que incluem pista de tênis, padel (esporte semelhante ao tênis, que usa raquetes de madeira e quadras menores) e piscina, a região, hoje, é para gente "com poder aquisitivo meio alto", conta Marta Morlanes, moradora do lugar há quase 20 anos.

O preço médio do metro quadrado para compra no polígono visitado pela reportagem –a zona oeste do bairro– é de 4.910 euros (R$ 29.460). Ou seja, um imóvel de 100 m² custa quase meio milhão de euros, chegando perto dos R$ 3 milhões.

O imóvel mais caro encontrado para venda na região tem 360 m² de área bruta e está sendo anunciado por 1,3 milhão de euros (R$ 7,8 milhões). Os dados são do site de busca de imóveis mais utilizado na Espanha.

Dona de uma das poucas lojas de roupas da área, além de moradora, Marta conta que a distribuição de estabelecimentos comerciais é equilibrada: não há oferta excessiva de nenhum tipo de comércio ou serviço e não falta o essencial.

A empresária brinca que, a não ser que o morador precise de algo muito específico —como tênis especiais para maratonas— não terá que sair do bairro para conseguir.

Passeando pela localidade, é fácil de encontrar um pouco de tudo. Supermercado, farmácia, loja de conveniência e até uma academia de esgrima.

As ruas da região ficam desertas em horário comercial, sobretudo com o calor do verão, mas a partir das 19h, ainda com luz, os habitantes de Legazpi começam a mostrar suas caras.

Três adolescentes saem para praticar esporte, um casal alimenta o bebê no banco da praça, pessoas passeiam com seus cachorros e terraças começam a encher.

O rosto do ex-CEO da Americanas, porém, além de ter sido reconhecido apenas na padaria das redondezas, não foi visto pela reportagem nos dois dias em que a Folha esteve no local.

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