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Governo Lula fortalece petróleo, mas não tem plano concreto para uso dos recursos

Presidente e ministros defendem fósseis como financiadores da energia limpa, mas ambientalistas veem argumento com ceticismo

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Brasília

Após um começo de gestão com movimentos ambíguos em relação ao meio ambiente e ao uso de combustíveis fósseis, o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chega a um ano e meio de mandato com um discurso crescentemente consolidado em defesa da exploração do petróleo.

Um dos principais argumentos é o de que os recursos gerados são imprescindíveis para financiar a transição energética do país. Apesar disso, membros de três ministérios consultados pela Folha reconhecem que não há um plano formal para usar o dinheiro na descarbonização e uma pessoa diz que talvez tal documento nem venha a existir, colocando em dúvida os fundamentos da retórica oficial.

O presidente Lula (esq.) e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira - Folhapress

A defesa do petróleo como financiador da transição energética apareceu nas últimas entrevistas do presidente Lula, que encampou o discurso de integrantes da sua Esplanada, como Alexandre Silveira (Minas e Energia).

Em entrevista à Folha, no final de março, Ana Toni, secretária de mudança do clima do Ministério do Meio Ambiente, liderado por Marina Silva, problematizou a ausência do plano e afirmou que sem ele não há como garantir a aplicação dos recursos fósseis para fins teoricamente sustentáveis.

Questionado sobre o tema, o Ministério de Minas e Energia cita a existência do Fundo Social do Pré-Sal, criado em 2010 para reunir recursos do petróleo e destiná-los, dentre outras finalidades, a mitigação e adaptação às mudanças climáticas.

Mas levantamento do TCU (Tribunal de Contas da União) mostra que, após 14 anos, os R$ 146 bilhões arrecadados deixaram de ser aplicados nesse fim e foram usados até no abatimento da dívida pública.

Marcelo Rodrigues Alho, auditor-chefe da Unidade de Auditoria Especializada em Petróleo, Gás Natural e Mineração do TCU, afirma que a principal inspiração para o fundo brasileiro foi o da Noruega. Concebido como um instrumento de longo prazo, já acumula mais de US$ 1 trilhão e usa apenas os rendimentos de aplicações financeiras.

"A lógica era de uma poupança acumulada ao longo do tempo e que fizesse aplicações financeiras. Porque são recursos finitos, em algum momento vamos deixar de produzir petróleo", afirma.

A auditoria concluiu que o fundo brasileiro precisa, para deixar de ser atropelado pela destinação a diferentes áreas, da criação de dois organismos fundamentais previstos na lei do fundo; mas que, na prática, não existem. O TCU enviou há pouco mais de dois meses à Casa Civil a determinação para a instauração efetiva dos dois colegiados (um comitê de gestão e um conselho deliberativo) –o que precisa ocorrer até outubro.

"O que se deseja é uma estrutura que gere recursos e permita a geração de riqueza, em substituição a uma cadeia de negócios que vai se extinguir com o tempo. A cadeia do petróleo gera muito dinheiro para o país, mas essa fonte vai se exaurir", afirma Alho.

A defesa pela exploração vem acumulando argumentos no governo em diferentes frentes —como em estudo recente da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), vinculada ao Ministério de Minas e Energia. A estatal afirma que o Brasil pode arrecadar R$ 3,7 trilhões até 2055 com novos campos e que tais recursos podem ser usados para a transição.

Visões similares já foram expostas por diferentes integrantes da administração, como o próprio ministro Silveira; Magda Chambriard, presidente da Petrobras; Luciana Costa, diretora de Transição Energética e Mudança do Clima do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social); Rosangela Buzanelli, conselheira da Petrobras; e Tabita Loureiro, presidente interina da PPSA (Pré-Sal Petróleo).

Ambientalistas, no entanto, demonstram ceticismo sobre o discurso oficial e veem contradição entre a postura interna do governo e as promessas no debate internacional.

Para eles, a situação é agravada pela inesperada pressão da gestão sobre o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) por licenciamentos em novos campos de petróleo.

Mariana Mota, coordenadora de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil, diz que a estratégia da transição poderia ser debatida com a sociedade caso houvesse um projeto transparente na mesa.

"Acontece que o governo não tem garantido como o dinheiro chegará, nem cronograma, nem metas, nem nada, só resta um discurso vazio de financiar a transição", afirma. "O que vemos hoje é que os planos para transição energética do governo Lula arrastam os pés, enquanto os para explorar mais petróleo correm", diz.

Claudio Angelo, coordenador de política internacional do Observatório do Clima (rede de entidades ambientalistas), diz que é falso o discurso do petróleo financiando a transição energética. "É uma mentira, uma espécie de negacionismo climático moderno, dizer que precisamos do dinheiro do petróleo para a transição", afirma.

"Empresas de óleo e gás não estão bancando a transição em nenhum lugar do mundo. Só 1% dos investimentos em renováveis vêm dessas empresas", diz ele, citando como exceção a Noruega. "Petróleo nunca bancou, não banca hoje e não bancará transição alguma", completa.

Para ele, Lula precisa decidir se quer liderar a missão de manter a meta do Acordo de Paris de limitar o aquecimento global a 1,5º Celsius (em relação à era pré-industrial) ou explorar petróleo. "Não dá para fazer as duas coisas, [...] porque a Agência Internacional de Energia já disse que a única chance de manter o 1,5 é se nenhum novo projeto fóssil for licenciado no mundo", afirma.

Na equipe econômica, a falta de um plano é minimizada diante da justificativa de que, no Brasil, a matriz elétrica já é em grande parte limpa e que a agenda de descarbonização da economia, voltado em grande parte ao setor de transportes, pode ser impulsionado por outras iniciativas que não os recursos do petróleo.

Fazem parte dessa agenda as mudanças legislativas em diferentes frentes, como a de tributação específica para carros —prevista no recém-sancionado programa Mover, que prevê mais imposto quanto mais poluente o veículo. Também estão na lista regulamentações voltadas a biocombustíveis, eletrificação da frota de ônibus, combustíveis sustentáveis para a aviação e hidrogênio verde.

Pela lógica usada nessa ala do governo, o uso dos recursos do petróleo é importante para ajudar já no curto prazo, direcionando recursos, na verdade, para outro destino: a redução da pobreza, representada no Orçamento principalmente pelo Bolsa Família —que demanda cerca de R$ 170 bilhões por ano.

O ministro Silveira já afirmou que vê o Brasil explorando petróleo até o país ter indicadores sociais de países desenvolvidos. Recentemente, em audiência pública, ele defendeu que o país conheça suas potencialidades no petróleo para decidir se as explora.

Em nota, o MME afirma que o uso do dinheiro do petróleo para a transição energética já é uma realidade no Brasil, com iniciativas planejadas e alinhadas entre o setor produtivo e sociedade civil, com parte dos recursos de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação (PDI) previstos nos contratos de exploração para o desenvolvimento e apoio a tecnologias verdes.

"Recursos de PDI de petróleo e gás natural já financiam mais de 200 projetos sobre energia solar, hidrogênio, energia eólica, captura e armazenagem de carbono, modelagem e prevenção de impactos ambientais, entre outros, correspondendo a um montante de R$ 1,1 bilhão em investimentos", afirma a pasta.

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