Descrição de chapéu mudança climática

Brasil vai explorar petróleo até ter nível de país desenvolvido, diz ministro de Energia

Alexandre Silveira defende à Folha que riquezas naturais não sejam criminalizadas e cobra países ricos

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Brasília

Mesmo após o Brasil ter se comprometido no debate internacional com a transição para uma economia global longe de combustíveis fósseis, o ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia) diz que o país deve continuar a exploração de petróleo até alcançar os mesmos indicadores sociais de economias desenvolvidas.

"Na minha opinião, [o país vai explorar petróleo e gás] até quando o Brasil conseguir alcançar IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] à altura do que atingiram os países industrializados, que hoje podem contribuir muito pouco com a questão ambiental porque se industrializaram muito antes de nós", afirma Silveira em entrevista à Folha.

O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira
O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira - Pedro Ladeira/Folhapress

Ele também reconhece que há um conflito entre seu papel e o do presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, mas diz ver as divergências como salutares e não pessoais.

"Sempre tive debates acalorados, verdadeiros. Mas debates transparentes sobre o que eu, como governo, defendo na Petrobras; e o presidente da Petrobras, naturalmente, [defende] como presidente de uma empresa. Os papéis são diferentes. Por isso há um conflito", afirmou.

A secretária do Ministério do Meio Ambiente, Ana Toni, disse à Folha que ainda não viu um plano para o petróleo financiar a transição energética. Esse plano existe?
Quando vi a entrevista, com o maior respeito à colega do Meio Ambiente, entendi que nós brasileiros temos que nos afastar do complexo de vira-lata. Nós temos primeiro que falar das nossas qualidades. E uma das coisas que o Brasil deve se orgulhar muito é de ser o líder da transição energética global.

Eu só queria relembrar que boa parte do nosso petróleo, tanto dos impostos quanto da parte da partilha que foi estabelecida no pré-sal, [gera] recursos que são destinados à saúde e à educação do povo brasileiro. Por meio do Fundo Social do Pré-sal.

Mas esse fundo inclui outras áreas, não é exatamente para a transição.
Primeiro, vamos falar um pouco sobre transição energética. Nenhum país do mundo tem mais autoridade para discutir o tema do que o Brasil. Agora, em quanto tempo e de que forma a transição energética deve se dar, é [sobre isso] que questiono a colega. Em nenhum lugar do mundo podem afirmar em quanto tempo nós vamos poder abrir mão das fontes energéticas fósseis.

Então até quando o Brasil vai explorar combustíveis fósseis?
Até quando o Brasil conseguir alcançar IDH [Índice de Desenvolvimento Humano] à altura dos países industrializados. O petróleo é uma fonte energética importante para combater desigualdade.

O Brasil pode, sim, falar em quanto tempo ele vai descarbonizar sua matriz interna. Na próxima década vamos ter uma matriz praticamente limpa e renovável. Até 2040. O que não é sinônimo de abrir mão dos fósseis.

Mas, ministro, não é importante que o país tenha também um plano nacional para aplicação destes recursos do petróleo?
Vou me permitir concordar com você, apontando um grande equívoco que comete o mercado, o mercado financeiro em especial. Todo mundo fala: como nós vamos aplicar o recurso do petróleo na transição energética? Eu te pergunto: o recurso do petróleo, hoje, vai para onde? Superávit primário. Para fazer o quê? Pagar o juros da dívida. Nós vivemos um duro arrocho fiscal no Brasil.

Um país que tem necessidade de combater fome e miséria não pode ser um país que se identifica com a política ultraliberal do Paulo Guedes. Ele tem que ser um Estado necessário. Nem um Estado exageradamente controlador e nem um Estado ultraliberal.

E qual a sua posição no debate sobre taxar os combustíveis fósseis, como proposto no Imposto Seletivo?
Mais uma vez o governo Lula demonstra sua sensibilidade com a salvaguarda do planeta. Mais uma vez o povo brasileiro paga pela transição energética global. Agora, fazer todo esse esforço sem cobrar contrapartida internacional não é justo. Não é cumprir com o que preconiza o grande objetivo do nosso governo, que é combater a desigualdade.

Mas tudo isso precisa de dinheiro...
Eu sou a favor. Tudo isso precisa de dinheiro. Não é admissível que não nos deem direito de debater sobre como nós vamos valorar nossa matriz energética. Nós decidimos apostar na economia verde. Sou a favor de tudo aquilo que tiver dentro das possibilidades. E aí quem pode dizer se o imposto seletivo é possível, dentro das contas públicas atuais, é o ministro da economia [na verdade, da Fazenda].

O que o ministro de Minas e Energia sempre repudia é a tentativa de criminalizar a adequada e ambientalmente correta exploração das nossas riquezas. Isso é inadmissível, é hipocrisia. Alguém pode defender, em sã consciência, a transição energética sem nióbio? Os minerais críticos são imprescindíveis para a transição energética. Agora, como que se conseguem os minerais críticos? Através da mineração, que muitas vezes, simplesmente ideologicamente, é criminalizada.

No momento em que o Brasil e o mundo acordaram, na COP28, a saída gradual dos combustíveis fósseis, como conciliar esses discursos?
Eu estava na COP, e me preocupou muito o documento aprovado no final que apontou para o caminho de triplicar a produção de energia renovável. Me pareceu uma decisão politicamente correta, mas completamente desconectada da realidade do financiamento dos países industrializados comprometidos com o Acordo de Paris em 2009. Porque o número para se triplicar a produção de energia limpa e renovável até 2030, quando deve-se cumprir o Acordo de Paris, é US$ 4,2 trilhões. Os países industrializados se comprometeram a aplicar US$ 100 bilhões de dólares através do investimento nos fundos de clima, e não fizeram. Nós precisamos criar uma governança global para a transição energética.

Qual foi a posição do sr. na discussão dos dividendos da Petrobras?
Não houve uma discussão específica sobre os dividendos da Petrobras. Houve uma discussão natural sobre a melhor destinação dos dividendos extraordinários.

Os extraordinários, quando perguntado ao conselho, ele entendeu e nos convenceu de que o mais prudente naquele momento era primeiro ter acesso ao plano aprovado de investimento da Petrobras, para que ele tivesse seguro para distribuir os demais dividendos. Por isso ele destinou aqueles dividendos a uma conta que pode ser exclusivamente utilizada para distribuição de dividendos no momento oportuno.

Foi um barulho. Foi você sentar em cima de um pacote de biscoito de polvilho. Você fez barulho e depois comeu o farelo, que é gostoso para caramba, até mais gostoso do que comer o biscoito.

Na época da decisão já se sabia que os recursos reservados ficariam nessa conta? E, se sim, por que isso afetaria o plano de investimentos?
Sabia. O plano de investimentos da Petrobras, aprovado, não depende desse recurso para ser executado, mas depende do nível de endividamento da empresa, nível de contratação de empréstimo, nível de poder de contratação de empréstimo nacional e internacional. Se o presidente da empresa, naquele momento, tivesse votado com o conselho, não teria tido barulho.

Ele ficou contrariado nessa discussão?
A pergunta tem que ser feita para ele.

E como está a relação entre o sr. e ele?
Pessoal, muito boa.

E profissional?
Historicamente, há um salutar debate entre o ministro de Minas e Energia e o presidente da Petrobras. A ministra Dilma [Rousseff] tinha conflitos com o presidente [Sergio] Gabrielli. Sempre houve conflitos. Não houve no governo Bolsonaro, porque o Paulo Guedes não deixava o ministro Bento [Albuquerque] ter acesso ao presidente da Petrobras [Caio Mário Paes de Andrade, na reta final do governo].

O presidente Lula nunca promoveu uma reunião com o presidente da Petrobras na minha ausência.

Sempre tive debates acalorados, verdadeiros, mas transparentes sobre o que eu, como governo, defendo na Petrobras, e o que presidente da Petrobras [defende] como presidente de uma empresa. Os papéis são diferentes, por isso há um conflito.

Por que eu chamo de salutar? Porque muitas vezes não é salutar querer personalizar a disputa. Eu não indiquei diretor da Petrobras. Tive a oportunidade de indicar, confesso. Não tem nenhuma disputa minha com relação a espaço político na Petrobras, nem do meu partido.

É possível o presidente de empresa, igual à Petrobras, convergir o interesse do acionista com o do controlador? Plenamente possível. Requer humildade, discrição e competência.

O Prates reúne essas qualidades?
Não vou rotular ninguém, muito menos o presidente da Petrobras. Mas estou dizendo que é possível, desde que você preze, trabalhe e tenha essas qualidades.

Quais as divergências entre vocês?
Hoje, nesse momento, nenhuma. Amanhã de manhã pode ser que… tomara que o humor dele amanheça bem.

Vocês conversam com que frequência?
É difícil uma semana que não tenha alguma coisa assim que seja rotineira. Agora, questões mais estratégicas, todas, absolutamente todas, são discutidas com participação mais do Conselho.

A diretoria da Petrobras tem que ser uma figura sempre muito reverenciada e respeitada por todos nós. Faço isso com o presidente da Petrobras. Só que aprendi com o [ex-vice-presidente da República] José Alencar [que] o dia em que você abre mão por um segundo da sua autoridade você nunca mais recupera. Então, a autoridade que me é delegada —e autoridade não é arrogância— eu não transigirei em executar.

E o sr. acha que Prates está fazendo um bom trabalho?
A avaliação deixo a cargo do presidente da República.

O sr. defende que os dividendos extraordinários sejam pagos?
No momento que a governança da Petrobras, através dos seus conselheiros, achar oportuno.

Já foram representados novos dados sobre investimentos?
Não e acho que não tem pressa.

Não tem pressa?
Por que teria pressa? É garantido, é dos acionistas. Está rendendo. Se um dia alguém for lá e tirar um centavo para poder aplicar em outra coisa que não seja lucro, aí eu acho que vai ser justo qualquer barulho. O resto foi marola desnecessária.

O sr. falou que a Petrobras não pode ter como único objetivo o lucro exorbitante. Qual seria a definição disso?
Um lucro que não cumpra com as missões que estão na Constituição e estão na Lei das Estatais. Que ela não dilapide o seu patrimônio, como vinha sendo feito no governo anterior, vendendo ativos, distribuindo com dividendos. Sabe o que causou barulho? Os acionistas minoritários, de referência, estavam mal acostumados. Estavam recebendo distribuição de dividendos que não era lucro, que era venda de ativos. Estava uma delícia, estavam lambendo os beiços.

Entendemos que a Petrobras tem que ser uma empresa perene. Primeiro, na exploração de petróleo e gás. Segundo, refino. E, terceiro, vai ser uma empresa fortemente e altamente especializada em transição energética. Nenhuma empresa no mundo tem mais expertise em plataforma que a Petrobras. E, no médio prazo, a eólica offshore vai ser a grande geradora de hidrogênio verde para descarbonizar o planeta. O Brasil será o grande protagonista.


RAIO-X | Alexandre Silveira, 53

Ministro de Minas e Energia. É delegado aposentado da Polícia Civil de Minas Gerais. Foi diretor-geral do Dnit (entre 2004 e 2005), deputado federal, secretário do governo de Minas Gerais e senador

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