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Lua de mel entre Milei e mercado acaba após dúvidas sobre plano econômico

Medidas tomadas pelo governo para frear desvalorização do peso são questionadas por investidores

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Ciara Nugent
Buenos Aires | Financial Times

O presidente da Argentina, Javier Milei, está enfrentando o primeiro grande teste de seu plano para consertar a economia do país, após suas medidas para controlar uma corrida que desvalorizava o peso argentino frente ao dólar provocarem uma reação negativa do mercado.

O governo fixa a taxa de câmbio oficial em cerca de 960 pesos para cada US$ 1, mas nos mercados de câmbio paralelos —tanto legais quanto ilegais— a cotação atingiu um recorde de quase 1.500 pesos para cada US$ 1 neste mês.

Javier Milei enfrenta questionamentos de investidores sobre plano econômico - AFP

A diferença entre as taxas é vista como um indicador-chave da confiança dos investidores no governo e pode aumentar a inflação.

No último sábado (20), Milei anunciou um plano para estabilizar o peso: o banco central apertará as regras para imprimir dinheiro com o objetivo de reduzir a oferta monetária da Argentina e começará a usar suas reservas de moeda estrangeira para comprar pesos no mercado paralelo.

"Se eu desligar todas as torneiras para imprimir dinheiro, o problema acaba", disse Milei à emissora LN+. "Não há pânico, zero pânico."

Os investidores não se mostraram satisfeitos com o plano. O mercado de ações da Argentina caiu até 12,3% na semana passada, e seus títulos soberanos denominados em dólares até 11,3% antes de recuperar algumas perdas, enquanto críticos tratam as novas medidas como sendo de curto prazo e inconsistentes.

Atrasos na acumulação de reservas de moeda estrangeira retardarão o plano do governo de levantar os controles cambiais —um pré-requisito para o investimento estrangeiro e crescimento econômico significativo— e aumentarão a probabilidade de que o governo tenha que dar calote em mais de US$ 9 bilhões em pagamentos de sua dívida em moeda estrangeira no próximo ano.

"Estão [sacrificando o objetivo de acumular reservas] para reprimir a volatilidade da taxa de câmbio —e esta última é algo que nenhum investidor está preocupado porque é um sintoma de problemas, não um problema em si", disse Juan Pazos, economista-chefe da empresa de serviços financeiros TPGC Valores.

"Os preços dos ativos [estão se recuperando] um pouco, mas esse tipo de decisão começa a corroer a confiança de que o governo tem as prioridades certas."

Milei cumpriu sua principal promessa de campanha de "usar uma motosserra" no déficit público da Argentina para reduzir a inflação altíssima: a taxa mensal caiu de 26% em dezembro de 2023, mês em que Milei tomou posse, para 4,6% em junho deste ano.

O mandatário argentino argumenta que manter o peso forte é fundamental para manter a inflação baixa. Mas os investidores estão preocupados que controlar a inflação a todo custo agora esteja deixando em segundo plano outros itens relevantes para a recuperação da Argentina no longo prazo: o fim dos controles cambiais, a acumulação de reservas e o acesso aos mercados de capitais internacionais.

"O governo surpreendeu o mercado com esses sucessos iniciais de inflação e fiscais, mas agora há uma sensação de que estão atrasados —apagando incêndios em vez de definir a agenda", disse Amilcar Collante, professor de economia da Universidade Nacional de La Plata.

As medidas economicamente heterodoxas para apoiar o peso também vão tensionar as negociações que Milei iniciou recentemente com o FMI (Fundo Monetário Internacional) sobre um possível novo empréstimo para a Argentina, que já deve ao fundo US$ 43 bilhões, disseram analistas.

O presidente argentino descartou preocupações sobre seu plano econômico, culpando a volatilidade da taxa de câmbio nos bancos locais.

Na semana passada, ele acusou um dos bancos de tentar deliberadamente "desestabilizar" o governo ao exercer opções de venda —acordos que obrigam o banco central a recomprar sua dívida— e forçar a autoridade monetária a imprimir pesos.

O ministro da Economia, Luis Caputo, disse na quinta-feira (18) que o objetivo do governo "sempre foi reduzir a quantidade de pesos em circulação", afirmou em post na rede social X (antigo Twitter). "Alguns ainda estão desconfiados [mas] a realidade mostrará em breve... o peso será uma moeda forte!", completou.

Os argentinos já enfrentaram três anos de inflação anual acima de 50%, e Milei fez da redução das pressões de preços sua principal prioridade. Para isso, ele interrompeu o uso de impressão de dinheiro pelos governos anteriores para financiar gastos, perseguindo um programa de austeridade extrema.

Enquanto isso, Caputo, um ex-trader de Wall Street, avançou com um plano complexo para liquidar bilhões de dólares em dívida do banco central detida por bancos locais e conter o uso de impressão de dinheiro para financiar pagamentos de juros.

Ao mesmo tempo, o ministro da Economia controlou rigidamente a taxa de câmbio oficial do peso, um fator chave da inflação. Após uma desvalorização inicial acentuada de 52% em dezembro, Caputo desvalorizou o peso em apenas 2% ao mês.

A atividade econômica recuperou-se ligeiramente em maio graças às exportações agrícolas e de mineração, com um aumento de 1,3% em relação a abril, segundo dados oficiais. Mas as quedas elevadas continuam em setores como a construção e o varejo.

A aposta de Milei é que controlar a inflação é a chave para manter o apoio público ao seu programa de austeridade. Até agora, está dando certo, com sua popularidade estável em torno de 51%, disse Shila Vilker, diretora da empresa de pesquisas trespuntozero.

Mas líderes empresariais reclamam cada vez mais que a política de desvalorização lenta de Caputo está prejudicando a competitividade das exportações.

"Deveriam corrigir a taxa de câmbio e avisar que a inflação vai subir temporariamente... para melhorar o equilíbrio do setor externo", disse o bilionário desenvolvedor imobiliário Eduardo Constantini a uma emissora de televisão local na quarta-feira (17).

Sebastián Menescaldi, diretor da consultoria EcoGo, avaliou que as empresas estão preocupadas que as medidas incluídas no "plano de emergência" em dezembro ainda não deram lugar a um roteiro de longo prazo para levantar os controles cambiais e restaurar o crescimento.

"Quando você leva as medidas de emergência além de três a seis meses, elas começam a se tornar inconsistentes", acrescentou. "Agora, a única maneira de resolver essas inconsistências é encontrando muitos dólares para o banco central nos próximos dois meses, ou terão que desvalorizar o peso."

Fontes de dólares existem, mas acessá-las é difícil. Exportadores agrícolas cruciais, a principal fonte de moeda estrangeira da Argentina, até agora foram desencorajados de vender seu estoque por baixos preços internacionais de commodities, agravados pela taxa de câmbio não competitiva.

Cerca de US$ 21 bilhões em grãos exportáveis estão reservados, segundo cálculos da Sociedade Rural Argentina, um lobby do agronegócio.

Um esquema de incentivo ao investimento aprovado pelo Congresso no mês passado poderia atrair dólares através dos setores de energia e mineração, enquanto o governo afirma que uma iminente anistia fiscal trará cerca de US$ 1,5 bilhão.

Analistas dizem que o governo está apostando muito na ideia de que o FMI concordará em emprestar mais dinheiro à Argentina para ajudá-la a sair dos controles cambiais, especialmente se Donald Trump —a quem Milei reivindica como aliado ideológico— vencer a eleição de novembro nos EUA, o principal acionista do fundo.

Mas a decisão do governo de usar suas reservas para sustentar o peso tornará um acordo mais difícil de alcançar, dado que o FMI criticou tais práticas. A Argentina já é o maior devedor do FMI e o destinatário do maior número de resgates do fundo na história.

"O governo se enrolou e começou a fazer coisas que o afastam de seus objetivos finais", disse Gabriel Caamaño, economista da consultoria financeira Ledesma.

Ele afirmou que o governo teria várias opções para recuperar o impulso em seu programa econômico, como afrouxar algumas partes menores do regime de controles de capitais para impulsionar os mercados, ou tomar medidas para satisfazer o FMI.

"Ainda não é tarde demais para corrigir isso com alguns bons movimentos", disse ele. "Isso ainda não é uma tragédia."

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