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Reforma tributária existe para acabar com monstruosidades do sistema atual, diz especialista

Professor da USP diz que mudança no sistema incentiva formalização e vai desonerar empresas

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São Paulo

A reforma tributária vai incentivar a formalização de pequenos empreendedores e desonerar as empresas, que precisam mudar a chave em relação à forma de enxergar o funcionamento dos novos impostos sobre consumo.

Essa é a avaliação do advogado Heleno Torres, professor titular de Direito Financeiro e chefe do Departamento de Direito Econômico, Financeiro e Tributário da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo).

Ele afirma que muitas pessoas físicas, como motoristas de Uber, vão se converter em MEI (Microempreendedor Individual) ou empresa do Simples Nacional para aproveitar a desoneração prevista para as empresas com o novo sistema.

Torres minimiza o impacto das exceções inseridas na reforma pelo Congresso e destaca os ganhos trazidos com a unificação das legislações de estados e municípios e o fim de incentivos fiscais regionais.

Heleno Taveira Torres, professor titular de Direto Financeiro do Departamento de Direito Econômico, Financeiro e Tributário da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - Folhapress

Para o tributarista, muitas discussões setoriais ainda são feitas com a mentalidade do sistema atual, no qual todo imposto sobre insumo é custo. "Essa é a chave que a gente tem que mudar. Pensar com a cabeça do novo modelo. Se continuarmos pensando CBS e IBS [contribuição e imposto sobre bens e serviços, respectivamente] com a cabeça de ICMS e PIS/Cofins, estamos fadados ao insucesso."

Torres afirma que a reforma tem como objetivo acabar com certos males que foram introduzidos, de forma danosa às empresas brasileiras, nos tributos que serão extintos. "Coisas pavorosas que levaram o sistema a se tornar essa monstruosidade que nós temos hoje."

A Câmara melhorou o projeto de regulamentação da reforma tributária?
Houve uma melhoria da técnica jurídica, e isso contribui para a melhor aplicação do texto. Diversas passagens que antes tínhamos muitas dúvidas, de fato foram esclarecidas. Coisas como discussões sobre quem seria o contribuinte, o responsável tributário. Nesses aspectos técnicos, houve uma melhoria muito relevante.

Do ponto de vista das questões que estão mais próximas das pessoas, a inclusão da carne na cesta básica é algo que certamente chama a atenção. É uma escolha política. Isso afeta alíquotas. Para empresas que exportam, não altera nada, porque a exportação é imune. Então o que interessa é a venda da carne no mercado nacional.

Com essa e outras exceções que foram colocadas no projeto ainda é possível dizer que haverá uma simplificação significativa do sistema tributário?
Essa reforma por si só é transformadora da economia brasileira, e teremos uma grande mudança da estrutura federativa. Essa eliminação de incentivos fiscais regionais, estaduais, setoriais. Isso é muito virtuoso.

Teremos legislação única para todos os estados, todos os municípios, tanto das leis que criam o tributo, quanto da lei que define o contencioso administrativo. Isso traz segurança jurídica e simplificação para o sistema.

A outra questão é o Pix. Se isso for levado para as relações tributárias da forma como está prometido, não tenho dúvidas que essa tecnologia gerará um fluxo de caixa nas empresas que vai dinamizar muito a economia. Estou muito satisfeito com o resultado.

Como fica o impacto das exceções na alíquota? A Câmara colocou uma trava.
No ano passado, o Senado colocou, e depois a Câmara derrubou, o limite constitucional da alíquota. Agora, é possível que o Senado derrube esse limite, porque isso pode criar dificuldades federativas e quebrar um parâmetro constitucional. A Constituição não trabalha com essa limitação. O município, o estado, mais adiante, pode dizer que isso não está na Constituição. O titular da alíquota será o Congresso Nacional, definindo por lei específica as alíquotas padrão. É nessa lei específica que o Legislativo terá a oportunidade de se manifestar sobre os parâmetros a serem adotados e os limites.

Há outros pontos que podem ser melhorados no Senado?
Vários. Vamos ter serviços de saúde com tributação normal e outros com a redução de 60%. Isso não é positivo. Precisa aprimorar a Zona Franca de Manaus, ter uma visão melhor sobre o imposto seletivo. Penso que o Senado vai se debruçar menos sobre a técnica, porque a Câmara já ajustou bem a técnica tributária, e mais nesses pontos.

O imposto seletivo, que inicialmente seria para fumo, bebidas alcoólicas e armas, ficou maior do que deveria?
Essa questão da prejudicialidade à saúde ou ao meio ambiente não estava na versão original. Era imposto adicional apenas para alguns produtos para compensar a perda do IPI [imposto sobre industrializados]. Em boa hora, o senador Eduardo Braga [relator da reforma] e todos que ali estavam criaram essas hipóteses mais restritivas. Agora, na lei complementar, estamos vendo um movimento de ampliação.

Por exemplo, não tem na Constituição autorização para tributar exportação de minérios. Os estados sempre quiseram tributar isso e conseguiram inserir ali no texto uma tese deles, mas uma tese inconstitucional. Certamente as empresas mineradoras levarão isso ao Supremo Tribunal Federal, e não tenho dúvida que irão ter o julgamento pela inconstitucionalidade.

Também não poderia colocar nenhum carro, nem elétrico, porque o carro em si não é um elemento poluidor. O combustível fóssil, esse sim justifica que você tenha uma tributação com o imposto seletivo.

Para bebidas alcoólicas, o seletivo ficou como o senhor defendia?
Eu me alinho à Organização Mundial da Saúde. A própria OCDE tem publicações nesse sentido. Qualquer bebida alcoólica pode levar ao vício, mas as de menor teor alcoólico trazem menores danos à saúde. O princípio que está na Constituição para autorizar o seletivo é aquele da prejudicialidade à saúde. Quanto mais prejudicial, maior a tributação. Há uma previsão [na lei complementar] de que a gradação alcoólica vai servir como parâmetro para definir a diferenciação de alíquotas entre as bebidas.

O senhor falou sobre os impactos econômicos da reforma. Qual a avaliação sobre a mudança para as pequenas empresas?
Você vai ver pessoa física se converter em MEI [Microempreendedor Individual] ou em empresa do Simples Nacional. Por exemplo, os motoristas de Uber seguramente serão estimulados a serem MEIs, para que a alíquota seja menor, porque ele vai ter um regime especial.

Vai ter empresas do Simples que serão pressionadas pelos seus tomadores de serviço ou compradores para terem uma tributação normal [apenas em relação aos novos tributos]. Para o IBS e a CBS, é opcional ficar no Simples ou optar pelo regime normal. A empresa que comprar esse serviço, esses bens, vai dizer, "eu quero tomar o crédito cheio, não quero esse crédito menor. Compro do seu concorrente com o crédito cheio, então eu só vou comprar de você se você optar pelo regime normal".

Teremos essas mudanças nas relações entre as empresas, e isso pode ser muito favorável, para o próprio aumento da arrecadação. Sem que isso gere aumento de tributo. Porque a pequena empresa vai vender, quem compra pagará isso no preço, mas vai tomar o crédito. Então não vai ter aumento de carga tributária nem de preço, de modo geral.

Ainda estamos vivendo com a cabeça no ICMS, no PIS/Cofins, que soma muitas vezes [o tributo] ao preço e o crédito não aparece. Então a empresa tem que ficar fazendo o custo do produto como se ele não fosse tomar aquele crédito ou não fosse recuperar aquele tributo. Isso vai acabar e gerar um novo momento virtuoso para a economia brasileira.

Estamos discutindo uma lei nova, mas pensando na realidade atual?
Essa é a chave que a gente tem que mudar. É pensar com a cabeça desse novo modelo, esquecendo as dificuldades do anterior. Se continuarmos pensando CBS e IBS com a cabeça de ICMS e PIS/Cofins, estamos fadados ao insucesso. Temos de superar isso e lembrar que, nesse novo tributo, a carga inteira é de quem compra, mas quem compra toma crédito integral, imediato. Não vou ficar esperando seis meses, como é hoje no caso da substituição tributária [sistema em que uma empresa recolhe os tributos de toda a cadeia], que é um absurdo completo.

A substituição tributária não entrou no projeto, apesar da pressão dos governadores.
Alguns estados se movimentaram fortemente para reincluir a substituição tributária. Perderam feio, porque a Câmara não caiu nesse conto do vigário. Seguramente eles vão tentar de novo no Senado, mas as chances são cada vez menores. Essa reforma só existe para acabar com certos males que foram introduzidos no ICMS e no PIS/Cofins de forma danosa a todas as empresas brasileiras. A maior delas foi a substituição tributária dessa forma alargada e sem permitir que os créditos do ICMS-ST compensassem com o crédito do ICMS normal. Coisas assim, pavorosas, que levaram o sistema a se tornar essa monstruosidade que nós temos hoje.


Raio-X

Heleno Taveira Torres, 56
Advogado. Professor titular de Direito Financeiro e chefe do Departamento de Direito Econômico, Financeiro e Tributário da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo). Livre-Docente de Direito Tributário (USP), doutor em Direito do Estado (PUC-SP) e mestre em Direito Tributário (Universidade Federal de Pernambuco). Superintendente de relações institucionais da USP, membro titular da cadeira 43 da Academia Paulista de Direito.

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