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Aneel vai fiscalizar empresas de assinatura solar que anunciam conta de luz mais barata

TCU e distribuidoras de energia veem manobra jurídica em modelo vendido por grandes grupos

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São Paulo

A Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) prepara um plano de fiscalização que pode impedir o funcionamento de empresas que oferecem energia solar por assinatura, algumas ligadas a grandes grupos de energia, como Cemig e Energisa. Neste tipo de modelo, o consumidor paga uma mensalidade para ser enquadrado no sistema de geração distribuída e, consequentemente, receber subsídios na conta de luz.

A elaboração do plano acontece a partir de uma determinação de julho do ministro do TCU (Tribunal de Contas da União) Antonio Anastasia, seguindo os argumentos da área técnica do órgão, que viu irregularidades no modelo. O documento precisa estar pronto até o final de setembro, e hoje o assunto é tratado como sensível nos grupos de energia.

Fazenda de produção de energia solar em Janaúba, no norte de Minas Gerais - Folhapress

Neste modelo, empresas criam fazendas solares distantes de centros urbanos e vendem cotas das usinas para consumidores do mercado regulado de energia, inclusive residenciais de grandes cidades. Esses clientes substituem, então, as contas de energia pagas às distribuidoras locais pelas assinaturas mensais pagas a essas outras empresas.

Hoje, a Aneel contabiliza 362 mil residências e estabelecimentos conectados a esse tipo de serviço e uma capacidade instalada de 1,2 GW (gigawatts). O número deve crescer ainda mais nos próximos anos, já que várias empresas anunciaram investimentos bilionários nos últimos meses nesse setor.

O modelo é vantajoso para o consumidor, porque quem assina o serviço recebe os mesmos subsídios de quem tem painéis solares em casa, ainda que não tenha investido na aquisição do aparelho. Entre esses benefícios estão descontos totais no pagamento de encargos e taxas de transmissão e distribuição na conta de energia –o TCU estima que os subsídios dados a quem assina esses serviços alcançaram R$ 1,8 bilhão no ano passado.

O problema é que descontos são transferidos a quem continua pagando as distribuidoras locais. Por isso, a conta de quem adere à assinatura solar chega, em alguns casos, a ser até 30% mais barata que a de um consumidor do mercado cativo.

Mas o Marco Legal da Geração Distribuída, instituído em 2022, define que a geração distribuída se caracteriza como produção de energia elétrica para consumo próprio e que a energia gerada pelos painéis solares não pode ser comercializada. É aí que está o cerne da disputa entre o TCU e as empresas.

De um lado, os técnicos do TCU argumentam que as donas de fazendas solares não poderiam vender cotas das usinas. Por outro, as empresas dizem que a legislação não obriga o consumidor a ser o dono dos painéis solares, e que o aluguel do equipamento já seria suficiente para considerar que seu cliente tem a posse do painel.

Para sustentar esse argumento, as empresas criam cooperativas entre seus clientes e alugam seus painéis solares para essas cooperativas. Assim, em tese, o lucro das empresas que oferecem assinatura solar viria do aluguel dos painéis, e não da venda da energia.

"Imagine uma associação de bairro que contrata um serviço de segurança para aquele bairro. Qual seria a lógica de dizer que a empresa que está prestando a segurança para o bairro não pode ter lucro com a atividade que ela está desempenhando?", diz Bárbara Rubim, vice-presidente da Absolar (Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica).

Na analogia de Rubim, porém, a empresa de segurança não é quem controla a associação de bairro. E é justamente esse o ponto questionado pelos técnicos do TCU.

No processo que tramita no órgão, a área técnica destaca contratos em que as empresas obrigam os consumidores a as autorizarem a administrar as usinas solares.

"Os indícios indicam uma desfiguração do conceito de cooperativa", afirmam os técnicos, ao citarem contratos das empresas CemigSIM, Origo, Reenergisa, Flora e Reverde/Raízen. "[Esses contratos] apontam à necessidade de outorga de poderes que retiram do associado qualquer poder, na prática, de participação nos rumos da sociedade", acrescentam.

Essa manobra, apontam os técnicos, permite que as empresas não repassem todos os subsídios aos consumidores. Eles dizem que um consumidor que instala o próprio painel consegue descontos de até 90% e que, em média, as empresas de assinatura oferecem um desconto em torno de 10% ou 15%.

A legislação define que para ser enquadrada como cooperativa, a organização não pode ser controlada por uma única parte. Além disso, o voto de cada cooperado deve ter o mesmo peso.

"As cooperativas se diferem da sociedade porque geralmente as sociedades têm alguém que manda, mas na cooperativa, não. Por isso, todos os anos as cooperativas precisam fazer uma assembleia para definir seus critérios e escolher a sua diretoria. Os cooperadores podem, inclusive, tirar a diretoria se eles quiserem", explica Paulo Renato Fernandes da Silva, presidente da comissão de direito cooperativo do IAB (Instituto dos Advogados Brasileiros).

Na mesma linha, a Confederação Nacional das Cooperativas de Infraestrutura defende que, para serem classificados como cooperados, os consumidores precisam ter participado do processo de aquisição dos painéis, além de participarem da administração da fazenda.

O argumento é semelhante ao utilizado pelas distribuidoras de energia que, apesar de serem dos mesmos grupos de várias das empresas que vendem assinatura solar, atuam separadamente. "Esse modelo tem produzido um aumento de custos para os consumidores de energia elétrica utilizando de uma forma inadequada a alternativa de geração distribuída compartilhada", diz Marcos Madureira, presidente da associação que representa o setor.

O assunto é tratado como sensível dentro das empresas, já que se o plano de fiscalização da Aneel seguir os argumentos da área técnica do TCU é provável que o próprio modelo de negócio esteja ameaçado. E, consequentemente, os bilhões de reais anunciados nos últimos anos nesse mercado –a Absolar calcula R$ 5,2 bilhões desde 2015, considerando apenas as usinas em operação.

Só a Cemig, por exemplo, anunciou no ano passado um aporte de R$ 3,2 bilhões na Cemig SIM, uma das líderes deste mercado —o grupo quer que a subsidiária fique seis vezes maior até 2027.

Já a Origo vendeu 49% de suas ações por R$ 2 bilhões neste ano, a Reenergisa conseguiu um financiamento de R$ 700 milhões com o BNDES para aumentar suas operações e a Raízen fez um aporte (com valores não revelados) na Reverde em 2023.

Em nota enviada à Folha, as empresas citadas pelo TCU disseram seguir a legislação em suas operações; elas não quiseram dar entrevista. A reportagem não conseguiu contato com a Flora.

Pelo tamanho das cifras anunciadas recentemente, especialistas acham improvável que a Aneel siga a linha defendida pelos técnicos do TCU e iniba o funcionamento das empresas. A própria agência confirma que o plano de fiscalização poderá trazer insumos à regulação do tema.

Para Angela Gomes, diretora-técnica da PSR Consultoria, Aneel e empresas buscarão uma saída jurídica para caracterizar o negócio como consumo próprio. "Não é impossível de se fazer, ainda que seja necessário um esforço operacional. Esta saída deve acabar sendo considerada na fiscalização prevista pela Aneel, o que reduz as chances de haver grandes mudanças nos subsídios já concedidos aos projetos existentes", diz.

Pedro Henrique Dante, sócio da área de energia do escritório Lefosse e advogado de empresas que prestam esse serviço, também pensa assim: "A análise técnica do TCU foi bem pesada, falando que há simulação de negócio. Mas se você me perguntar hoje se o modelo de assinatura Netflix do setor de energia acabou, eu te responderei que é o contrário."

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