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Muros entre Estados avançam de forma inédita e não funcionam, diz analista

Em ensaio, cientista política americana Wendy Brown afirma que barreiras reforçam o racismo e só fecham portas de forma aparente, pois pioram problemas

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Washington

A queda do Muro de Berlim parecia sinalizar, em 1989, um novo mundo. Era a fantasia de uma aldeia global sem barreiras, por onde tudo e todos poderiam circular de modo livre. Ledo engano.

Desde então, governos se puseram a reforçar fronteiras em uma escala inédita, diz a cientista política americana Wendy Brown, autora do ensaio "Estados Murados, Soberania em Declínio".

BERLIM, ALEMANHA, 1989 - Soldados da Alemanha Oriental Socialista patrulham o muro, eles tinham ordens de atirar para mata. Foto captada pelo jornalista e correspondente da Folha, Marcelo Leite, que fez a cobertura jornalistica sobre o Muro de Berlim na década de 80. - Arquivo pessoal

Brown lida, neste livro de 2010 lançado agora no Brasil, com os dois muros mais conhecidos hoje. O primeiro deles é aquele entre os Estados Unidos e o México, cuja construção segue no cerne da campanha presidencial americana. O segundo é o que divide Israel dos territórios palestinos, uma peça-chave do conflito corrente.

Mas a cientista política também trata de outras tantas barreiras, em lugares como África do Sul, Arábia Saudita, Índia, Uzbequistão, Tailândia e Espanha. É um fenômeno extenso e intenso.

Sua tese é a de que governos —ricos e pobres— constroem muros como uma reação às devastações causadas pela globalização neoliberal. Brown cita como exemplos a redução do poder aquisitivo das classes baixa e média e o aumento do custo de vida, em especial da moradia.

"A reação política foi a de fechar as portas, culpar imigrantes e fomentar o racismo que está na base dos etnonacionalismos", afirma. E o caso dos Estados Unidos, diz, "é o objeto de estudo mais fácil."

Brown afirma que Donald Trump mobilizou, nas eleições presidenciais de 2016, uma população branca americana ansiosa com sua precariedade econômica. Sugeriu a ela que o problema era a figura do imigrante latino-americano. Para barrá-lo, vendeu a ideia de um grande muro com o México.

"O muro é a imagem de um homem forte, de uma nação forte repelindo seus problemas", diz. É uma ideia de "nós, os americanos brancos, ameaçados por eles, mais escuros, ao sul da fronteira".

Isso acontece também na União Europeia. A chegada de centenas de milhares de refugiados sírios, a partir de 2011, alimentou partidos xenófobos da ultradireita. Fronteiras foram reforçadas de tal maneira que ameaçaram a ideia da livre movimentação, fundamental ao bloco.

O caso do Reino Unido é bastante simbólico também. Britânicos votaram contra a circulação de pessoas e bens e decidiram, em 2016, deixar a União Europeia, o brexit. Não é um muro concreto, de tijolos. Mas não deixa de ser um reforço de fronteiras nacionais.

Muros existem há bastante tempo, é claro. São um elemento básico das cidades medievais. "É uma maneira de estabelecer limites, dizendo ‘estamos aqui dentro e, do lado de fora, há uma vastidão’."

Só que os muros erguidos nestes últimos 30 anos não têm precedentes, insiste Brown, por duas razões. Em primeiro lugar, porque eles estão sendo construídos por todas as partes ("todo mundo quer um muro agora", afirma). Em segundo lugar, porque essas barreiras não funcionam.

Muros não impedem mais os fluxos de pessoas, bens e ideias, diz. Apenas os desviam, encarecem e criminalizam. A imigração na fronteira dos Estados Unidos com o México, afinal, segue intensa. É uma das questões que mais ameaçam a campanha do presidente Joe Biden.

Barreiras, Brown sugere, inclusive agravam os problemas que deveriam solucionar. Cita o exemplo de Israel. Há a ideia de que o muro na Cisjordânia "funcionou", porque reduziu o número de atentados. "Mas o nível de violência piorou, e a solução política foi adiada."

Tudo isso indica, segundo o livro, que os Estados vivem uma crise existencial. Circula desde o século 17 a noção de que os países são soberanos dentro de seus territórios. Essa soberania, porém, é ameaçada pela circulação de pessoas e bens.

Brown dá, outra vez, o exemplo do Reino Unido. Uma das razões que levaram tantos a votar pelo brexit foi a sensação de que seu governo já não tinha o poder de tomar decisões. Este estaria em parte nas mãos de instituições da União Europeia, e não no Estado britânico. Sair do bloco era um jeito de recuperar parte da soberania perdida e trazê-la de volta para Londres.

"A ideia da Paz de Vestfália é a de que os Estados são todo-poderosos, que não existe nada além ou acima deles", diz Brown. "Mas poucos Estados ainda têm essa capacidade, que foi erodida pelo capitalismo neoliberal. Sua capacidade de realizar projetos está constrangida por outras forças."

Estados Murados, Soberania em Declínio

Avaliação:
  • Preço: R$ 66 (224 págs.)
  • Autoria: Wendy Brown
  • Editora: Kazimira
  • Tradução: Mariana Strassacapa

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