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Descrição de chapéu Eleições na Venezuela

Supremo chavista chancela contestada reeleição de Maduro e não divulga atas

Corte da Venezuela usa Brasil como exemplo em comparação distorcida para validar suas ações e pede que Procuradoria investigue opositores por divulgar comprovantes eleitorais

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Buenos Aires

Como esperado, o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), a máxima corte da Venezuela, chancelou a contestada reeleição do ditador Nicolás Maduro, em decisão proferida nesta quinta-feira (22), exatos 25 dias após a eleição presidencial de 28 de julho.

A corte pediu ao Poder Eleitoral que publique os resultados no Diário Oficial. Segundo essas cifras, que não estão detalhadas, Maduro venceu com quase 52% dos votos. O TSJ foi omisso, no entanto, em relação à divulgação das atas, os comprovantes de votação, reservando-se a dizer que esses documentos devem ficar sob tutela judicial daqui em diante.

O ditador Nicolás Maduro participa de ato na capital Caracas com seus apoiadores - Xinhua

Após as eleições e a contestação dos resultados pela oposição e por boa parte da comunidade internacional, Maduro acionou o Supremo local em busca de validar o resultado oficial, em uma estratégia amplamente criticada, inclusive pela diplomacia brasileira.

A decisão desta quinta-feira, assim, aprofunda a crise local e torna mais difícil a tarefa de parte da comunidade internacional, Brasil e Colômbia à frente, de buscar uma negociação entre regime e oposição, que chamou o processo de fraudulento e se declarou vencedora.

"Com base nos resultados do processo de auditoria, concluímos que os boletins emitidos pelo Conselho Nacional Eleitoral estão respaldados pela atas emitidas pelas máquinas de votação e, assim, essas atas mantêm plena coincidência com os registros das bases de dados dos centros nacionais de totalização", diz um trecho lido da decisão.

A corte também reiterou que o CNE teria sido alvo de um ataque hacker que retardou a contagem dos votos e inviabilizou sua divulgação desagregada imediatamente. O regime tem dito que algumas organizações já admitiram ter feito parte do ataque. As informações são pouco transparentes.

O Supremo ainda ampliou as ameaças contra a oposição e pediu que a Procuradoria investigue aqueles que divulgaram em uma plataforma atas eleitorais. A Justiça as considera falsas, ainda que checagens independentes ao redor do mundo já tenham atestado a veracidade desses documentos com base em amostragens.

Segundo o TSJ, o candidato da principal coalizão opositora, Edmundo González, sofrerá sanções por não ter comparecido aos eventos chamados pela corte, mas não detalhou quais seriam.

Para argumentar que tem competência de decidir sobre o assunto, a despeito do que dizem a oposição e organizações como a ONU, o Supremo deu alguns exemplos internacionais, ainda que com comparações equivocadas. Um deles foi o Brasil.

"Quando se apresentaram denúncias sobre fraude eleitoral, eles tiveram intervenção do Tribunal Superior Eleitoral para recuperar a tranquilidade social e derrotar as intenções de provocar uma crise social", disse o TSJ. O TSE é o equivalente, porém, ao CNE (Conselho Nacional Eleitoral), o Poder Eleitoral que, pela lei venezuelana, tem a prerrogativa de chancelar resultados de pleitos, e não o TSJ.

Nas eleições brasileiras de 2022, assim como em todas as anteriores, houve divulgação imediata dos resultados desagregados da votação, por localidade, o que não ocorreu no processo eleitoral venezuelano.

Em carta pública divulgada na quarta-feira (21), Edmundo González e a líder opositora María Corina Machado reiteraram o argumento de que o Supremo não pode "se atribuir funções do órgão eleitoral, pois elas não lhe competem". A oposição minoritária e chavista —mas antimadurista— diz a mesma coisa.

A dupla que representa a corrente opositora majoritária prontamente afirmou que a decisão do Supremo não tem validade.

O regime começa também a ameaçar os opositores que não validarem o que disse o TSJ. O número 2 da ditadura, Diosdado Cabello, afirmou em um programa que mantém na rede pública de TV que quem não reconhecer a decisão da corte não poderá concorrer às eleições regionais que, em teoria, ocorrerão em 2025.

A demanda opositora e de países como Brasil e Colômbia, que ainda tentam costurar negociações em Caracas, é a de que o órgão eleitoral publique os resultados desagregados e libere as atas.

Um dos temas-chave que se colocam é como o governo do presidente Lula (PT) agirá a partir daqui. Na última semana, o petista disse em uma entrevista que aguardava o posicionamento do tribunal.

Reservadamente, membros da diplomacia afirmavam que, se o regime conseguisse a chancela do Supremo e mantivesse a decisão de não divulgar as atas, o entendimento seria o de que a Venezuela enveredou para uma "Nicarágua 2.0", alusão à ditadura do país centro-americano.

No último sábado (17), a Agência Venezuelana de Notícias, órgão estatal, informou que o TSJ teria finalizado a auditoria de ao menos 60% das atas que os militares teriam lhe entregado. São esses documentos que agora a corte fala em ficar sob sua tutela.

Quem também se adiantou ao anúncio da Justiça foi a Missão Internacional Independente da ONU para a Venezuela, um grupo de trabalho criado pelo Conselho de Direitos Humanos da organização para acompanhar potenciais violações perpetradas por Caracas. A missão disse durante a manhã desta quinta-feira que nem o TSJ nem o CNE podem ser considerados independentes.

Um dos primeiros líderes regionais de peso a criticar o anúncio do Supremo, o chileno Gabriel Boric disse que a decisão "é infame".

"Não restam dúvidas de que estamos diante de uma ditadura que frauda eleições, reprime os que pensam diferente e é indiferente diante do maior exílio do mundo, somente comparável ao da Síria, que neste caso é produto de uma guerra", escreveu ele no X.

Depois dele, o chanceler do governo de Luis Lacalle Pou no Uruguai, Omar Paganini, afirmou que "de maneira alguma a decisão é um pronunciamento de credibilidade".

No Brasil, ainda que o Itamaraty não exponha de forma pública essa proposta, o assessor da Presidência para política externa, Celso Amorim, voltou a defender a ideia de que se realizem novas eleições na Venezuela —algo já rejeitado tanto pelo regime quanto pela oposição.

Falando ao serviço da rede CNN em espanhol nesta quarta, Amorim disse: "Se os dois lados dizem que ganharam, por que não querem outra eleição na qual se poderiam evitar os problemas que dizem que contaminaram essa eleição? Se ganhou, vai ganhar novamente."

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