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Trilogia sobre educação mostra nova trincheira do bolsonarismo contra esquerda

'Pátria Educadora', da Brasil Paralelo, acerta ao questionar atual modelo, mas dá respostas rasas

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São Paulo

Desde o início do governo de Jair Bolsonaro, o interesse de parte da direita brasileira pelo dia 31 de março vem sendo renovado pela Brasil Paralelo. A produtora de vídeos gaúcha costuma escolher o aniversário do golpe de 1964 para lançar suas produções.

No ano passado, foi um documentário condescendente com a deposição do presidente João Goulart pelos militares. Neste ano, é uma ambiciosa trilogia sobre a educação brasileira, “Pátria Educadora”.

O apego à data é tamanho que o lançamento online foi mantido em plena crise do coronavírus, o que acabou diminuindo muito seu impacto. Apenas premières previstas para cinemas foram suspensas.

Os números envolvidos são grandiosos. São cerca de três horas e meia de duração no total, acessíveis sem custo no YouTube, e mais 40 minutos extras para assinantes. Até a tarde de domingo (5), os três filmes tinham conjuntamente cerca de 1,3 milhão de visualizações.

O presidente Jair Bolsonaro, ao lado de Olavo de Carvalho e do ministro Ernesto Araújo (Relações Exteriores) - Alan Santos/Presidência/AFP

A produção, diz a Brasil Paralelo, custou R$ 2 milhões e o trabalho intenso de 20 pessoas durante um ano.

A empresa diz que não aceita dinheiro público e se financia apenas com recursos de membros pagantes. Talvez tenham dado o passo maior do que a perna, vide os irritantes apelos por assinaturas ao custo de R$ 10 veiculados em intervalos de poucos minutos nos filmes, com o mote “não deixe nosso sonho acabar”.

Correndo ou não o risco de morrer, a Brasil Paralelo tornou-se a produtora por excelência do conservadorismo bolsonarista, com o filósofo Olavo de Carvalho como figura de destaque nos vídeos e grande inspiração ideológica.

“Pátria Educadora” é uma produção que segue o nicho de documentários engajados que está em alta já há alguns anos, cuja maior expressão foi “Democracia em Vertigem”.

A exemplo da produção pró-PT indicada ao Oscar, “Pátria” é bem feito tecnicamente, traz bons depoimentos e imagens de arquivo e lança questionamentos pertinentes. Mas não se engane: é cinema enviesado.

A própria escolha do tema é reveladora. A educação, para os conservadores, é hoje o principal front da batalha contra o “marxismo cultural”, um suposto domínio da esquerda sobre a produção e a difusão de conhecimento.

O título faz troça com o slogan do segundo governo da ex-presidente Dilma Rousseff, interrompido pelo impeachment em 2016. De modo geral, “Pátria Educadora” vai bem nas perguntas que faz e é simplificadora nas respostas que dá.

Por que o Brasil, cujo gasto com educação é maior do que o de países mais desenvolvidos, não consegue sair das últimas colocações em rankings internacionais de aprendizado?

Por que as universidades brasileiras produzem tantos artigos científicos de baixa qualidade? Por que o acesso universal à educação infantil não se traduz em jovens mais preparados? A gigantesca estrutura educacional, concentrada no MEC (Ministério da Educação), não deveria ser mais enxuta e descentralizada?

São provocações bem colocadas, apresentadas com dados persuasivos sobre nossa tragédia educacional.

Depoimentos de educadores, cientistas políticos, diplomatas, historiadores e filósofos, todos à direita no espectro ideológico, somam-se a uma bem feita reconstituição da história da educação no Brasil e no mundo. O papel de Gustavo Capanema, Anísio Teixeira e outras referências da área está presente.

Em alguns momentos é quase possível esquecer que se trata de uma trilogia engajada, mas as numerosas falas de Olavo de Carvalho e do folclórico ministro da Educação, Abraham Weintraub, acabam desmoralizando qualquer pretensão de sobriedade.

A resposta da trilogia para as perguntas que faz é rasa, para dizer o mínimo. Em uma frase, é tudo culpa da esquerda.

É a mentalidade esquerdista que tornou o Brasil tão atrasado em matéria de educação, diz “Pátria Educadora”: a esquerda que aparelhou as universidades, menospreza o ensino de exatas, incentiva o desrespeito aos professores e promove a balbúrdia em festas com sexo, álcool e drogas.

E também que incentivaria as discussões sobre gênero, sexualidade, racismo e xenofobia, contra os valores da família, da ordem e da pátria.

Nessa justificativa, revela-se mais uma vez a obsessão do conservadorismo com a figura de Paulo Freire. O autor de “Pedagogia do Oprimido” é praticamente pauta única do segundo filme da trilogia, que tem 1h10 min de duração.

O patrono da educação brasileira, morto em 1997, é descrito como a fonte de todos os males, do suposto atraso no nosso método de alfabetização à criação de um clima de anarquia nas salas de aula.

Até a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (aprovada por um governo tucano) e a dificuldade de tradução de artigos brasileiros para o inglês caem na conta dele. Nem o PT deve achar Paulo Freire tão importante assim.

Em compensação, não há palavra sobre o caos que tem sido a educação no governo Bolsonaro, primeiro com a incapacidade de gestão do ministro Ricardo Vélez Rodríguez, depois com a boçalidade de Weintraub e seu vídeo dançando com guarda-chuvas.

Os problemas do ensino brasileiro são uma herança coletiva ao longo de décadas, e a esquerda certamente tem sua parcela de responsabilidade. O fato de ser identificada como "a" culpada é sintomático do estado de ânimos dos conservadores nesse tema.

“A educação brasileira é tirânica”, diz Olavo de Carvalho em uma das suas falas, num chamado aos discípulos para empreenderem a batalha pelo ensino, contra a influência do marxismo e o poder do Estado centralizador.

Como mostra "Pátria Educadora", esta guerra mal começou, e é difícil imaginar como alunos e professores se beneficiarão dela.

Pátria Educadora

  • Produção: Brasil Paralelo
  • Duração da trilogia: 220 minutos
  • Disponível no YouTube, no canal da Brasil Paralelo​

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