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Advogadas trans aliam profissão e ativismo na luta por seus direitos básicos

Tanto na advocacia particular quanto em entidades da sociedade civil, profissionais atuam na defesa dos direitos da população LGBTI

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São Paulo

Sem legislações federais que garantam direitos básicos à população LGBTI, boa parte das recentes conquistas —como a possibilidade de alterar o nome da certidão de nascimento diretamente no cartório ou o enquadramento da LGBTfobia como crime de racismo— vieram pelo caminho do Judiciário.

Na linha de frente dessas disputas jurídicas, alguns dos atores envolvidos são advogadas e advogados trans que usam o direito como mecanismo contra as injustiças a que pessoas LGBTI estão submetidas.

Ainda não há um mapeamento da advocacia trans no Brasil. Desde 2017, advogadas e advogados passaram a poder utilizar o nome social em suas carteiras da OAB. Com isso, mesmo sem alterar a certidão de nascimento, passou a ser possível advogar utilizando-se o nome correspondente ao gênero com o qual a pessoa se identifica.

A decisão do conselho federal da entidade foi resultado de uma solicitação feita pela advogada de São Paulo Márcia Rocha, que foi a primeira advogada a receber a carteira da OAB com seu nome social.

A empresária e advogada Márcia Rocha, que também coordena a entidade Transempregos - Fernando Moraes/UOL

Atualmente, de acordo com dados da OAB Nacional, há 24 advogados e advogadas no país que utilizam nome social.

Textos veiculados na imprensa ainda em 2018 noticiaram que, naquela época, o número havia passado de 50. Essa diminuição do número pode estar ligada a uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal)

Desde 2018, pessoas trans deixaram de depender de autorização judicial para alterar seu registro civil. A mudança agora pode ser feita diretamente nos cartórios e não depende de exigências, como apresentação de laudo médico.

Com isso, advogadas que utilizavam o nome social na carteira da OAB e fizeram a alteração do seu registro civil deixaram de utilizar o nome social, já que o nome com o qual se identificam passou a constar em sua certidão de nascimento.

Com mais de 400 mil profissionais inscritos, a OAB de São Paulo teve até hoje 12 advogadas e advogados que solicitaram mudança de nome no registro profissional.

Este é o caso da advogada Maria Eduarda Aguiar, que é presidente do Grupo pela Vida e fez sustentação oral no STF no julgamento que enquadrou a LGBTfobia como crime de racismo. Ela falou em nome da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais).

Maria Eduarda foi a primeira a obter a carteira com nome social na OAB do Rio de Janeiro, em 2017. Mas, desde então, alterou seu registro civil e deixou de usar o nome social.

"Antes do nome social, era complicado porque eu já estava no processo de retificação civil, só que eles exigiam laudos, laudos que eu não tinha, e o juiz não queria dar a minha identificação se eu não tivesse um laudo psiquiátrico. Foi muito complicado. Só em 2018 é que sai a decisão do STF permitindo fazer em cartório, mas antes disso era só pela via judicial", conta Maria Eduarda.

Diferentemente de quando se altera o registro civil, no caso dos advogados e advogadas que utilizam o nome social, constam os dois nomes na carteira da OAB, o social e o da certidão de nascimento.

Márcia Rocha conta que não quis alterar seu registro civil. “Eu não quis mudar o meu nome, eu queria acrescentar o nome social (...) Por uma série de motivos, inclusive tenho empresa, ter que mudar tudo é muito complicado, mas quero poder usar o nome social que é o nome condizente com a minha imagem.”

Ela também aponta que ter os dois nomes é uma forma de ativismo.

“Eu luto pelo direito de pessoas trans. Então, eu ter os dois nomes deixa bem claro que é uma pessoa trans. É uma forma de ativismo, dura, pra mim, porque você chega nos lugares e às vezes o cara coloca Márcia, às vezes coloca Marcos, então tem que explicar e tudo.”

Maria Eduarda aponta a importância de que juízes e operadores do direito se familiarizem com as questões de gênero e sexualidade. Dessa perspectiva, ela considera muito positivas iniciativas como o curso de especialização Gênero e Direito da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro (Emerj).

“Muitas vezes as pessoas falam assim: 'Ah, isso é coisa para mulher'. Mas não é coisa para mulher, é para todo mundo entender. Porque é necessário que um juiz entenda isso, quando ele for julgar uma causa que envolva uma mulher, uma pessoa LGBTI ou uma pessoa em um contexto de maior vulnerabilidade, para que ele possa entender esse contexto.”

Uma de suas clientes, após ter sido expulsa de um banheiro e entrar com ação por dano moral, teve o valor de indenização estipulado em R$ 5.000 na Justiça.

“Se o julgador tivesse a dimensão do dano, se ele conseguisse entender que essa é uma das maiores formas de violência que são feitas contra a população trans, talvez ele entendesse esse dano como um dano social muito maior, mas muitas das vezes não é entendido dessa forma”, diz Maria Eduarda.

Amanda Souto Baliza, primeira mulher trans a retificar seu registro profissional na OAB-GO após alterar seu registro civil - Arquivo pessoal

Apesar de a regra da OAB estar em vigor desde 2017, em julho deste ano a advogada Amanda Souto Baliza foi a primeira mulher trans a retificar seu registro profissional na OAB de Goiás, após alterar seu registro civil.

Ela advoga há cerca de sete anos e, três anos atrás, começou seu processo de transição de gênero.

Amanda é colaboradora jurídica da Aliança Nacional LGBTI+, um dos projetos em que ela atua busca criar pontes com as secretarias estaduais de Segurança Pública, para que sejam incluídas nos boletins de ocorrência a orientação sexual e de gênero.

“É uma luta constante, às vezes até muito difícil, porque, quando a gente pega os direitos conquistados pela comunidade aqui no Brasil, não existe direito conquistado em lei federal."

"Todos esses direitos foram conquistados ou no Judiciário, ou em portaria, ou em resolução, ou coisas nesse sentido. E aí acaba sendo muito frágil. E, com essa fragilidade, ela depende muito da atuação dos advogados.”

“Hoje eu vejo o direito LGBTI, como algo que me faz bem, em questão de saúde mental mesmo. Parece que, quando termino de redigir a petição, me sinto até mais leve, sabe?”

Ela conta que depois da alteração dos seus documentos passou a ter mais confiança, pois antes tinha receio do constrangimento que poderia ocorrer, ao estar vestida como mulher, mas ter um documento com nome masculino.

“Eu ganhei mais confiança a partir do começo desde ano, mas 100% de confiança só depois que peguei a OAB na mão. É uma forma de evitar constrangimento. Por mais que a gente saiba que tem o direito de não ser desrespeitado e tudo mais, eu gosto sempre de evitar a possibilidade de constragimento. Porque não existe um dano moral que pague.”

Seu processo de transição aconteceu aos poucos. “No começo eu não saía na rua direto, só ia na casa de amigos e tal. Fui dando passos pequenos. Às vezes ia fazer uma audiência, por exemplo, de terno, mas com um vestido embaixo do terno. Aí, quando eu saía, já ia para o carro, tirava o terno e jogava no banco de trás, sabe?”

Segundo dados da Antra, em 2019 houve 124 assassinatos de pessoas trans pelo Brasil. Do total de vítimas, 121 eram travestis e mulheres trans, sendo que 80% delas foram assassinadas com uso excessivo de violência.

Outra desigualdade está na cor das vítimas: a entidade estima que, dos casos identificados, 82% atingiram pessoas pretas e pardas.

Diante desse cenário, as advogadas reconhecem a importância do direito, mas apontam, ao mesmo tempo, que o fundamental é que haja conscientização e respeito por parte da população.

"Nós precisamos, enquanto sociedade, no conceito geral, fazer um grande diálogo sobre respeito. Porque a pessoa não precisa gostar de uma pessoa LGBT, ela não precisa querer ser LGBT, ela não precisa ser LGBT, ela precisa respeitar a pessoa LGBT", afirma Maria Eduarda.

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