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TCU afasta auditor e pede investigação da PF sobre documento com dados falsos citados por Bolsonaro

Funcionário fica impedido de entrar em prédio do tribunal; presidente da República usa dados para sugerir supernotificação de mortos por Covid

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Brasília

O TCU (Tribunal de Contas da União) irá pedir à Polícia Federal investigação sobre documento elaborado por auditor do órgão com informações distorcidas sobre a pandemia de Covid.

A decisão foi anunciada nesta quarta-feira (9) pela presidente do órgão, Ana Arraes, que também determinou abertura de processo disciplinar e afastamento do auditor Alexandre Figueiredo Costa Silva Marques, autor da análise que levou o presidente Jair Bolsonaro a sugerir, mais uma vez sem provas, uma supernotificação de óbitos pela pandemia no Brasil.

Marques produziu o documento no domingo (6) e compartilhou com colegas. Segundo informações encaminhadas à corregedoria do tribunal, o auditor relatou que comentou o teor de suas opiniões com o pai, Ricardo Silva Marques.

Militar, amigo de Bolsonaro e gerente-executivo de Inteligência e Segurança Corporativa da Petrobras, ele teria encaminhado ao presidente, segundo o servidor do TCU disse a seus chefes.

O presidente Jair Bolsonaro durante evento no Palácio do Planalto, em Brasília - Evaristo Sa - 1.jun.2021/AFP

Arraes atendeu a pedidos do ministro-corregedor do TCU, Bruno Dantas. Ele disse que ainda não há elementos para afirmar que tenha "ocorrido a tentativa de manipulação da atividade fiscalizatória do TCU em razão de sentimento pessoal", mas considera que a gravidade da situação já permite abertura de processo e afastamento do auditor.

Marques já foi retirado da equipe que fiscaliza ações contra a Covid. Agora será afastado do cargo efetivo de auditor por 60 dias. Além disso, fica impedido de entrar no prédio do tribunal e de usar os sistemas da corte.

Em sessão desta quarta do tribunal, a ministra Ana Arraes disse que o afastamento evita que o servidor atrapalhe a apuração interna.

Na última segunda-feira (7), o TCU desmentiu a declaração de Bolsonaro de que o tribunal produziu relatório afirmando que "50% dos óbitos por Covid não foram por Covid". O órgão disse em nota que não elaborou o documento.

Segundo o tribunal, tratava-se de uma análise pessoal de um servidor, que havia sido compartilhada para discussão e não integrava processos oficiais.

Ele compartilhou os dados em aplicativo de troca de mensagens usado por auditores do TCU, segundo uma autoridade que acompanha a discussão. O documento não chegou a entrar no sistema oficial do TCU, afirma o órgão.

"Ressalta-se, ainda, que as questões veiculadas no referido documento não encontram respaldo em nenhuma fiscalização do TCU", afirmou o órgão. A Folha não conseguiu contato com Marques.

Ao pedir a apuração, Dantas afirmou que não se pode descartar a possibilidade de as infrações serem enquadradas como prevaricação.

Relator das fiscalizações sobre a pandemia, o ministro Benjamin Zymler disse que o TCU jamais "defendeu a tese" de que há exagero na soma de mortos por Covid.

Segundo Zymler, o tribunal apenas "deu ciência" ao Ministério da Saúde, em 2020, de que distribuir recursos federais pelo país com base apenas na incidência da doença poderia levar à distorção dos dados. "De nenhuma forma fizemos qualquer estudo ou trabalho acerca dessa supernotificação."

Zymler também afirmou que é comum um auditor apresentar estudos em discussões internas sobre fiscalizações do tribunal, mas que esses documentos não podem ser lidos como posições finais da corte.

Na mesma reunião, Dantas disse que a sanção administrativa ao servidor deverá ser "rigorosa e exemplar", caso "os fatos se confirmem".

"O certo é que o tribunal não permitirá que convicções pessoais, de quem quer que seja, afetem a sua imagem", declarou o ministro-corregedor.

O auditor Alexandre Marques foi indicado para a diretoria de compliance do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) em 2019, mas acabou barrado para o órgão pelo próprio tribunal.

Integrantes do TCU dizem que filhos do presidente Bolsonaro, entre eles o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), estariam por trás dessa indicação à época. O senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) disse desconhecer o auditor.

Após ser desmentido, Bolsonaro disse na terça-feira (8) que errou ao atribuir à corte o documento, mas insistiu que há indícios de supernotificação das mortes por coronavírus no país. Ele afirmou ter acionado a CGU (Controladoria-Geral da União) para investigar essas suspeitas.

"O TCU está certo, eu errei quando eu falei tabela, o certo é acórdão", disse Bolsonaro em conversa com apoiadores ao deixar o Palácio da Alvorada, a residência oficial da Presidência.

Mais uma vez, porém, ele não apresentou nenhuma prova que embase a afirmação —ao mencionar indícios, citou apenas "vídeos no WhatsApp".

"As revelações que se tornaram públicas até o momento, apontam fatos que, se comprovados, se revestem de extrema gravidade, na medida em que, além da possível infração disciplinar, atingem de maneira severa a credibilidade e a imagem institucional do Tribunal de Contas da União", escreveu Dantas no despacho.

Bolsonaro ainda disse nesta quarta-feira que um dos acórdãos do TCU que trariam suspeita de supernotificação na pandemia foi retirado do ar —apesar de os relatórios citados pelo mandatário estarem disponíveis normalmente no portal do órgão.

"O TCU fez dois acórdãos, não sei porque um não está, tiraram do ar. Não sei por quê, mas nós temos aqui, dizendo que o critério mais importante para mandar recursos para estados eram notificações de Covid", disse o presidente, em conversas com apoiadores em frente ao Palácio da Alvorada.

A fala foi transmitida por um site bolsonarista. "Temos aí os dois acórdãos do TCU, um foi retirado do ar, não sei por quê", insistiu, em outro trecho da gravação. Procurada, a assessoria do TCU informou que "nenhum acórdão foi retirado do site".

Bolsonaro voltou a declarar que os documentos do TCU indicam que houve ação deliberada de governadores para inchar os registros de casos de Covid no Brasil.

"O próprio TCU disse que essa prática poderia não ser a mais salutar porque incentivaria as supernotificações. Então, os governadores, alguns governadores, para poder receber mais dinheiro, notificavam mais Covid, inclusive mortes", afirmou.

"Vocês devem ter visto na internet aí a quantidade de pessoas revoltadas porque o parente não havia morrido de Covid e botavam no atestado de óbito Covid. Isso, realmente, pelo que tudo indica, [é] um forte indício de que tivemos as supernotificações no Brasil", disse o presidente.

Bolsonaro afirmou ainda que dados anuais de causas de morte no Brasil também sugerem supernotificação, que teriam sido justificadas por governadores e prefeitos com a adoção de medidas de isolamento social.

"Eu entendo que, realmente, isso tem que ser analisado. E, no meu entendimento, tivemos sim supernotificações no Brasil. Então, tem alguns governadores que praticaram isso daí", disse.​

'Não sei quem é', diz Flávio

O senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro, disse que não conhece o auditor Alexandre Figueiredo Costa Silva Marques, que inseriu documento com informações distorcidas sobre a Covid dentro do sistema do TCU e acabou afastado do órgão.

“Se passar do meu lado, não sei quem é”, disse Flávio nesta quarta-feira (9), durante entrevista coletiva em Washington. “Pelo menos não me lembro quem é, de nome, assim, não estou me lembrando.”

O senador faz parte da comitiva brasileira que viajou aos Estados Unidos para debater a tecnologia 5G com o governo e investidores americanos. Flávio aproveitou para rebater a existência de um gabinete paralelo para aconselhar o presidente, mas admitiu a influência que os filhos têm sobre o processo decisório no Planalto.

“Sou senador da República, sou filho do presidente. Óbvio que tenho acesso ao presidente todos os dias. Ele é uma pessoa adulta. Ele ouve um filho, ouve o outro e a decisão final é dele. Ele é o presidente da República, ele foi eleito para isso.”

Colaborou Marina Dias, em Washington

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