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Britânicos fazem fila para se esbaldar com diversão e arte após fim de restrições na pandemia

Jovens ingleses voltam às casas noturnas após 16 meses de fechamento devido à Covid-19

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Rogério Simões
Londres

Um grito de liberdade e um símbolo nacional. A volta dos jovens ingleses às casas noturnas, após 16 meses de fechamento devido à pandemia de Covid-19, ocorreu por meio de uma das maiores tradições do país: a fila.

Na noite de 18 de julho, milhares de “clubbers” tomaram as calçadas em frente a discotecas para se posicionar um atrás do outro e aguardar o dia seguinte, batizado na imprensa local de “Dia da Liberdade”.

Logo após a meia-noite, no primeiro minuto do dia 19, quando as últimas restrições legais à interação física entre pessoas foram eliminadas na Inglaterra, os jovens lançaram-se ao ambiente escuro da pista de dança e celebraram como se nascessem de novo.

“Não era noite de Ano Novo, mas o clima era parecido”, escreveu o diário Metro, de Londres, ao lado de imagens de filas e celebrações em Brighton, Leeds, Londres e Manchester.

Desde então, por toda a Inglaterra —a maior das quatro nações do Reino Unido, a música toca alto nas casas noturnas, peças do circuito londrino são aplaudidas de pé, corredores dos museus voltam a encher e o público pula e canta ao som de guitarras e teclados dos shows ao vivo.

Toda atividade cultural está liberada, e o uso de máscara não é mais obrigatório. Na Irlanda do Norte, algumas restrições foram mantidas, mas escoceses e galeses só tiveram de esperar mais algumas semanas pelo fim das restrições.

Os britânicos ficaram então livres para se esbaldar como se fosse 1999, 2006 ou fevereiro de 2020. Ao menos esse era o plano. Apesar do Réveillon fora de época, a mudança tem sido lenta, gradual e incerta.

“Tem sido ótimo”, disse à Folha Revo Ziganda, diretor da promotora de eventos Evol, de Liverpool, organizadora do festival local FestEvol. “As ruas estão movimentadas, as casas noturnas estão vendendo todos os ingressos, e os shows voltaram a acontecer.”

Foram 16 meses muito ruins, porém. “Não havia dinheiro entrando, eu já tinha feito depósitos para shows que ficava remarcando, sem saber se iriam acontecer”, lembra.

O FestEvol foi até agora o grande teste de Liverpool: mais de 40 artistas se apresentando em dois sábados, 7 e 14 de agosto, em lugar fechado, a Invisible Wind Factory, no norte de Liverpool.

“Insistimos para que nossa equipe, funcionários da casa e artistas fizessem testes de coronavírus antes de vir. Também pedimos ao público que fosse responsável e fizesse o teste”, conta Ziganda. Para o festival, a lotação da casa de shows, que abriga mil pessoas, foi limitada em 70%.

No Reino Unido, essa é a nova regra do jogo —ou melhor, da balada: os estabelecimentos adotam medidas que acharem adequadas. O público é aconselhado a fazer teste de Covid antes de um evento com aglomeração. O sistema público de saúde envia para a casa de qualquer pessoa um kit com sete testes rápidos.

Foi o que fizeram muitas das 40 mil pessoas que estiveram no Latitude, de 23 a 25 de julho, em Southwold, na Inglaterra. Para entrar no festival, usado pelo governo como um dos vários “eventos-teste”, todos tinham que apresentar exame negativo para o coronavírus ou provar ter sido vacinado com duas doses.

A recompensa foi ver ao vivo artistas como Wolf Alice, The Chemical Brothers, Bastille e Kaiser Chiefs, sem máscara ou distanciamento social.

A aposta das autoridades é que, apesar do avanço da variante delta, a combinação do alto nível de vacinação da população, testes disponíveis a todos e medidas localizadas garantirá que lockdowns sejam coisa do passado.

No entanto, com 76% da população adulta já imunizada, o Reino Unido enfrentou uma queda no ritmo de vacinação. A dificuldade maior tem sido levar os jovens —de 18 a 30 anos— à ponta da agulha.

Em resposta, vieram novas estratégias. Casas noturnas, como a Heaven, no centro de Londres, viraram centros de vacinação nas horas vagas. O governo também fez parcerias com aplicativos de transporte e de entrega de comida para oferecer aos jovens descontos em troca de uma ida ao posto de vacinação.

A partir de setembro, quem quiser balançar nas pistas terá de comprovar ter recebido duas doses de vacina.

No setor de teatro, as restrições de ocupação foram eliminadas em 19 de julho. Agora, cada casa define suas regras.

Em agosto, a Royal Shakespeare Company anunciou que o uso de máscaras no seu Royal Shakespeare Theatre, na cidade de Stratford-upon-Avon, não seria mais obrigatório. A capacidade do teatro, antes limitada a pouco mais de 60%, foi elevada a 80%, passando de 310 a 400 poltronas.

Museus e galerias britânicos voltaram a funcionar, com cuidados. “Por favor use uma cobertura para o rosto”, pede a Tate Modern, em Londres. “Coberturas para o rosto são recomendadas para a proteção sua e dos outros”, informa o Museu Britânico, também na capital.

Cinemas também já operam sem distanciamento social.

Mas o Reino Unido está calejado. Apesar de considerado pouco provável por especialistas, um recuo na abertura não está descartado. O recente avanço da variante delta assustou metade da população.

Segundo pesquisa do instituto You Gov, dos dias 29 e 30 de julho, 46% dos ingleses achavam que o fim das restrições legais no dia 19 fora prematuro. Os que concordaram com a medida somaram 33%, e 12% disseram que ela deveria ter ocorrido antes.

A maioria (76%) mostra preocupação com a atual ausência de distanciamento social.

A felicidade com o retorno de festivais e pistas de dança também não foi compartilhada pelos ouvidos na amostra: 43% disseram querer que grande eventos culturais e esportivos voltem a ser proibidos, e 50% defenderam o fechamento das casas noturnas.

Até quem estava esquentando os passos havia meses preferiu adiar seu retorno às pistas. No final de julho, muitos dos que haviam comprado ingressos para baladas em casas noturnas não foram, em uma mistura de incerteza quanto às novas regras e medo da variante delta. Segundo o jornal The Guardian, a casa Lab 11, em Birmingham, devolveu o dinheiro para até 40% do público de alguns eventos. Em um deles, com 1.500 ingressos vendidos antecipadamente, só 850 compareceram.

Milhares de teatros, casas noturnas, festivais, galerias, cinemas e outras instituições só sobreviveram aos efeitos da pandemia graças ao 1,57 bilhão de libras (mais de R$ 11 bilhões) do Fundo de Recuperação da Cultura, criado pelo governo, dinheiro concedido via empréstimos ou subsídio.

Ainda assim, festivais de música, incluindo os mundialmente conhecidos Glastonbury e Womad, foram cancelados neste ano. O motivo: a ausência até então de um seguro para risco de uma suspensão em cima da hora causada por novo avanço da epidemia.

O seguro para eventos culturais ao vivo acabou anunciado neste mês. É um esquema de 750 milhões de libras (cerca de R$ 5,4 bilhões) que estará em vigor de setembro de 2021 a setembro de 2022.

Muitos festivais superaram as dificuldades e estão reunindo multidões neste verão. Entre os sobreviventes estão Reading, Green Man, End of the Road e Isle of Whight.

“Os níveis de animação foram bem mais altos do que antes da pandemia”, disse Ziganda sobre o primeiro sábado do FestEvol. “As pessoas ficaram privadas de música ao vivo, então havia uma alegria palpável e um clima ótimo.”

As medidas de controle adotadas continuarão valendo. “Tudo é uma questão de as pessoas fazerem os testes antecipadamente e ter a tranquilidade que o resultado negativo lhes dá. As casas trabalharam muito duro para oferecer um ambiente o mais seguro possível”, reforça Ziganda, citando o incremento na circulação do ar no interior dos espaços. “Os dias melhores já chegaram”, afirma. “Estão mais perto que o horizonte.”

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