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Agrotóxico faz mal? É possível não usá-lo? Veja o que é verdade e mentira no debate

Riscos são maiores para quem vive no campo; é possível reduzir uso, mas desafio é maior para grandes culturas

Plantação de algodão, cultura que mais usa agrotóxicos no Brasil

Plantação de algodão, cultura que mais usa agrotóxicos no Brasil José Medeiros/Folhapress

São Carlos e São Paulo

A discussão em torno do projeto de lei apelidado de PL do Veneno por ambientalistas acirrou os ânimos entre estes e os ruralistas. Os primeiros argumentam que ao centralizar a avaliação de novos produtos no Ministério da Agricultura, o que tira poder do Ibama e da Anvisa, estaríamos sujeitos a riscos ambientais e de saúde sem precedentes.

Por outro lado, para empresários rurais e para a indústria química, a maior facilidade na regulação e distribuição dos pesticidas ajudaria o país a manter a produtividade no campo.

No momento, o PL 6.299, que tramita em regime de prioridade, encontra-se pronto para ser pautado no plenário da Câmara.

Em meio à guerra de versões, a Folha traz o que a ciência e os cientistas têm a dizer sobre o tema, em 17 perguntas e respostas.

DEFINIÇÃO

1. Agrotóxico é a mesma coisa que defensivo agrícola e pesticida? 
Sim. A diferença está relacionada à decisão de enfatizar determinado aspecto com a escolha da palavra (outro termo usado é fitossanitário). Agrotóxico está correto, já que se trata de substância tóxica usada na agricultura.

O mesmo vale para defensivo agrícola, uma vez que o objetivo da aplicação é defender as plantações. Pesticida quer dizer "o que mata pragas", enquanto a definição de praga, segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), é: "Qualquer forma de vida vegetal ou animal ou qualquer agente patogênico daninho para os vegetais". Dessa forma, não há erro em usar nenhum dos termos acima.

2. Quais são os tipos de agrotóxicos? O que eles fazem?
Há uma enorme diversidade de usos e de composição química dessas substâncias. Além da divisão funcional em herbicidas (contra ervas daninhas), inseticidas e fungicidas, é possível classificá-los de acordo com seu mecanismo de ação sobre as pragas.

Os inseticidas organofosforados e carbamatos, por exemplo, atacam insetos afetando a regulação de uma das principais moléculas mensageiras do sistema nervoso. Os neonicotinoides, também usados contra insetos, atacam outro elemento desse sistema, levando os bichos à morte.

Certos herbicidas, como o glifosato, afetam a produção de aminoácidos, os "tijolos" moleculares usados para montar as proteínas. Há ainda os que levam à dessecação dos tecidos e os que alteram seus processos de crescimento.

AMBIENTE

4. As moléculas dos agrotóxicos são biodegradáveis?
Em princípio, são —para serem aprovados hoje, os pesticidas precisam ter um tempo de vida curto na natureza, entre dias e semanas.

Também se recomenda que haja um intervalo entre a aplicação dos defensivos e a chegada do produto ao mercado, para que haja tempo de essa degradação acontecer, bem como cuidados como a lavagem dos alimentos.

Entretanto, há vários indícios de que esse processo está longe de ser perfeito. O lençol freático de países desenvolvidos frequentemente traz quantidades acima do recomendado de agrotóxicos —inclusive daqueles já proibidos há vários anos. E as versões degradadas das moléculas também costumam persistir com alguma frequência, com efeitos ainda muito pouco conhecidos.

5. Pesticidas estão matando as abelhas e outros insetos polinizadores? 
Ainda não há um veredicto claro, embora os indícios sejam preocupantes. As substâncias que talvez estejam provocando ou potencializando outras causas do colapso de colmeias no hemisfério Norte são os neonicotinoides (como o nome sugere, derivados da nicotina) e as formamidinas.

Estudos feitos em laboratório indicam que os neonicotinoides atrapalham as capacidades olfativas de abelhas domésticas, afetando a busca de alimento, a memória e o aprendizado. A questão, porém, é saber se as concentrações usadas desses inseticidas num contexto agrícola real seriam suficientes para produzir colapsos de colmeias.

Pesticidas em números

Compostos têm efeitos na saúde, no solo e no ambiente

  1. 98%

    dos envenenamentos por agrotóxicos na América Central não são reportados

  2. 42%

    menos espécies de invertebrados habitam cursos d'água bastante poluídos com pesticidas

  3. 85%

    menos novas abelhas rainhas surgem em colmeias expostas a agrotóxicos

  4. 852,8 milhões

    de litros de agrotóxicos foram usados em 2011

  5. 4.300

    casos é a média anual de intoxicações por agrotóxicos no Brasil.

  6. Fontes: Science, Abrasco

6. O que acontece com as pragas após o uso constante das substâncias?
É comum o aparecimento de superpragas —ervas daninhas e insetos com capacidade de resistir a um ou mais tipos de defensivos agrícolas.

O Levantamento Internacional de Ervas Daninhas Resistentes, esforço colaborativo de cientistas da área em 80 países, registrou, só no ano passado, o aparecimento de cinco novas ervas daninhas "turbinadas" no Brasil, das quais quatro são resistentes a múltiplos tipos de herbicidas.

O processo é um exemplo clássico de seleção natural em ação, como ocorre no caso das bactérias que desenvolvem resistência a antibióticos.

Um dos meios de mitigar o problema é combinar a aplicação de dois ou mais agrotóxicos com mecanismos de ação diversos. É importante investigar os efeitos da interação entre os diferentes produtos, diz Leandro Vargas, da Embrapa Trigo e da Universidade Federal de Pelotas (Ufpel, no RS).

7. Há mesmo vantagem dos agrotóxicos mais modernos em relação aos antigos? 
Os agrotóxicos mais modernos, explica o engenheiro agrônomo, Otavio Abi Saab, da Universidade Estadual de Londrina, são usados em quantidade menor. Além disso, os compostos mais modernos, mesmo em baixa quantidade, têm ação mais intensa contra pragas específicas, prejudicando menos outras espécies.

"Uma desvantagem é que eles são mais caros. Além disso, com as moléculas antigas, menos específicas, o produtor pode fazer uma aplicação só, controlando lagarta e percevejo de uma vez", diz Abi Saab.

8. O uso combinado com transgênicos diminui a quantidade de defensivos na lavoura e a resistência das pragas?
Os dados a respeito são complicados e contraditórios —a situação varia dependendo do lugar, do tipo de cultivo e da situação regulatória.

Um estudo sobre o uso de algodão transgênico tolerante a herbicidas indica uma redução de 6,1% no uso do produto entre 1996 e 2011. Esse mesmo algodão, porém, estimulou o surgimento do amaranto-de-palmer (Amaranthus palmeri) resistente ao glifosato na Geórgia (sul dos EUA).

Fenômeno parecido se deu após a introdução (inicialmente clandestina) da soja transgênica resistente ao glifosato no região Sul do Brasil no começo da década passada, conta Vargas —em parte a clandestinidade favoreceu o uso abusivo do herbicida.

"Precisamos de alternativas, seja de novos transgênicos, seja do máximo possível de estratégias de controle de pragas que não envolvam herbicidas", diz Ian Heap, coordenador do Levantamento Internacional de Ervas Daninhas Resistentes.

9. Supondo que o Brasil ou o mundo parasse de usar agrotóxicos, o que aconteceria ao ambiente? 
A grande diversidade das substâncias usadas para esse fim e a complexidade das interações entre elas e diversos tipos de seres vivos fazem com que uma resposta precisa e única para essa pergunta seja muito difícil. "Certamente ainda não estamos em terreno seguro sobre esse tema", diz Heinz Köhler, do Instituto de Evolução e Ecologia da Universidade de Tübingen (Alemanha).

De um lado, muitos países já deixaram de lado ou reduziram o uso de agrotóxicos que permanecem muito tempo no ambiente, como o DDT, responsáveis por episódios de mortandade em massa de vertebrados e invertebrados ao longo do século 20.

O que ainda não está claro é como a aplicação repetida de moléculas menos agressivas pode afetar populações de seres vivos de formas mais sutis ou indiretas. Muitas delas têm efeitos sobre o sistema hormonal ou o sistema imune.

ECONOMIA

10. Quais são os modelos de cultivo que menos precisam de agrotóxicos?
Um consenso entre os acadêmicos conhecedores do sistema de produção de alimentos é que não é possível se livrar dos agrotóxicos, especialmente em grandes culturas. O que dá para fazer é minimizar o uso.

A prática conhecida como manejo integrado lança mão de diversas abordagens, como a instalação de barreiras físicas, uso de controle biológico (insetos e ácaros que comem pragas, por exemplo) e, se necessário, o uso de pesticidas.

"O problema é que essa possibilidade não chega ao produtor. Na citricultura brasileira havia um modelo que fazia manejo integrado, mas isso foi se perdendo. O vácuo entre a pesquisa acadêmica e o produtor no campo impediu a continuidade", diz Uemerson Cunha, professor da Ufpel.

Outra possibilidade de sistema de produção é a agrofloresta, que mistura cultivos distintos em uma mesma área, dentro de uma mata nativa.

Por causa da diversidade, as plantas ficam menos suscetíveis a pragas, mas o esforço de implementação, o ganho de complexidade e o custo inicial acabam afastando o produtor dessa possibilidade, mesmo que a produtividade no final seja aumentada, diz Leandro Galon, da Universidade Federal da Fronteira Sul.

11. Qual seria o impacto econômico da proibição dos agrotóxicos?
O preço dos alimentos tenderia às alturas, devido à baixa produtividade. Algumas lavouras produziriam menos de um terço da safra convencional.

Não se trata de uma alternativa viável para pesquisadores e estudiosos da área. As reivindicações do ponto de vista ambiental e da saúde estão mais para garantir a segurança e reduzir o uso exagerado do que para pleitear a proibição dos agrotóxicos.

A alternativa possível seriam os produtos orgânicos. Mas, do ponto de vista econômico, são itens caros, produzidos em baixa escala em pequenas propriedades.

"Trabalho com produção orgânica, mas não podemos ser extremistas. Na prática, trata-se de um produto de nicho. A produção, perto do contingente nacional, é pouco significativa e não atenderia a população", explica Uemerson Cunha, da Ufpel.

12. É possível ter o mesmo efeito de proteção contra pragas com menos aplicações dos produtos?
Ao menos no curto prazo, não é realista esperar que a agricultura de grande escala no mundo abandone totalmente os agrotóxicos, mas os dados científicos indicam que há bastante espaço para redução e racionalização do uso, bem como para o emprego de estratégias combinadas.

"Sempre vai ser necessário buscar um equilíbrio entre a necessidade de alimentar uma população crescente e a busca da sustentabilidade", afirma o engenheiro Paulo Cruvinel, da Embrapa Instrumentação.

Uma iniciativa da qual Cruvinel participa tem conseguido otimizar os bicos e o tamanho das gotas de produto liberadas por aparelhos pulverizadores, reduzindo a área atingida pelo agrotóxico fora do alvo em até 80% em lavouras de soja e cana.

13. Quais são as culturas que mais usam agrotóxicos no país?

14. Muitos produtos registrados acabam não sendo vendidos no Brasil. Isso não vai contra a tese de que há demanda reprimida de pesticidas?
Não necessariamente. As empresas às vezes usam o registro como uma espécie de “seguro”: embora ainda não tenham certeza se será viável ofertar determinado produto no mercado, preferem passar pelo processo burocrático logo de cara, evitando assim uma espera de anos quando decidirem comercializar aquele agrotóxico.

SAÚDE

14. Quais os efeitos crônicos para a saúde? 
A discussão sobre esse tema é complexa, porque:

  1. Seria eticamente impossível fazer experimentos controlados com humanos
  2. Os resultados obtidos em estudos com animais não podem ser extrapolados facilmente para a nossa espécie
  3. Muitos fatores confundem as análises, já que o organismo é exposto a uma série de outros produtos potencialmente tóxicos, de níveis naturais de radiação à fumaça de carros ou de cigarros.

É preciso ainda diferenciar entre a exposição a agrotóxicos no caso de trabalhadores que lidam diretamente com as substâncias, bem como a população rural que vive em áreas onde há mais exposição, e pessoas que consomem alimentos cultivados com defensivos.

Os dados são bem mais claros para o primeiro grupo, o da exposição mais direta. Nesses, há indícios de aumento do risco de diversas formas de câncer e de malformações na gestação, bem como redução da fertilidade masculina. Um estudo de longo prazo conduzido com famílias de trabalhadores rurais da Califórnia mostrou maior incidência de baixo QI, problemas de atenção e alterações no sistema nervoso de crianças, associados ao uso de organofosforados.

Há ainda o possível impacto das substâncias no sistema endócrino. O ginecologista Dirceu Mendes Pereira, da clínica Genics, em São Paulo, aponta que zonas canavieiras parecem ter índices maiores de mulheres que entram em menopausa precoce.

15. Alimentos orgânicos são mais seguros?
É muito difícil demonstrar —ou rejeitar— a ideia de que alimentos produzidos por métodos orgânicos são mais seguros para a saúde do que os cultivados com agrotóxicos.

Estudos populacionais de grande escala sobre alimentação são complicados de conduzir e controlar (por exemplo, se pessoas que só comem orgânicos são mais saudáveis, será que isso é por causa da alimentação ou porque o público que consome esses alimentos tem uma tendência maior a se cuidar?).

Uma revisão sistemática (análise de estudos), publicada na revista científica Annals of Internal Medicine, mostrou que, em alguns casos, há níveis de pesticidas maiores na urina de crianças que não consumiam orgânicos, mas, em geral, são níveis residuais, cujo impacto clínico pode não ser significativo.

16. Quais os efeitos agudos dos agrotóxicos no corpo?
Os sintomas agudos podem variar de acordo com o tipo de substância e afetam majoritariamente aqueles que trabalham ou moram no campo.

  • Contato direto na pele e nos olhos: vermelhidão, coceira, dermatite, irritação, conjuntivite, queimaduras, lesão na córnea
  • Se inalados: desconforto nasal e oral, gosto ruim na boca, irritação na garganta, dificuldade respiratória
  • Ingestão acidental: irritação do trato gastrointestinal, convulsões, diarreia, hemorragias, parada respiratória, mau funcionamento dos rins e do fígado, espasmos musculares, perda de consciência

17. Agrotóxicos podem causar a morte?
Sim, podem —mas essa informação, por si só, não quer dizer muita coisa, já que praticamente todas as substâncias existentes têm uma dose letal. Embora talvez causem uma quantidade substancial de mortes, é preciso considerar as mortes por envenenamento agudo, ou seja, de curto prazo.

Um relatório da ONU estima que as mortes motivadas por esse fator chegariam a 200 mil por ano, principalmente em países pobres que ainda usam pesticidas menos seguros.

18. Nossos limites para uso de agrotóxicos são mesmo maiores do que os de outros países?
De maneira geral, não.

Como o Brasil exporta grande parte da sua produção, precisa usar níveis de agrotóxicos que atendam às normativas internacionais, especialmente no que diz respeito ao cultivo de frutas e hortaliças, que são consumidas in natura. Se o país não fizer isso, acaba criando barreiras para a exportação de seus próprios produtos.

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