Pesquisa aponta possível relação genética entre homossexualidade e sucesso na reprodução humana

Homossexualidade está presente em uma vasta gama de espécies de mamíferos, aves, peixes e até insetos

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São Carlos (SP)

As variantes genéticas que aumentam a probabilidade de que alguém se relacione com pessoas do mesmo sexo também estão presentes em heterossexuais que conseguem parceiros com mais facilidade, aponta um novo estudo.

Se as conclusões da pesquisa estiverem corretas, ficará demonstrada uma relação paradoxal entre a homossexualidade e a reprodução humana. Segundo a análise, os comportamentos homossexuais continuariam a se manifestar na população porque as variantes genéticas associadas a eles também ajudam os héteros a se reproduzir mais.

O paradoxo e os dados que apoiam a ideia estão descritos em artigo que acaba de sair na revista especializada Nature Human Behaviour. O trabalho, coordenado por Brendan Zietsch, da Universidade de Queensland, na Austrália, é uma continuação de um estudo de 2019 que tinha usado algumas das mesmas bases de dados para investigar as bases genéticas da homossexualidade, definida de modo amplo —foram incluídas na amostra variantes de DNA de pessoas que relataram ter se relacionado com alguém do mesmo sexo ao menos uma vez na vida.

Estudos como esses têm crescido nas últimas décadas porque, quando encarado do ponto de vista estritamente biológico, o comportamento homossexual tem algo de enigmático.

A homossexualidade está presente em todas as culturas humanas e todas as épocas, mesmo quando é brutalmente reprimida. Também já foi identificada numa vasta gama de espécies de animais —mamíferos, aves, peixes e até insetos. Além disso, é possível inferir que há um componente genético que influencia sua manifestação.

Pesquisas com gêmeos univitelinos (idênticos) mostraram que a probabilidade de os dois serem homossexuais é bem mais alta do que a de isso ocorrer quando os gêmeos não são idênticos ou em entre irmãos que não foram concebidos ao mesmo tempo. Como os gêmeos univitelinos carregam quase o mesmo DNA, isso sugere que há fatores genéticos influenciando essa propensão.

No entanto, a lógica mais estrita da seleção natural, que rege a evolução dos seres vivos, indica que uma característica só persiste numa espécie quando ela favorece o sucesso reprodutivo dos indivíduos ou, no mínimo, não o atrapalha. Como os comportamentos homossexuais não favorecem diretamente a reprodução, uma visão mais simplista sugeriria que, com o passar do tempo, eles desapareceriam da população.

É claro que não é isso o que acontece. Pelo contrário: tudo indica que a homossexualidade sempre está presente nas populações humanas, numa proporção minoritária, mas significativa, que fica entre 2% e 10% das pessoas. Tal constatação levou ao surgimento de uma série de hipóteses que propõem um efeito positivo indireto do comportamento homossexual, ou das variantes genéticas associadas a ele, sobre o sucesso da reprodução.

A nova pesquisa de Zietsch e seus colegas dá mais peso a esse tipo de hipótese. Para começar, eles puderam garimpar uma quantidade muito grande de informações, usando bases públicas de dados genômicos sobre quase 400 mil pessoas do Reino Unido e dos Estados Unidos.

O DNA de cada uma dessas pessoas foi mapeado no que diz respeito a milhões de variantes conhecidas como SNPs (pronuncia-se “snips”). Os SNPs correspondem a trocas de uma única “letra” química do DNA (o genoma humano tem 3 bilhões de pares delas). Podem estar associados às mais diferentes características do organismo, embora raramente sejam a causa única delas.

Como os mesmos voluntários que doaram seu DNA também responderam, de forma anônima, questionários sobre seu comportamento e personalidade, foi possível cruzar os dados dos SNPs com essas outras variáveis. O resultado é uma espécie de mapa de associações entre as mutações e o comportamento que se deseja estudar.

No novo artigo, os pesquisadores compararam os SNPs associados ao comportamento homossexual com os ligados ao número de parceiros sexuais que uma pessoa exclusivamente heterossexual teve ao longo da vida. Eles resolveram usar essa segunda medida como um possível indicativo de sucesso na reprodução, no lugar de algo mais óbvio, como número de filhos, já que a tecnologia moderna consegue controlar essa variável por meio de métodos anticoncepcionais.

Feitas todas as contas e análises estatísticas, o resultado foi que existe uma correlação positiva entre os SNPs de quem teve relações homossexuais ao longo da vida e os SNPs de héteros com muitos parceiros. A correlação não é de 100%, porém. Corresponde, na verdade, a 31% no caso dos homens e a 73% no caso das mulheres, ou 44% para ambos os sexos. Pessoas trans não foram incluídas na amostra.

A equipe de pesquisa tentou explorar ainda outras correlações entre genes, comportamento sexual e características pessoais. Parece haver alguma ligação estatística entre os dois grupos de SNPs e traços de personalidade como abertura a novas experiências e disposição para correr riscos.

Considerando como pesquisas desse tipo podem ser manipuladas para fins políticos ou discriminatórios, a revista Nature Human Behaviour preparou um editorial e uma série de textos de apoio para esmiuçar as implicações das descobertas, uma medida bastante rara em publicações desse tipo.

Num desses artigos, pesquisadores liderados por Julian Savulescu, do Centro de Ética e Humanides da Universidade de Oxford, destacam que uma enorme quantidade de genes (provavelmente na casa dos milhares), atuando em conjunto com efeitos individuais muito pequenos, parece explicar o componente genético da homossexualidade. Isso significa que não há justificativa para usar os dados genômicos para modificar as propensões sexuais de um futuro filho ainda na fase embrionária, por exemplo —os efeitos muito provavelmente seriam imprevisíveis.

Além disso, dizem eles, embora a ideia de que fatores inatos permeiam a homossexualidade pareça aumentar a aceitação dela, não se deve atrelar questões éticas a um panorama científico que pode acabar mudando. “Os direitos civis das pessoas LGBTQIA+ não podem depender dos últimos dados científicos ou teorias sobre a sexualidade humana”, escrevem.

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