Grupo de crianças sacrificadas em rituais maias tinha só meninos e parte deles era parente

Pesquisadores analisaram o genoma de 64 vítimas mortas na antiga cidade de Chichén Itzá, no México

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São Carlos (SP)

Análises de DNA de 64 pessoas sacrificadas em rituais da antiga cidade maia de Chichén Itzá, no México, acabam de revelar detalhes insuspeitos dessa prática e das transformações que afetaram as sociedades indígenas da região entre o ano 500 d.C. e o presente.

O genoma (conjunto do DNA) das vítimas mostra que todos os mortos eram meninos e, em grande parte dos casos, tinham parentesco próximo entre si, incluindo dois casos de gêmeos idênticos –algo que se encaixa no que se sabe sobre a mitologia maia. As crianças parecem ter vindo das regiões vizinhas de Chichén Itzá, tendo, inclusive, parentesco com grupos maias que ainda existem na área hoje.

Uma estátua de pedra desgastada pelo tempo em primeiro plano, com a pirâmide de Kukulkán ao fundo, envolta pela suave névoa do amanhecer em Chichén Itzá, um dos mais famosos sítios arqueológicos da civilização maia.
O templo maia de Kukulkan, na antiga cidade de Chichén Itzá, no México - Handout ./Mauricio Marat/Inah/Reuters

Detalhes sobre as descobertas foram publicadas nesta quarta (12) em artigo na revista especializada Nature. O trabalho foi liderado por Rodrigo Barquera e Johannes Krause, do Instituto Max Planck de Antropologia Evolucionista (Alemanha), e por Oana Del Castillo-Chávez, do Inah (Instituto Nacional de Antropologia e História), em Mérida, no México.

Os sacrifícios humanos estavam presentes, em alguma medida, em várias das grandes civilizações pré-colombianas do México e dos países vizinhos. No caso de Chichén Itzá, cidade-Estado que se tornou um dos principais centros políticos maias no chamado período Clássico Terminal (800-1000 d.C.), era comum que esses sacrifícios estivessem associados a corpos d’água subterrâneos e cisternas, os quais eram vistos como pontos de acesso ao submundo dos mortos.

Uma dessas cisternas, ou "chultúns", foi escavada em 1967, revelando mais de uma centena de corpos de crianças, em geral com idades entre 3 e 6 anos. Alguns especialistas acreditam que a cisterna, ligada a uma pequena caverna, era palco de sacrifícios cujo objetivo era obter boas colheitas de milho ou os favores de Chaac, deus da chuva. De acordo com relatos espanhóis do século 16, as crianças destinadas ao sacrifício eram obtidas por meio de sequestro, eram compradas pela elite da cidade ou podiam ser dadas como oferenda aos deuses. As datações indicam que o "chultún" em questão foi usado para essas práticas durante pelo menos cinco séculos.

Os 64 indivíduos sacrificados cujo genoma foi analisado são os que apresentavam boa preservação do chamado osso petroso, uma estrutura do crânio que é uma das melhores fontes para obtenção de DNA antigo no que diz respeito à preservação e menor contaminação. O genoma dessas crianças foi comparado ao de 68 maias modernos, moradores da localidade de Tixcacaltuyub, próxima a Chichén Itzá.

O primeiro resultado a chamar a atenção da equipe de pesquisadores foi a presença exclusiva de membros do sexo masculino no grupo de crianças sacrificadas (algo que nem sempre ocorria em outros sacrifícios humanos da cultura maia). Desses meninos, 16 tinham parentesco muito próximo com outra criança sacrificada no "chultún", entre os quais havia dois pares de gêmeos idênticos.

Esse fato parece corroborar narrativas no antigo livro maia "Popol Vuh", que relata a história dos chamados Heróis Gêmeos, que passam por ciclos de sacrifício e ressurreição no submundo dos mortos. Os gêmeos e demais crianças aparentadas podem ter sido sacrificados como uma espécie de recapitulação ritual das narrativas míticas.

Tanto a análise química dos ossos quanto a de DNA indicam que o estilo de vida e a origem étnica e geográfica dos meninos não era significativamente diferente da dos maias atuais ou antigos. Um detalhe de seus genes, porém, chama a atenção.

Existem diferenças consideráveis em regiões do DNA importantes para o sistema de defesa do organismo, em especial na resistência à bactéria Salmonella enterica, trazida pela colonização europeia. Provavelmente não se trata de algo casual, já que, no século 16, a população indígena do México foi dizimada pela epidemia do "cocoliztli", doença provavelmente causada pelo micróbio.

Os indígenas atuais carregam variantes de genes mais apropriadas para enfrentar essa infecção, diferentemente dos meninos sacrificados. Isso indica que a seleção natural eliminou da população os indivíduos que não tinham essa resistência ao micróbio.

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