André Roncaglia

Professor da Unifesp, pesquisador associado do Ibre-FGV e doutor em economia do desenvolvimento pela FEA-USP

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André Roncaglia
Descrição de chapéu Sabesp São Paulo

O privatismo sem critério de Tarcísio de Freitas

É imperativo evitar privatização da empresa de saneamento do estado mais rico do Brasil

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Depois do escândalo da privatização da Eletrobras, a Sabesp é a bola da vez.

A venda de participação acionária da empresa teve a ampla concorrência... de uma empresa interessada. Indagado a este respeito, o governo Tarcísio reagiu com a novilíngua privatista: "Não é falta de concorrência, é uma aderência ao que a gente vem colocando desde o início".

Estações de tratamento de esgoto modulares da Sabesp no Rio Pinheiros, próximo à usina de Traição, na Vila Olímpia
Estações de tratamento de esgoto modulares da Sabesp no Rio Pinheiros, próximo à usina de Traição, na Vila Olímpia - Gabriel Cabral/Gabriel Cabral/Folhapress

Especializada em energia elétrica, a Equatorial conta com uma "vasta experiência" de dois anos no setor de saneamento, "conquistada" com a privatização do serviço no Amapá, feita pelo governo Bolsonaro em 2021, sob a batuta do atual governador carioca de São Paulo.

Se efetivada a operação, a Equatorial deterá 15% das ações da Sabesp, adquiridas a preços abaixo dos vigentes no mercado (R$ 67 contra R$ 75). Sim, a privatização do ativo público, subsidiada com o dinheiro do contribuinte, é vista com naturalidade pela patrulha liberal.

Reportagens da Folha fizeram uma radiografia picotada da privataria tarcisiana. Deixe-me organizar os dados para o leitor. Ao se tornar "acionista de referência", a empresa terá participação acionária de 15% e o poder desproporcional de indicar o CEO da Sabesp, o presidente e três membros do conselho de administração.

Os principais acionistas da Equatorial são "o Opportunity, do banqueiro Daniel Dantas, as gestoras Atmos, Capital World Investors, Squadra Capital e o fundo americano de investimentos Blackrock". Com efeito, o "futuro plano de eficiência" da Sabesp prevê "redefinir a relação com sindicatos, otimizar benefícios e políticas de remuneração". E, claro, a governança da Sabesp seguirá a "cultura de dono", isto é, o "alinhamento de incentivos por performance". Traduzindo: corte no quadro de funcionários e elevação da remuneração da diretoria executiva. Este arranjo tem dado certo com a Enel em São Paulo, não?

A otimização de custos operacionais e da estrutura de capital da Sabesp visa aumentar o endividamento da empresa para fazer caixa e, assim, aumentar a distribuição de lucros aos acionistas. Com este nível da taxa de juros brasileira, o acionista ganha o retorno hoje e o usuário paulista paga os juros com tarifa mais alta no futuro.

Neste ponto, a racionalidade técnica do exterminador de estatais tem uma solução: utilizar os ganhos com a privatização para subsidiar, nos primeiros anos, as tarifas pagas pelo consumidor paulista. Sim, o governo vai usar o ganho com a venda da casa para financiar o aluguel da casa. "Imprecionante"!

Diferentemente do Amapá, onde a cobertura de serviços de saneamento é muito baixa —apenas metade da população tinha acesso a água tratada e meros 4,5% da população contava com coleta de esgoto—, a situação da cobertura no estado de São Paulo é próxima de total. Em 2022, os índices de cobertura de água (98%), de esgoto (92%) e de tratamento de esgoto coletado (85%) deixam nítido que o contribuinte paulistano já amortizou o investimento na estatal paulista desde 1973, quando foi fundada.

A Sabesp é uma empresa altamente lucrativa e com capital aberto em Bolsa. Mesmo assim, o governo Tarcísio não conseguiu gerar concorrência para privatizar a maior empresa de saneamento do país. É um feito e tanto!

Com controle da Sabesp, a Equatorial se consolidará como "empresa multiutilidades"; em 2023, sua margem de lucro foi de 77%. A ironia desta história é que um governo bolsonarista está subsidiando, à custa do contribuinte paulista, uma nova campeã nacional.

A reestatização do saneamento em Paris e Berlim —dentre dezenas de cidades mundo afora— questiona a fé inabalável na gestão privada dos recursos hídricos. É imperativo evitar este retrocesso no estado mais rico do Brasil.

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