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clóvis rossi

 

31/05/2011 - 16h55

Tarde demais para Assad

Perfeita a reação da oposição síria ao anúncio do presidente Bashar al Assad de uma anistia ampla: "Pouco demais, tarde demais", disparou Abdel Razak Eid, ativista da "Declaração de Damasco", grupo reformista lançado em 2005, portanto seis anos antes da atual onda de protestos contra a ditadura.

Em outro momento, a anistia até seria festejada, ainda mais que inclui expressamente o grupo "Irmãos Muçulmanos", quando até este 31 de maio pertencer a essa corrente acarretava pena de morte, ainda que nunca tenha sido efetivamente levada a cabo.

Agora, no entanto, a sociedade síria quer muito mais do que a liberdade. Quer mudar o regime. Ponto.

A anistia, portanto, é pouco e é também tardia porque as manifestações de protesto, ainda que duramente reprimidas, já alteraram a cena política de maneira irreversível.

Escreve, por exemplo, Nathan J. Brown, professor de Ciência Política e Assuntos Internacionais da George Washington University:

"A mudança tem agora lugar permanente na agenda [do Oriente Médio]. Muitos governantes podem até sobreviver às rebeliões em curso, mas todos serão sacudidos e mesmo os sobreviventes terão que recolocar seu domínio de alguma maneira (para melhor ou para pior)".

A questão seguinte inevitável é, pois, saber se Assad estará ou não entre os sobreviventes. Hoje por hoje é impossível responder com alguma segurança. Mas parece óbvio que os dois movimentos desta terça-feira indicam fragilidade. Além do anúncio da anistia, o número dois do partido Baath, no poder desde 1963, Mohammed Said Bkhetan, antecipou também a convocação de um diálogo nacional. "O comitê para o diálogo será composto por todas as correntes políticas e por pessoas tanto da vida política como da econômica e da sociedade em geral", anunciou Bkhetan.

Governos que se sentem fortes preferem o caminho da repressão pura e simples. Era precisamente o que vinha sendo trilhado por Assad até esta terça-feira. Agora, sem desmontar a repressão, acena com anistia e diálogo.

É razoável supor que, também sobre o diálogo, a oposição dirá que é pouco. Afinal, Bkhetan fez questão de deixar claro que o diálogo não inclui discutir o artigo oitavo da Constituição, que dá ao Baath o papel de único líder do Estado e da sociedade.

Como é óbvio, não há democracia em que um só partido se diga dono do país.

Reforça a sensação de que o regime está ficando mais e mais isolado o fato de que a oposição está reunida justamente na vizinha Turquia para uma assembleia de três dias.

Acontece que a Turquia vinha sendo um dos únicos amigos da Síria no período de isolamento que se seguiu à invasão do Iraque, em 2003, e ao assassinato do primeiro-ministro libanês Rafik Hariri, em 2005, em atentado atribuído ao Hezbollah (Partido de Deus), milícia pró-Síria com muita força política e militar no Líbano.

Relata Joshua W. Walker, pesquisador do Belfer Center da Escola Kennedy da mitológica Harvard University:

"A Turquia em rápido crescimento tornou-se o maior parceiro comercial e a linha da vida para Damasco, tanto econômica como geopoliticamente. Os laços entre os dois países resultaram no estabelecimento de um Conselho de Cooperação Estratégica de Alto Nível, uma zona de livre comércio, um regime de viagens sem necessidade de vistos e vários esforços de mediação nos últimos dois anos".

Walker chega a dizer que "a Síria beneficiou-se mais de sua parceria com a Turquia do que de sua aliança de duas décadas com o Irã".

Um aliado desse calibre hesitaria muito antes de abrir as portas para uma assembleia de rebelados contra o parceiro. A menos que o primeiro-ministro turco Recep Tayyp Erdogan queira fazer valer para Assad a sua observação recentíssima para o líbio Muammar Gaddafi: "Os líderes devem assumir responsabilidades, fazer sacrifícios, escolher o caminho humano e de consciência com vistas a mudar a face, o destino e a imagem destas terras".

Assad terá que oferecer muito mais que anistia e diálogo para se enquadrar no perfil de líder desenhado por seu maior parceiro.

clóvis rossi

Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha, ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un Nuevo Periodismo Iberoamericano. É autor de obras como 'Enviado Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo' e 'O Que é Jornalismo'. Escreve às terças, quintas, sextas e domingos.

 

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