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humberto luiz peron

 

30/10/2012 - 13h07

11 versões diferentes

Outro dia estava em um debate que discutia qual seria a melhor maneira de se analisar a atuação de uma equipe de futebol durante os 90 minutos de jogo. Depois de exposições daqueles que defendiam a análise pelos números (estatísticas), dos que preferem comentar os esquemas táticos e de alguns que defendiam o uso de softwares, chegou a minha vez de opinar. Penso que para fazer o melhor retrato de um time é preciso montar o quebra-cabeça com todas as versões dos jogadores em campo.

Um conjunto de versões pode ser assim.

1 - Goleiro - "Eu não aguento mais gritar e orientar esses caras. É só a bola começar a rolar e eles esquecem o que foi pedido, principalmente na marcação. Todo mundo só quer atacar e me deixam aqui exposto a seguidas finalizações dos adversários. Cansa ficar gritando 'volta' para os meus companheiros. Nos cruzamentos sobre a nossa área, o time também não colabora. Em todo cruzamento, eles falam para eu sair do gol e socar a bola, mas ninguém sobe com o atacante. Eles ficam olhando a bola e deixam os adversários livres. Ninguém se lembra de que se não tomarmos gols não perderemos a partida. Então o importante é saber se defender, sempre."

2 - Lateral direito - "O técnico não me deixa avançar, diz que eu tenho que marcar o meu setor. É difícil saber que há uma avenida para eu atacar e não poder passar da linha central. Eu fico com a missão mais difícil do time, pois tenho que marcar o lado mais forte do adversário --geralmente há três jogadores deles no meu setor e ninguém me ajuda. Cadê os volantes, os meias e o zagueiro central para me ajudar? Eles se esquecem que eu sempre tenho de fazer a cobertura dos espaços que eles deixam."

3- Zagueiro central - "Sou o mais experiente da nossa linha de zagueiros, por isso tenho de jogar na sobra, e só rebatendo bolas. Se eu preciso enfrentar um atacante no "mano a mano" é porque alguém do meio não fez a sua tarefa direito. Também sofro para comandar a linha de impedimento, pois o lateral direito joga muito recuado e demora demais para sair da defesa para deixar o atacante impedido. Nas bolas altas, não tenho confiança no nosso goleiro."

4- Quarto zagueiro - "Enquanto o meu companheiro de zaga está tranquilo, porque pode ficar esperando a bola, eu preciso sair da área para enfrentar os atacantes. Lógico que, em uma jogada, eu vou levar um drible. Só que, como ninguém me ajuda, eu tenho de correr atrás do atacante ou fazer uma falta - aí me chamam de violento. Também tenho de fazer a cobertura do lateral esquerdo, que vai para o ataque e não marca ninguém. Como o nosso time tem um volante sem habilidade nenhuma com a bola nos pés, eu também tenho de sair jogando e entregar a bola, redondinha, para um dos meias".

6 - Lateral esquerdo - "A jogada mais forte do time é pelo meu lado, então eu vou para o ataque em todas as oportunidades em que o time está com a bola nos pés. Por isso, eu acho não preciso marcar, espero que os companheiros entendam isso e colaborem marcando o meu setor. Acho que eu tenho tanta habilidade que poderia jogar como armador, e aí não precisaria ouvir gritos histéricos me mandando marcar o lateral do adversário."

5 - Volante - "Eu sou jogador de meio, mas o treinador praticamente me transformou em um terceiro zagueiro. Eu tenho de fazer o trabalho de uns três jogadores para marcar a frente da nossa área e ainda sair para fazer a cobertura dos laterais --principalmente do esquerdo, que não marca ninguém. Tenho de suportar calado os críticos que me chamam de 'brucutu' e dizem que eu não consigo dar um passe curto. Ninguém vê que, a começar pelo goleiro, nesse time só tem jogador folgado e que eu preciso me matar em campo para eles terem liberdade para jogar."

8 - Segundo volante - "Ninguém tem tantas funções como eu nesse time. Além de fazer tudo que um volante brucutu faz, eu ainda preciso me transformar em armador quando o time tem a bola. Tenho de dar assistências, fazer lançamentos e arriscar chutes de longe. Ainda tenho de ouvir as reclamações dos homens da frente quando erro um passe. Mas o que eu vou fazer se eles não se deslocam? Jogar parado na frente e ficar reclamando do volante é fácil. Gritar é fácil, mas correr atrás da bola é um trabalho que poucos querem fazer."

10 - Armador - "Se a bola não chega redonda nos meus pés, não dá para fazer nada. Os zagueiros e os volantes do nosso time não sabem passar a bola; todo passe é uma dificuldade para dominar; só recebo tijolos. Também não dá para pensar numa jogada, pois eu nem recebo a bola e já tem um monte de gente querendo o passe. Também falta inteligência aos nossos atacantes, eles não sabem se colocar em campo. O centroavante parece um poste jogando no meio dos zagueiros adversários, e o atacante de velocidade está sempre em impedimento".

11 - Meia que carrega a bola - "Tenho de dar velocidade ao time. Por isso, não tenho dúvidas, quando pego a bola parto para cima do adversário e tento o drible. E, quando tenho espaço, chuto para o gol. É assim que tem de ser feito. Se eu jogar com a lentidão do nosso camisa 10, já era, o time não anda. Eu me desgasto muito carregando a bola, por isso não quero que me peçam que eu marque os volantes do adversário. A minha função é levar o time para o ataque, de forma rápida, e espero que os dois atacantes acompanhem as minhas jogadas."

7 - Atacante de velocidade - "Eu preciso correr pelos dois lados do campo, enquanto o centroavante fica parado na área sempre pedindo que eu faça o cruzamento. Fico irritado com o técnico que a cada cinco minutos pede que eu fique trocando de lado. Muitas vezes o jogo está bom pela esquerda e ele me manda para a direita. Eu não suporto a lentidão do nosso camisa 10, toda vez que ele pega na bola, eu disparo pela ponta e, como ele segura demais a bola, eu fico impedido. Outra coisa que me atrapalha nesse time é o lateral esquerdo, por causa dele, em algumas partidas, eu preciso marcar o lateral direito do adversário."

9 - Centroavante - "Tenho o dom de marcar gols. Por isso o time tem de jogar em minha função. Todos precisam criar para que a bola caia nos meus pés dentro da área. Posso até jogar de pivô para preparar jogadas para os companheiros ou cair pelos lados para tirar os defensores do centro da área, mas quem joga com a camisa 9 tem que estar dentro da área para empurrar a bola para as redes."

Com tantas versões diferentes, faz uma análise completa de um jogo quem consegue observar o maior número delas e como eles interferem no desenrolar dos 90 minutos.

Até a próxima!

Mais pitacos em: @humbertoperon

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humberto luiz peron

Humberto Luiz Peron é jornalista esportivo, especializado na cobertura de futebol, editor da revista "Monet" e colaborador do diário "Lance". Escreve às terças-feiras no site da Folha.

 

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