Igor Patrick

Jornalista, mestre em Estudos da China pela Academia Yenching (Universidade de Pequim) e em Assuntos Globais pela Universidade Tsinghua

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Igor Patrick
Descrição de chapéu Índia China

Vitória dúbia de Modi deve forçar Ocidente a rever embates com a China

Premiê da Índia tem sido perspicaz em posicionar seu país como opção viável para quem procura alternativa a Pequim

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Depois de semanas de votação sob uma onda de calor forte, as eleições na Índia acabaram com o premiê Narendra Modi conquistando um terceiro mandato no melhor estilo "levou, mas não ganhou".

Contrariando as expectativas e as várias pesquisas de boca de urna, o líder indiano será reconduzido ao poder com menor suporte no Parlamento e obrigado a fazer concessões. O resultado deve forçar o Ocidente a recalcular a rota na forma de enxergar Nova Déli como peça fundamental na contraposição aos chineses.

O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, faz sinal de vitória ao chegar à sede do BJP (Partido Bharatiya Janata) para comemorar a vitória do partido nas eleições gerais do país, em Nova Delhi
O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, faz sinal de vitória ao chegar à sede do BJP (Partido Bharatiya Janata) para comemorar a vitória do partido nas eleições gerais do país, em Nova Delhi - Arun Sankar - 4.jun.24/AFP

Modi chegou primeiro à posição de premiê há dez anos concorrendo sob a bandeira de combate à corrupção. Líder do maior partido do mundo, o Bharatiya Janata com seus quase 180 milhões de membros, usou os dois mandatos no poder para expandir um culto à personalidade somado a uma forte repressão à minoria muçulmana e apoio ao nacionalismo hindu.

Sob seu governo, a Índia cresceu a taxas que variaram entre 6% e 8% ao ano, embora pouco da riqueza tenha se refletido de fato na melhora da vida na população —o país sul-asiático ocupada o amargo 134º lugar de 193 países no ranking de desenvolvimento humano computado pelo Programa da ONU para o Desenvolvimento, bem abaixo do Brasil na 87ª colocação.

Não que a população tivesse voz ativa para protestar. Os últimos dez anos ficaram marcados por uma erosão significativa da democracia. Modi, que nunca dá entrevistas à imprensa, prendeu jornalistas, mandou fechar meios de comunicação e turbinou uma máquina de propaganda estatal com uma narrativa de uma Índia forte e, sobretudo, hindu.

Neste sentido, caíram como uma luva os conflitos na fronteira sino-indiana em 2020, quando 20 soldados da Índia e quatro da China morreram com o reavivamento de tensões territoriais adormecidos por décadas. O premiê foi perspicaz na leitura do incidente, usando-o para limitar significativamente os contatos diplomáticos e econômicos com Pequim e posicionando o seu país como opção viável para quem estivesse procurando uma alternativa à China.

Foi assim que a Índia passou a dar cada vez mais atenção ao Diálogo de Segurança Quadrilateral (Quad) com Estados Unidos, Japão e Austrália, um mecanismo entre os quatro países fundado ainda em 2007, mas cada vez mais orientado para uma estratégia anti-China.

Na mesma toada, Nova Déli trabalhou para estabelecer e posicionar o Corredor Econômico Índia-Oriente Médio-Europa (Imec, na sigla em inglês) como estratégia rival à Iniciativa Cinturão e Rota chinesa, atraindo investimentos ao passo em que convencia o Ocidente a virar os olhos para as violações aos direitos humanos e a democracia no país.

Joe Biden e homólogos europeus se curvaram ao autoritarismo hindu porque ele servia aos seus princípios. Ademais, ainda que alardeie sua preferência por valores democráticos, os EUA apostavam que a consolidação de Modi traria uma bem-vinda estabilidade no relacionamento com os indianos, avançando na competição contra Pequim.

Mais de uma vez, o premiê falou grosso com os parceiros ocidentais, mantendo-os distantes do seu quintal de influência em países como Bangladesh e Nepal, e arrancando sucessivas concessões econômicas.

Os resultados eleitorais agora talvez mostrem ao Ocidente que Modi não é a figura incontornável que antes se pensava. Se quiser governar, analistas políticos preveem, o premiê precisará fazer concessões e compartilhar o poder. Há porém uma corrente de observadores que enxergam na divisão do Parlamento um sinal de alerta que possivelmente o leve a fortalecer o paternalismo característico de seus dois mandatos.

Não há espaço para um legado cinzento se esta última for a estratégia escolhida por ele. As chances de ruptura aumentarão, obrigando Washington e Bruxelas a reavaliar opções e talvez diversificar os cestos que recebem suas fichas.

Nenhum país asiático está tão bem posicionado para a briga com a China quanto a Índia, tanto no tamanho da população quanto no potencial econômico. Mas se a percepção no Ocidente mudar em relação à sua capacidade de honrar acordos e manter a política doméstica estável —a ponto de uma parceria trazer muito mais danos de imagem do que conquistas concretas— Modi talvez perceba que, no xadrez com os chineses, está muito mais para peão do que o rei que imaginava ser.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.