Geraldo Alckmin desembarca em Pequim amanhã, acompanhado de uma significativa comitiva que participa com ele da sétima reunião da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (COSBAN). Desconhecida pela maioria dos brasileiros, a estrutura é única no relacionamento do país com qualquer outro parceiro global e inaugura os trabalhos neste mandado de Lula em busca de uma função além da cerimonial.
Criada em 2004, a COSBAN é o espaço para que os vice-presidentes de ambos os países se encontram e promovam o aprofundamento dos laços diplomáticos. São 12 subcomissões e oito grupos de trabalho que ao longo da próxima semana discutirão temas tão distintos quanto propriedade intelectual, biotecnologia e esportes. Além de oferecer uma oportunidade para que projetos bilaterais alcancem capilaridade em nível ministerial, trata-se de uma rara chance para que homólogos brasileiros e chineses se sentem à mesa para entender como cada parte enxerga sua função.
Contudo, um descompasso entre o que espera o Brasil e o que a China está disposta a fazer relegaram a comissão a um papel quase figurativo e isso talvez não mude no encontro deste ano. Quando surgiu, o órgão tinha missões ambiciosas, como promover um entendimento acerca do protagonismo brasileiro em instituições multilaterais (mirando numa possível vaga no Conselho de Segurança da ONU) e em formas de avançar com Pequim uma agenda Sul-Sul de relevância.
É notável o quanto a diplomacia e credibilidade brasileira no exterior decaíram desde então. A despeito de alguns avanços de relevância como a criação do Novo Banco de Desenvolvimento, Dilma deu pouca atenção às pautas internacionais mais ambiciosas —no segundo mandato, então, às voltas com o processo de impeachment, relegou política externa ao fim da lista de prioridades. Seguiu-se o governo esmagadoramente impopular de Michel Temer e os quatro anos de Bolsonaro, talvez a maior crise de credibilidade externa do Brasil nas últimas décadas. No meio do caminho, a COSBAN ficou esquecida e suas principais pautas, sequestradas pela agenda do dia da China.
Nas irregulares ocasiões em que se reuniu, a comissão tratou muito de assuntos comezinhos como certificação de frigoríficos ou unificação de marcos sanitários. Não há dúvidas de que são temas a serem endereçados, mas para fazer valer a pena o tempo de dois vice-presidentes e vários ministros, o encontro deveria servir para mais. É isso que busca Alckmin agora, na primeira vez que a COSBAN se reúne presencialmente em cinco anos.
O governo brasileiro pretende aproveitar o encontro para captar investimentos. Quer dinheiro para investir em infraestrutura para transição e resiliência climática, encontrar sinergias para que as indústrias brasileiras caminhem juntas. Se calhar, até um apoio ainda que verbal ao ambicioso plano de integração sul-americana avançado por Simone Tebet no Ministério do Planejamento. Mas argumento que a COSBAN precisa servir como algo além de apenas um roadshow de oportunidades a investidores estatais e privados.
Nesta semana que passou falei sobre o assunto com pessoas-chave a estudar o papel, relevância e impacto da comissão nas relações sino-brasileiras, como Larissa Wachholz (Cebri), Michelle Ratton (FGV) e Giorgio Shutte (UFABC). Todos são unânimes na avaliação de que deveríamos acionar mais e melhor as estruturas da COSBAN.
É preciso enxergar o mecanismo como um fórum para aparar arestas, discutir temas sensíveis da relação e alinhar expectativas. O Brasil aplicou medidas compensatórias severas ao aço chinês no mês passado, após anos de reclamação da siderurgia quanto à prática de dumping. O mesmo vem acontecendo em outros setores como o de fibra óptica, têxteis e calçados. Não seria o caso de encontrar caminhos para a cooperação que não impliquem na morte da frágil indústria brasileira? E os setores críticos à segurança nacional? Que tal debater formas de regular a presença chinesa em áreas vitais como telecomunicações, geração e distribuição de energia elétrica e serviços financeiros?
Para o bem e a longevidade dos laços com a China, o Brasil precisará enxergar o país de fato como parceiro também nas questões difíceis —e não apenas como fonte inesgotável de dinheiro para projetos há anos no papel.
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