Ilona Szabó de Carvalho

Presidente do Instituto Igarapé, membro do Conselho de Alto Nível sobre Multilateralismo Eficaz, do Secretário-Geral. da ONU, e mestre em estudos internacionais pela Universidade de Uppsala (Suécia)

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Ilona Szabó de Carvalho

A emergência climática na equação da crise na Venezuela

Solução democrática deve incluir fatores de clima e meio ambiente que impactam na migração de milhões

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Nas últimas semanas, nosso continente tem acompanhado com apreensão o desenrolar da crise política na Venezuela, depois de uma eleição presidencial que sintetiza os ataques enfrentados por sua democracia de forma sistemática e sistêmica.

A relevância geopolítica venezuelana no jogo global do petróleo e minérios fizeram do país quase que um manual latino-americano de populismo a serviço de interesses políticos e econômicos predatórios, com consequências gravíssimas não apenas para a democracia, mas em questões humanitárias e climáticas do continente.

Apoiadora de Nicolás Maduro em manifestação em Caracas - Yuri Cortez/AFP

E esse aspecto climático da crise está fora dos olhares, embora seja tão dramático quanto os fatores políticos em seus efeitos. A falta de transparência na Venezuela sobre suas questões ambientais vem historicamente impedindo o desenvolvimento de políticas nacionais e regionais que podem aliviar as múltiplas crises e contribuir na transição democrática do país.

Nesse sentido, falar de políticas regionais é fundamental, ainda mais num momento em que as maiores apostas de caminhos de saída para a crise venezuelana estão na mediação feita por Brasil, Colômbia e México. O número de refugiados e migrantes da Venezuela, que tem pouco mais de 29 milhões de habitantes, já chega a 7,8 milhões de pessoas –destas, 6,6 milhões se deslocaram para países da América Latina e Caribe. Os refugiados venezuelanos, em boa parte em estado de fome e penúria, se tornaram uma questão humanitária regional e um foco de conflitos internos em vizinhos que os abrigam.

Não é possível separar os fatores climáticos das causas socioeconômicas desse fluxo migratório. País que já foi dos mais ricos do mundo, com ampla variedade de recursos naturais, a Venezuela tem sido castigada pelo aquecimento global.

De secas severas –neste ano, registrou seus maiores índices de incêndios na Amazônia e outros biomas– ao posto de primeiro da Era Moderna a perder todos os seus glaciares, com o remanescente La Corona sendo rebaixado há pouco a campo de gelo, o país vê seus ecossistemas, literalmente, derreterem.

Refinaria José Antonio Anzoategui, na Venezuela - Carlos Garcia Rawlins/Reuters

Com uma das maiores reservas de petróleo e gás do mundo, a Venezuela tem nesse setor cerca de 60% de seu orçamento nacional para este ano e pouco apetite para compromissos de descarbonização. Os dados sobre emissão de gases de efeito estufa fazem parte do pacote de falta de transparência governamental, com divulgação errática. As informações disponíveis apontam para uma redução de 69% nas emissões de CO2 entre 2013 e 2020 –e é revelador que não tenha sido provocada por ações em prol do clima, mas pela deterioração dessa indústria dentro do caos econômico e das consequências do boicote dos EUA ao petróleo venezuelano.

Para completar, é essencial entender a dinâmica da mineração ilegal, que, como no Brasil, também envolve as populações locais em cadeias de ilícitos que destroem a floresta.

O abandono do Estado é exemplificado pelo recente desabamento da mina de ouro ilegal Bulla Loca, na Amazônia, que matou 30 entre as mais de 200 pessoas que nela trabalhavam em condições precárias, bem como pela invasão de terras yanomamis venezuelanas, que não são demarcadas, por garimpeiros ilegais brasileiros, intensificada depois de operações policiais e militares no lado brasileiro da fronteira.

A crise migratória da Venezuela está também conectada à emergência climática e isso não pode ficar de fora da equação da transição democrática venezuelana. O país vai precisar de ajuda para lidar com mais essa emergência para prover seus cidadãos dos direitos e condições para viverem em seu país.

Cobrar democracia, transparência e responsabilidade do governo eleito —seja qual for o desfecho— para estancar essa tragédia que está acontecendo, com consequências para toda a região, é do interesse de todos nós.

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