João Pereira Coutinho

Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.

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João Pereira Coutinho
Descrição de chapéu Portugal

Para os fãs, Taylor Swift é uma bênção; para mim, um desastre natural

Quanto maior uma adoração, maior a chance de despertar o interesse da dra. Jane Goodall

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Taylor Swift passou por Lisboa. Vinte e quatro horas antes, fugi da cidade. Nada tenho contra você, querida Taylor, mesmo depois de ter perdido 90 minutos da minha vida com o seu documentário, "Miss Americana".

Fugi para evitar as multidões enlouquecidas que acorreram em peregrinação pela diva. Ainda vi seus corpos, dormindo nas ruas, à porta do estádio do Benfica, onde seria o concerto. Contornei seus corpos, com cuidado, sem pisar ninguém, como nos filmes de zombies.

Sábia decisão. Dizem os sismógrafos que o Eras Tour marcou 0,8 na escala Richter quando a cantora ofereceu ao público luso o tema "Shake it off". Apesar de tudo, longe, muito longe dos 2,3 registrados em Seattle.

É uma bela metáfora. Para os fãs, Taylor Swift é uma bênção vinda dos céus. Para mim, é um desastre natural.

(E se o leitor questiona se já escutei os discos de Taylor Swift, a resposta é afirmativa. Podemos ficar por aqui?)

Estas confissões não foram bem recebidas por amigos ou conhecidos, que tomaram as minhas palavras como uma ofensa estética e ética –aos próprios ou aos seus filhos adolescentes.

Tentei defender-me: não sou homem de multidões. Reajo da mesma forma com grandes jogos de futebol ou festas populares que enchem as ruas.

Quando os lisboetas festejam santo Antônio, fujo para o Porto. Quando os portuenses festejam são João, fujo para Lisboa. Quando ambos festejam qualquer coisa, fujo para a Espanha –e, de festa em festa, posso mesmo acabar no deserto do Sinai, desde que os beduínos não comecem com ideias.

Mas não é preciso chegarmos às grandes datas. Em festas privadas com excesso demográfico é a mesma coisa, razão pela qual me especializei na chamada "saída à francesa", uma expressão dos ingleses que os franceses designam por "saída à inglesa".

(Curioso: é a mesma coisa com o "vício francês", vulgo sodomia, que os franceses designam por "vício inglês". Mas divago.)

Multidão vista de longe em versão quase abstrata, quase como se fosse uma colméia
Ilustração de Angelo Abu para coluna de João Pereira Coutinho de 11 de junho de 2024 - Angelo Abu/Folhapress

A "saída à francesa" é uma forma de você desaparecer das festas sem ninguém notar. Corrijo. As pessoas não notam porque ainda acreditam que você está na festa. Como se faz isso?

Praticando. Não há outra forma. É como tocar oboé.

No início, todo mundo notava. "Quem é aquele pulando da janela?". E o anfitrião, compreensivelmente desiludido, respondia: "É o Little Couto, nosso menino de Aveyron".

Com o tempo, aprendi que o essencial é falar com meia dúzia de pessoas estratégicas, anfitriões inclusos, terminando todas as conversas com: "Vou circular mais um pouco, a festa está ótima, com sua licença".

Quando os outros convidados se encontram com as pessoas estratégicas e perguntam pelo meu paradeiro ("Você viu o Little Couto?"), elas respondem sempre: "Deve estar circulando por aí".

(E eu em casa, com duas rodelas de pepino nos olhos, pronto para o meu sono de beleza.)

Contei essas histórias para aliviar o prejuízo das minhas palavras sobre a cantora. Ninguém se comoveu.

Desconfio até que um colega de ofício cortou relações comigo depois de ouvir as palavras "Taylor Swift" e "inaudível" na mesma frase. Que se passa com essa gente?

A ciência, como sempre, pode dar uma ajuda: anos atrás, três pesquisadores publicaram um estudo polêmico na revista "BMC Psychology" que só confirma velhas suspeitas. O título é "Celebrity worship and cognitive skills revisited".

Segundo os autores, pessoas que declaravam uma grande adoração por celebridades tinham uma fraca performance em testes cognitivos verbais e não verbais.

Pois é: quanto maior a adoração, maiores são as hipóteses de você despertar o interesse da dra. Jane Goodall.

Uma dúvida, porém, persistia: essa debilidade cognitiva era causa ou consequência da adoração por celebridades?

Os pesquisadores esperam iluminar o mistério com novos estudos. Estou disposto a ajudar –e, tomando a iniciativa, já enviei para o meu colega desavindo a pergunta sacramental: "Você ficou assim depois de Taylor Swift ou já era antes?".

Quando ele responder, prometo partilhar a descoberta com a comunidade científica.

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