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La mano de Diós. E a bicicleta

O bem-humorado diário esportivo argentino 'Olé'manchetou: "La Mano de Diós", para anunciar o novo Papa, Jorge Mario Bergoglio, torcedor do San Lorenzo de Almagro.

A frase nasceu com Maradona ao justificar o gol feito contra a Inglaterra, com a mão, na Copa de 86. Gostar de futebol é saudável como andar de bicicleta.

Enquanto a tarde paulistana oscilava entre chuva, céu fechado e sol entre nuvens, a fria noite romana saudava o novo Papa, uma esperança de mudança na anacrônica igreja católica.

Pouco mais de 72 horas antes, numa quente e úmida madrugada em São Paulo, na avenida Paulista, um estudante de psicologia, alcoolizado, andando em zigue-zague, decepou o braço de um jovem limpador de vidros em prédios que seguia para o trabalho. Negou socorro e jogou o braço do ciclista num córrego impedindo a tentativa, bastante possível, de reimplantá-lo.

"La Mano de Diós" não vingou. Nesse caso.

A cidade não consegue conviver com os mais vulneráveis.

Entre eles, os ciclistas.

Não são os ciclistas que precisam da cidade. É a cidade que necessita da bicicleta.

Não entender a importância da bicicleta como modo de transporte é não entender o mundo hoje. Nas grandes metrópoles.

O trânsito é um cão. É o caos. A mentalidade do carro se sobrepôs de forma que até boas pessoas lhe dão uma primazia como se fosse direito divino.

Por mais que se melhore o transporte público de massa a bicicleta é essencial para completar a rede necessária. Para o deslocamento e para a qualidade de vida.

Os maiores obstáculos entre a cidade desejada, aquela que oferece os prazeres que queremos usufruir, e a cidade real são a mobilidade e o medo.

A bicicleta não é só meio de transporte eficaz. É uma forma humana de você se deslocar de modo agradável, curtindo São Paulo. Enxergando-o e desfrutando-o.

Até o prefeito embarcou no equívoco. Quando disse que sempre pensou em retirar a bicicleta das vias principais está cometendo erro crasso de conceito. Tirando o sofá da sala para evitar a traição.

Dois terços dos acidentes acontecem na periferia, fora do centro expandido. A maioria na zona leste.

Crédito: Fabio Braga-10.mar.13/Folhapress Ciclistas protestam na avenida Paulista
Ciclistas protestam na avenida Paulista

A questão não era o ciclista que transitava lá. O irresponsável jovem alcoolizado poderia ter atropelado e decepado o braço de um pedestre ou de um motoqueiro.

O problema é a atitude. No caso, do aspirante a psicólogo, que se imagina, deseja cuidar da cabeça dos outros. Não cuidou do braço.

Além de regras, multas e punições, todas necessárias, o que cabe é criar uma cidade em que um pedestre e um ciclista possam trafegar sendo respeitados.

Não é colocando ciclofaixa em vias secundárias.

Trata-se exatamente do oposto. É assegurando o lugar da bicicleta onde ela couber com destaque que se criará uma cultura de respeito. Não só à bicicleta.

São Paulo tem que deixar de ser a cidade do medo. Onde é preciso ficar em casa. De janela bem fechada.

Além de uma dura punição a quem decepou um braço de alguém, por negligência, cabe impregnar a todos de imensa convicção de respeito aos outros. De vontade de viver bem, numa cidade legal.

Que passa por não se submeter a "La Mano do carro".

Não sei o que fará esse Papa eleito para recompor os graves equívocos que a Igreja Católica se meteu.

Mas quando ele surge do alto da sacada famosa, uma figura latino-americana, ao saber que curtia andar de ônibus e Metrô por Buenos Aires, ao ver seu lado humano de torcedor.

Há um fio de esperança. De mudança.

Incorporar a bicicleta é uma mudança absolutamente necessária.

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