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manuel da costa pinto
Novo disco do Il Dolce Ballo traz repertório do fim da Idade Média
Mesmo para quem tem familiaridade com a música clássica, o repertório medieval e renascentista é uma espécie de continente submerso. Gêneros como cantochão (canto gregoriano), moteto e madrigal se confundem num retábulo em que sacro e profano desfilam à sombra das catedrais góticas, tendo ao fundo o brilho galante das festas cortesãs e o alarido dos carnavais populares.
Tais estereótipos não deixam de ser encantadores, porém acabam por obscurecer as singularidades de um período histórico que, de fato, é bastante homogêneo e cujas mudanças sociais e estéticas são lentas em comparação com o dinamismo da moderna sociedade burguesa.
Divulgação | ||
Novo disco traz composições que vão de Guillaume de Machaut e Francesco Landini a Pierre Certon e Pierre Attaingnant. |
O trabalho do grupo Il Dolce Ballo é excelente porta de entrada para essas nuances. Depois de "Amor & Devoção", disco centrado no repertório ibérico dos séculos 13 a 16, a formação paulista de "música antiga" lança "Ecco la Primavera - Galanteios e Festejos do Século 14 ao 17".
Com voz (Carlos Eduardo Vieira), alaúde e guitarra barroca (Rosimary Parra), diferentes tipos de flauta doce (Marta Roca) e percussão (Alexandre Biondi), o novo disco traz composições que vão de Guillaume de Machaut e Francesco Landini a Pierre Certon e Pierre Attaingnant.
O caso de Machaut é emblemático: "artesão da antiga e da nova forja", como ele se intitulava, o compositor faz a passagem entre uma lírica trovadoresca, em que a linha melódica está subordinada à poesia, para a polifonia da "Ars Nova".
A faixa dedicada a ele, "Je Ne Cuit Pas" ("Eu Não Creio", em francês antigo), ainda é austera: idealização decorosa de um amor sem objeto, júbilo metafísico com o puro dom de amar. Em seu contemporâneo Landini (célebre organista cego de Florença, autor da peça que dá título ao disco), já se percebe uma leveza pastoral, com o frescor da nova estação anunciando outras harmonias.
As músicas não estão dispostas cronologicamente, mas a instrumentação (de uma licenciosidade que remete ao "Decamerão", de Boccaccio) e as letras permitem ver como, nas celebrações da dança e do vinho por Certon e Attaingnant, o ritualismo feudal se transformou num jogo delicado de sugestões amorosas e de novos prazeres, mais próximos do humanismo renascentista.
DISCO
ECCO LA PRIMAVERA * * *
ARTISTA: Il Dolce Ballo
GRAVADORA: independente (R$ 30)
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CONEXÕES
DISCO
AMOR E DEVOÇÃO * * * *
A temática amorosa se funde a louvações religiosas e a sentimentos de piedade nessas peças da Idade Média ibérica.
ARTISTA: Il Dolce Ballo
GRAVADORA: independente (2005, R$ 28)
LIVRO
O OUTONO DA IDADE MÉDIA * * * *
Primeira tradução do holandês desse clássico que mostra o esplendor da Europa setentrional nos séculos 14 e 15, pondo em xeque clichês sobre a "idade das trevas".
AUTOR: Johan Huizinga
TRADUÇÃO: Francis Petra Janssen (2010, 656 págs., R$ 159)
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LIVROS
AVENIDA NIÉVSKY/NOTAS DE PETERSBURGO DE 1836 * * * *
Nikolai Gógol; tradução de Rubens Figueiredo (Cosac Naify, 128 págs., R$ 46,50)
Fundador da moderna prosa russa, Gógol (1809-1852) foi também precursor da percepção da insignificância do sujeito na metrópole moderna. Em "Avenida Niévsky", os destinos de duas personagens são tingidos de trágica ironia. O instigante projeto gráfico reconstitui o fluxo da famosa via de São Petersburgo, tema das "Notas" editadas à parte.
A HISTÓRIA VERDADEIRA * * * *
Luciano de Samósata; tradução de Gustavo Piqueira (Ateliê, 88 págs., R$ 45)
Com ilustrações de Alexandre Camanho, Carlos José Gama e Jaca, a edição apresenta "tradução relativamente fiel" desse clássico da literatura grega e embarca no tom satírico de Luciano -cujo périplo por mundos extraordinários influenciou a "Viagem à Lua", de Cyrano de Bergerac, as parábolas de Swift e de Voltaire e os delírios do Brás Cubas, de Machado de Assis.
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FILME
A LENDA DO SANTO BEBERRÃO * * * *
Ermanno Olmi (Lume, R$ 49,90)
Baseado em romance do austríaco Joseph Roth (1894-1939), esse filme de 1988 traz Rutger Hauer (o androide de "Blade Runner") como o mendigo que recebe dinheiro de um desconhecido em troca do cumprimento de uma promessa. Ele gasta tudo em porres que frustram suas tentativas de redenção, numa fábula moderna sobre a graça divina e a fragilidade da vontade humana.
Manuel da Costa Pinto é jornalista e mestre em teoria literária e literatura comparada pela USP. É editor do 'Guia Folha - Livros, Discos, Filmes' é também do programa 'Entrelinhas', da TV Cultura. Escreve aos domingos.
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